dezembro 30, 2013

A explicação de “engage”

Para quem segue este blog já percebeu que o conceito de empatia é aqui bastante importante. Assim como quem leu o meu livro "Emoções Interactivas", percebeu todo o fascínio que nutro pelo poder e alcance desta propriedade do comportamento humano. Quando em 2009 criámos o engageLab, o seu nome foi bastante discutido, mas acabou por prevalecer a ideia de “engagement”. Desse modo definia-se como objectivo central da nossa investigação o desenvolvimento de tecnologias, processos e modelos capazes de ampliar as propriedades empáticas entre a máquina e o humano. Para explicar melhor o que andamos a tentar fazer no engageLab, deixo um pequeno filme da RSA que ao explicar a diferença entre Empatia e Simpatia, define na perfeição, e de modo visual, aonde se pretende chegar no engageLab.


O filme “The Power of Empathy” é uma visualização animada de um excerto de uma talk de Brené Brown, investigadora da Universidade de Houston na área da vulnerabilidade humana. Ou seja, o filme fala-nos de propriedades humanas, da sua relevância para a manutenção da nossa espécie. O que eu faço aqui neste post é pedir-vos para verem além dessa relevância, para irem além da ligação humano-humano e olharem para ligação humano-máquina. Claro que isto não é algo simples, longe disso, mas a investigação científica só vale a pena quando os objetivos a atingir são difíceis e por vezes nos parecem mesmo impossíveis.
“The truth is, rarely can a response make something better - what makes something better is connection.” Brené Brown

dezembro 28, 2013

A poesia da chuva

“Rain” (2013) é uma espécie de conto de fadas transformado em videojogo. De um lado o mal, o Desconhecido e seus lacaios, do outro o bem, duas crianças, um menino e uma menina que se perderam numa cidade Europeia à noite, e procuram o caminho de volta a casa. O fantástico surge porque os “nossos” meninos são invisíveis, tornando-se apenas visíveis quando estão à chuva. Desta forma terão de utilizar o espaço para controlar a sua invisibilidade e assim fugir aos monstros.


Como conto de fadas “Rain” tem quase tudo que é preciso, desde o perigo e medo ao atmosférico mágico-poético. É fácil entrar pelo universo adentro e sentir-se envolvido pela forma e trama. O pior surge no desenho de jogo, com situações apenas resolúveis por tentativa e erro, uma câmara que apesar de quase sempre bem posicionada cinematograficamente, falha demasiado nas aproximações à acção dificultando a percepção do que se espera de nós. Mas talvez o pior esteja no desenho de um final de jogo em certa medida feito à pressa que falha em passar para o ecrã tudo aquilo que se pretende dizer sobre o que se está ali a passar. Fiquei com a sensação que o final do jogo terá sido feito um pouco a correr, provavelmente para cumprir deadlines editoriais.

Apesar dos vários problemas aqui apontados, a experiência de "Rain" é bastante impressiva. A arte visual é muito rica começando e terminando a história com um conjunto de belíssimas aguarelas, sendo que o resto do jogo nos faz sonhar como devem fazer os contos de fadas, por meio do tratamento gracioso dado aos meninos quando visíveis à chuva. Para complementar o aspecto visual, as performances de ambos os personagens são de uma enorme ternura, tornando a sua presença no ecrã quase sempre uma delícia. Por outro lado no campo sonoro, além da constante presença do som da chuva, que contribui fortemente para todo o tom de melancolia, somos presenteados com uma banda sonora trabalhada a partir da serenidade de "Claire de Lune" de Debussy.


“Rain” é a pequena jóia de 2013 da Sony Playstation que sucede a “The Unfinished Swan” (2012). Ambos se baseiam em mecânicas inovadores, simples mas visualmente forte, e ambos se socorrem da fantasia dos contos de fadas para criar os seus universos. São videojogos que saem do enquadramento clássico de jogo, que procuram explorar as fronteiras entre o jogo e a contemplação interactiva. Ambos criam motivação nos jogadores pelo envolvimento com a experiência audiovisual interactiva, deixando de lado os mecanismos próprios de gestão e manutenção de atenção das correntes clássicas de jogo.

