janeiro 28, 2013

Viés do storytelling contemporâneo

Esta Ted de Colin Stokes, How Movies Teach Manhood, traz dois assuntos que me sensibilizam particularmente: pelo lado mais profissional os efeitos do storytelling enquanto elemento base da arte que produzimos; pelo lado humano a condição da mulher e a agressão sexual ignorada pela sociedade.


O cinema de Hollywood por ser o único visto a uma escala global por milhões de pessoas pode ser visto simultaneamente como espelho e gerador de mitos contemporâneos do storytelling humano. Nesse sentido uma análise mais cuidada do que temos nestes filmes pode ajudar-nos a compreender de que é feita a nossa sociedade e como se comporta. Os modelos que seguimos e em que acreditamos são fruto primeiro da família que nos rodeia, que por sua vez são depois trabalhados em parte pela cultura da ficção que consumimos.

89% dos filmes do Top 100 mais vistos em 2011 apresentam personagens masculinos

Nesse sentido é ridículo que numa cultura que diz defender a igualdade entre sexos, os papéis principais, os protagonistas, os heróis, continuem a ser largamente majoritários dos homens. Evoluímos alguma coisa nos últimos 50 anos, mas ainda assim nos últimos anos, invariavelmente, o Top 10 de filmes mais vistos nos EUA e também no planeta apresentam um a dois filmes com mulheres a liderar. Ou seja, os homens ocupam os principais modelos do nosso imaginário proveniente do storytelling cinematográfico em 80 a 90% dos casos. Sei bem que vende mais um herói masculino, mas vende porque os mitos assim estão formatados. Veja-se o caso da Pixar com todo o sucesso que conseguiu nos últimos quase 20 anos, não teve um único filme que tenha sido um flop, ainda assim esperou por 2012 para arriscar lançar o seu primeiro filme com uma heroína (Brave, 2012). Tudo isto nos deve questionar sobre o que vemos e damos a ver, com uma simples pergunta: com que modelos queremos educar os nossos filhos?

Teste que permite identificar se existe viés de género num filme/livro/jogo...

O cinema não é só o Top 10, nem é só Hollywood. Nem o imaginário contém apenas só cinema. Mas isso não quer dizer que não nos devamos preocupar em construir uma boa selecção dos filmes, livros, e jogos que queremos que os nossos filhos leiam, vejam e joguem. Porque se existe algo sobre o qual não tenho dúvidas é sobre o papel extremamente importante que o storytelling tem sobre o crescimento das crianças. É daqui que retiram ideias para os seus sonhos, e é aqui que aprendem a confrontar os seus medos e as suas morais, construindo as bases da ética pessoal.

Why domestic violence victims don't leave, Leslie Morgan Steiner (TED 2013)

Como disse, o storytelling só vem depois da família, o cinema não salva uma criança de uma família destruturada. Porque a violência sexual no seu extremo mais negro está já presente no seio da própria família, o lugar de maior influência formatadora das crianças. Podemos ver isso numa outra TED brilhante também publicada hoje com Leslie Morgan Steiner sobre o tema Why domestic violence victims don't leave. Podemos ver também filmes como Cairo 678 (2010) (trailer) ou Femme de la Rue (2012) que mostram a nu como se comporta a nossa sociedade na relação entre sexos. Colin Stokes diz-nos ainda nesta TED que um estudo do governo americano concluiu que uma em cada cinco mulheres americanas já foi, alguma vez na sua vida, abusada sexualmente.


O cinema não é culpado da agressão sexual, mas o cinema e a demais arte criadora de imaginários e sonhos pode ajudar a mudar os mitos, e aos poucos esse mitos poderão transforma-se em novas acções. Por isso precisamos de mais heroínas como a Chihiro, a Rapunzel, e a Merida.

How Movies Teach Manhood, Colin Stokes (TED 2013)

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