É uma experiência curta, 3 a 4 horas, mas é um dos meus 10 videojogos de 2013.

dezembro 27, 2013

Os melhores textos de 2013

Este ano resolvi fazer uma filtragem dos 15 textos mais vistos em função da sua relevância para mim, em termos de produção de pensamento. Ou seja, mantive a ordem dos mais vistos, mas eliminei os textos que me pareceram menos relevantes. A razão principal é que por vezes certos textos adquirem demasiada visibilidade, não pelo seu valor, mas pelas palavras-chave que os motores de busca “gostam” de indexar. No final podem encontrar também links para todos os criadores que entrevistei este ano aqui.


Deixo-vos estes textos de 2013 com votos de um excelente 2014.

1 - Indústrias criativas num mar de iliteracia, é possível?, Novembro 2013

2 - Porque é inovador, "The Last of Us"?, Setembro 2013

3 - "Eu tornava os jogos obrigatórios", Janeiro 2013

4 - Universidade e emprego, nas áreas criativas, Fevereiro 2013

5 - Criar o próprio emprego, sim ou não?, Junho 2013

6 - "Pensar, depressa e devagar", Maio 2013

7 - A exploração dos criativos digitais, Março, 2013

8 - Criatividade colaborativa contra o bullying, Março 2013

9 - Viés do storytelling contemporâneo, Janeiro 2013

10 - O lado negro da moral, Fevereiro 2013

11 - Do humanismo ao mercantilismo. Arte, desporto e universidades, Junho 2013

12 - Educação e criatividade, Maio 2013

13 - Educação é água, Maio 2013

14 - A felicidade segundo o budista Matthieu Ricard, Março 2013

15 - "Shadow of the Colossus", perfeição do balanceamento de emoções, Abril 2013


Entrevistados em 2013

Bruno Telésforo, artista VFX
Luís Belerique, artista 3d
Luís Oliveira Santos, realizador documentários
Mario Costa, realizador videoclips
Nuno Plati, ilustrador Marvel

dezembro 26, 2013

Além dos Múltiplos Finais

“Beyond: Two Souls” (2013) é um videojogo de David Cage e isso fica bem evidente pelo modo como a fusão entre história e jogo é trabalhada, nomeadamente pelo uso de longas cutscenes e múltiplos finais, assim como pelo uso de ambientes e personagens melodramáticos à lá Hollywood. No campo temático, a morte volta a estar presente, mas desta vez a reflexão é sobre o que está para além desta. Interrogações despoletadas pela perda de alguém muito próximo de Cage que não encontrando respostas na religião resolveu escrever um videojogo para verbalizar aquilo que sentia.



Cage pretendia que nos questionássemos sobre a morte, sobre o além, mas para o fazer optou por evocar o fantástico. A morte que era também um tema forte em "Heavy Rain" (2010), era vista mais como consequência, ou seja analisada a partir das emoções e sentimentos de quem fica ("o pai que perdeu o filho"). Aqui a morte é o motivo principal, não interessando tanto as suas consequência sobre os vivos, sendo visualizada através de um canal de acesso proporcionado pelo paranormal. Nesse sentido, quando comparado com "Heavy Rain" perde em capacidade de nos demover emocionalmente, já que se afasta do reduto da objetividade, evocando abstrações e premissas com as quais podemos não estar de acordo e assim falhar a ligação empática. Para agravar a abordagem por via do paranormal, o tratamento dado ao conceito de morte não é propriamente muito elaborado, já que as posições apresentadas são bastante simplistas, trabalhando ideias do senso comum sobre a morte e o chamado além.

Apesar do tratamento dado ao tema não estar dentro do meu comprimento de onda, o trabalho da equipa da Quantic Dream é soberbo no que toca ao desenvolvimento de toda a experiência de interação e storytelling. Cage passou a última a década a trabalhar esta mescla, e tem melhorado de jogo para jogo. Beyond apresenta nesse campo uma evolução significativa, porque simplificada, e muito mais próxima das ações narrativas que em qualquer jogo seu anterior. Deixámos de ter de cumprir repetições de cores no ecrã (uso da interface do jogo “Simon Says” em “Fahrenheit”, 2005), assim como deixámos de tentar imitar as ações visuais no analógico que tornavam a nossa ação complexa e mais centrada sobre si própria do que sobre o que decorria no espaço diegético (em “Heavy Rain", 2010).

Em Beyond, Cage conseguiu encontrar formas simples, como por exemplo através da câmara lenta consegue conduzir-nos a realizar ações sem qualquer suporte visual informativo no ecrã. Por outro lado, o fato de um dos personagens ter uma condição fantástica e fantasmagórica, com ausência de peso, ajudou a construir toda uma interface muito mais próxima das convenções de jogo, embora sempre com um tratamento muito “realista” conferido pelo constante tremer da câmara e alguma latência na resposta às nossas ações.

Posto tudo isto, interessa-me agora analisar em maior detalhe o tratamento realizado sobre o storytelling interactivo. Se nos jogos anteriores Cage se baseou muito nos múltiplos personagens fragmentando a perspectiva mas ampliando a abordagem da mesma, aqui deixou tudo isso para trás. Talvez Cage tenha receado adicionar confusão ao facto de já termos de controlar dois personagens durante quase todo o jogo (Jodie e o seu “amigo imaginário” Aiden), mas na verdade o que acaba por fazer é tornar muito mais forte a nossa ligação com  a personagem de Jodie, já que Aiden nunca é suficientemente caracterizado para ganhar autonomia face a Jodie, tirando o final do jogo.

Mas se no caso dos personagens jogáveis a opção assentou na focagem e concentração num único protagonista, fortalecendo a nossa ligação, já no caso do fechamento da narrativa, Cage optou por manter os tradicionais múltiplos finais. Muito sinceramente, por mais que procure compreender o que se pretende com o desenho de vários finais, não consigo atribuir-lhes lógica nem mais valia. Tenho cada vez mais a certeza de que estes apenas acontecem porque tecnologicamente é possível, e porque o público tem essa expectativa. De resto, nada nesta obsessão pelos múltiplos finais faz sentido. A começar pelo próprio David Cage quando diz,
“Play it once and then don’t replay it. You can if you want, but I think the best way to experience the game is really to make choices and then never know what would have happened if you’d made a different choice. Because life is like this, and Beyond is the life of Jodie Holmes.” [link]
Percebo e concordo, mas se é assim que quer que joguemos, porquê criar os múltiplos finais. Isto é um videojogo, e se é possível tecnologicamente criar múltiplos finais, assim como aceder a eles, não é expectável nem lógico, pedir às pessoas que experienciem apenas um final. A curiosidade é a alma do ser humano, é impossível jogar um jogo destes e não querer saber como acabaria a história se tivesse tomado outra decisão. Aliás basta refletir um mínimo sobre isto para perceber que é exatamente esta mesma curiosidade que faz com que as Sequelas e Prequelas tenham tanto sucesso. As pessoas querem saber, porque faz parte da lógica do storytelling. Enquanto contadores de histórias passamos todo o tempo a convencer as pessoas de que aqueles personagens são importantes, desenhamos formas de gerar empatia, e no final pedimos-lhe que esqueçam!? Cage diz ainda,
“For me, it’s more interesting to have players defining the life of Jodie – this is your version of the life of Jodie. And you can talk to other people and see their versions, and compare what you did, what you missed, what you saw, but never know what would have happened if… I think that’s the beauty of the thing.” [link]
Isto é um paradoxo. Pedem-me que construa a personagem, mas depois pedem-me que a limite, que a castre na sua amplitude. Se é minha, quero saber tudo o que ela pode ou poderia fazer. Julgo que é aqui que está o grande erro de toda esta abordagem aos múltiplos finais. É de uma ingenuidade descomunal acreditar que se pode dar um bombom a uma criança e depois se pode pedir de volta a meio. Não faz o menor sentido, porque a Jodie não é criada por mim, é uma criação de Cage, que eu quero conhecer, quero saber mais. Não quero ser eu a construí-la, a dar-lhe vida, eu quero apenas participar da sua vida, inteirar-me do que ela é capaz, ajudá-la, acompanhá-la, ser co-responsável pelas suas ações mas não quero ser eu quem decide por ela. A Jodie é uma pessoa, tem uma personalidade, tem uma identidade, a Jodie não sou eu. Apenas me identifico e empatizo com ela, sinto com ela e sinto por ela, mas não me sinto ela.

Neste sentido, a Jodie deve tomar as suas decisões, deve principalmente decidir como termina a sua história, e não eu ("Beyond" tem pelo menos 10 finais marcadamente distintos, e com pequenas variações pode ultrapassar os 20). Faz sentido eu decidir se o meu personagem morre ou vive no final de um videojogo? Eu quero viver uma história, não quero contar uma história.


Apesar das objecções e problemas levantados, "Beyond: Two Souls" é um videojogo com vários momentos inesquecíveis tanto no campo emocional como estético, e por isso é um dos meus videojogos de 2013.

dezembro 23, 2013

Se quer escrever, leia, leia muito...

“On Writing: A Memoir of the Craft” (2000) de Stephen King é um livro sobre a arte de escrever, escrito por um dos mais importantes contadores de histórias da atualidade. Não é o típico livro técnico sobre a arte, é mais uma espécie de diário de memórias, carregado de pequenas histórias, através das quais King vai dando corpo às suas ideias sobre a arte de escrever. Ao longo do livro ficamos a conhecer melhor Stephen King enquanto pessoa, e aprendemos bastante sobre os processos criativos que o ajudam a escrever. Para quem gosta de escrever, é de leitura obrigatória.
I'm a slow reader, but I usually get through seventy or eighty books a year, most fiction. I don't read in order to study the craft; I read because I like to read”.

O primeiro grande conselho de King, é sobre a leitura. King começa por dizer que devemos ler sempre, se temos tempos mortos ou estamos à espera de algo, devemos aproveitar o tempo. O facto do formato de livro ser altamente portátil torna-o num objecto fácil de consumir. Para além da leitura é preciso escrever muito, todos os dias, pelo menos mil palavras, entre ambas, dedicar 4 a 6 horas diárias. Em tom de brincadeira King diz que os únicos dias do ano em que não escreve, é no 4 de Julho, dia de Natal, e o seu aniversário. Como nos diz, “Amateurs sit and wait for inspiration, the rest of us just get up and go to work.”

Para King não existem atalhos, técnicas, modelos menos ainda truques, “you can learn only by doing”. E na verdade não podia estar mais de acordo com ele, porque isto é o que acontece em qualquer área criativa. Uma das passagens do livro deixou-me ali estacado, a pensar naquilo que eu próprio vou ouvindo de pessoas que querem criar, desde o 3d aos videojogos, passando pela escrita de livros. Impressiona como as pessoas se iludem, constroem cenários bizarros nas suas cabeças, e acreditam que algum tipo de comando divino criará através delas as obras mais maravilhosas deste mundo. 
“You have to read widely, constantly refining (and redefining) your own work as you do so. It’s hard for me to believe that people who read very little (or not at all in some cases) should presume to write and expect people to like what they have written, but I know it’s true. If I had a nickel for every person who ever told me he/she wanted to become a writer but “didn’t have time to read,” I could buy myself a pretty good steak dinner. Can I be blunt on this subject? If you don’t have the time to read, you don’t have the time (or the tools) to write. Simple as that.
Reading is the creative center of a writer’s life. I take a book with me everywhere I go, and find there are all sorts of opportunities to dip in … Reading at meals is considered rude in polite society, but if you expect to succeed as a writer, rudeness should be the second-to-least of your concerns. The least of all should be polite society and what it expects. If you intend to write as truthfully as you can, your days as a member of polite society are numbered anyway.” 
Interessante também ouvir King explicar o processo da escrita, e a sua capacidade de comunicação. O modo como ele ilustra a ideia comunicativa entre o autor e o receptor, num ato de telepatia, é brilhante, e porque no fundo, 
“Writing isn't about making money, getting famous, getting dates, getting laid, or making friends. In the end, it's about enriching the lives of those who will read your work, and enriching your own life, as well. It's about getting up, getting well, and getting over. Getting happy, okay? Getting happy.” 
O livro não chega às 300 páginas, lê-se muito rapidamente porque a escrita, sendo do próprio King, é extremamente fluída, as histórias que nos vai contando abrem-nos a avidez por mais e mais, não se consegue parar de ler.

dezembro 20, 2013

O que jogámos em 2013

Este ano decidi publicar a minha lista de melhores jogos de 2013 na Eurogamer Portugal. Por isso deixo aqui os links de todos os jogos que joguei, terminei e analisei, e ainda os que estou a jogar. De entre estes escolhi os melhores de 2013, e desse modo o Top 10 Virtual Illusion pode ser visto na Eurogamer.



Videojogos jogados em 2013
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima] 

xxxxx Brothers: A Tale of Two Sons (2013)
xxxxx The Last of Us (2013)
xxxxx Gone Home (2013)
xxxxx Papers, Please (2013)
xxxxx The Stanley Parable (2013) [terminado em 2014]
xxxxx Rayman Origins (2011)
xxxxx Red Dead Redemption (2010)
xxxxx Shadow of Colossus (2005)

xxxx Beyond: Two Souls (2013)
xxxx BioShock Infinite (2013)  [terminado em 2014]
xxxx Rayman Legends (2013) [terminado em 2014]
xxxx Rain (2013)
xxxx Luxuria Superbia (2013)
xxxx Proteus (2013)
xxxx Year Walk (2013)
xxxx Tomb Raider (2013)
xxxx Remember Me (2013)
xxxx The Plan (2013)
xxxx Type:Rider (2013)
xxxx The Novelist (2013) (análise brevemente)
xxxx Guacamelee! (2013)
xxxx The Room (2012)
xxxx Catherine (2011)
xxxx Portal 2 (2011)
xxxx Another World: 20th Anniversary (2011)

xxx The Cave (2013)
xxx Bounty Monkey (2013)
xxx Badland (2013)
xxx Disney Infinity (2013)
xxx Fangz (2013)
xxx Fetch (2013)
xxx Stealth Inc: A Clone in the Dark (2013)
xxx Hundreds (2013)
xxx Bad Piggies (2012)
xxx Trine 2 (2011)
xxx Child of Eden (2011)
xxx LittleBigPlanet 2 (2011)

xx The Activision Decathlon (2013)
xx Gravity Forge (2013)
xx Little Inferno (2012)
xx Spec Ops: The Line (2012)
xx The Adventures of Tintin: The Game (2011)


Ainda a jogar...
DEVICE 6 (2013)
Inspector Zé e Robot Palhaço... (2013)
Ridiculous Fishing (2013)


Melhores de 2000 a 2012
Melhores Videojogos 2011
Melhores Videojogos 2012
Melhores da Década 2000-2009

dezembro 18, 2013

Museu Smithsonian adquire videojogos, e chama-lhes "Media Arts"

Há exatamente um ano o MoMA adquiriu 14 videojogos para a sua colecção permanente. Em Agosto deste ano adquiriu mais sete do total de 40 que estão previstos ser adquiridos. Ontem ficámos a saber que o Smithsonian American Art Museum adquiriu dois videojogos para a sua colecção permanente.

Smithsonian American Art Museum 

Se no MoMA os videojogos foram adicionados à secção de Design, e muita tinta se fez correr sobre o facto de os videjogos estarem no MoMA como design e não como arte, o Smithsonian não teve dúvidas quanto à sua afirmação estética, colocando-os na secção de Media Arts. Assim Jenova Chen e Ed Fries passam a figurar ao lado de nomes como Bill Viola, Cory Arcangel, Chris Burden, John Baldessari, Nam June Paik entre muitos outros. O museu disse assim que,
"These acquisitions represent an ongoing commitment to the study and preservation of video games as an artistic medium. The museum is acquiring works that explore and articulate the unique boundaries of video games as an art form, and plans to acquire additional video games in the future, working with artists, developers, and programmers to represent this new creative practice." [link]
Os jogos adquiridos foram "Flower" (2007) de Jenova Chen e "Halo 2600" (2010) de Ed Fries, e as suas páginas no museu já podem ser visitadas clicando aqui nos títulos. Elizabeth Broun directora do Smithsonian American Art Museum disse ainda,
“The best video games are a great expression of art and culture in our democracy, I am excited that this new medium is now a permanent part of our collections alongside other forms of video, electronic and code-based art.”
Não posso deixar de louvar esta atitude do museu, e dar os parabéns pelas primeiras escolhas. Flower é um culminar de muitos anos de investimento em novas direcções no game desgin por parte de Jenova Chen. É verdade que Journey, que saiu em 2012, é mais completo dentro do canône de videojogo, mas Flower é mais singular porque mais experimental. Flower coloca-nos no lugar de algo intangível, o vento, e faz-nos sentir algo que até aqui só podíamos imaginar, e algo que só um medium interactivo pode dar a experienciar. Não é por acaso que a Sony lançou Flower novamente agora com a PS4, o seu lado de experienciação é verdadeiramente apaixonante. 

Flower (2007)

Halo 2600 (2010)

Por outro lado Halo 2600 é também um trabalho brilhante de game design no sentido em que se procura traduzir as complexidades mecânicas e estéticas de um blockbuster, Halo, lançado em 2001 na plataforma XBox para uma plataforma lançada em 1977, Atari 2600. Ou seja, Ed Fries dedicou-se a um trabalho de depuração da essência de Halo, para conseguir reproduzir numa plataforma, imensamente limitada, uma experiência o mais próxima possível do original. Estamos a falar de um trabalho artístico que segue as tendências pós-modernas de apropriação e remix. O que conta aqui não é a experiência sensorial nem de representação como em Flower que nos agarra emocionalmente, mas antes o que esta significa enquanto ideia e conceito e como nos transporta por meio da racionalidade.

dezembro 16, 2013

"Papers, Please", o jogo da culpa

"Papers, Please" (2013) tem sido amplamente referenciado como um jogo com forte carácter emocional, nomeadamente pela sua capacidade de gerar culpa no jogador. Se esse é um dos maiores atributos do jogo, o modo como nos torna conscientes da regulação das nossas vidas pelos sistemas de informação, e da transformação destas em verdadeiros jogos, não é um atributo menor.



"A Dystopian Document Thriller"

Ainda há dias discutia com colegas que a gamificação decorrida nas nossas vidas ao longo das últimas décadas, não era uma consequência dos videojogos como nos diz Brooker, em How Videogames Chnaged the World (2013), mas antes uma consequência dos usos que nós fazemos dos sistemas de informação, e da sua evolução em termos de cálculo e abrangência. Nos últimos anos informatizámos quase todas as nossas acções, e no entanto em vez das nossas vidas se terem tornado mais simples, calmas e relaxadas, aconteceu precisamente o contrário. Vivemos acossados pelos sistemas de informação que nos perseguem em busca de informação para se justificarem a si próprios enquanto sistemas relevantes para as nossas vidas. Já não são as máquinas que nos servem, passámos nós a servir as máquinas.

Ora em "Papers, Please" o que vemos é isso mesmo, o modo como toda uma abstração da realidade assente numa camada de informação regula a vida das pessoas. Todas aquelas pessoas que pretendem atravessar as fronteiras em busca de novas vidas, novos trabalhos, reencontros de amizades e famílias são controladas em função de listas e burocracias de um sistema atolado num enredo de regras. "Papers, Please" dá conta na perfeição do modo como todos estes sistemas de informação servem o controlo, mas mais do que isso, como tudo não passa de um grande jogo, com o detalhe de que aquilo que se joga aqui são as vidas das pessoas.

"Papers, Please" encarna o objecto do jogo como nenhum outro media o poderia fazer, porque nos coloca no lugar do protagonista, colocando as decisões deste nas nossas mãos. Não vemos o que o aduaneiro faz, somos nós quem faz acontecer. Somos nós os responsáveis por deixar passar, ou não deixar passar as pessoas nas fronteiras. As regras são-nos apresentadas, sabemos que existem consequências para as pessoas, mas também existem para nós. Temos uma família para alimentar, aquecer, pagar alojamento e comprar medicamentos. Se não cumprirmos com as regras do nosso trabalho, e não formos eficientes a fazê-lo (não falhar o controlo das pessoas e em tempo útil) não conseguiremos manter a nossa família saudável.

E é aqui que a culpa emerge, quando começamos a receber pedidos das pessoas que desesperadas nos pedem para as deixar passar para irem ter com a família, ou para fugirem de raptores, percebemos que se as ajudarmos seremos punidos, nós e a nossa família, mas que se nada fizermos ficaremos com o peso na consciência. Da mesma forma quando percebemos que o dinheiro que estamos a receber não chega para cobrir as despesas, e percebemos que temos de escolher entre manter a casa aquecida, comprar comida, ou medicamentos para um filho doente.

"Papers, Please" é um pequeno jogo não muito complexo tecnicamente, mas muito coerente. Apesar de ter um modo história, esta tem 20 finais possíveis, sendo um dos primeiros jogos que rejoguei várias vezes para testar os diferentes finais. Como jogo-história, é um dos poucos que faz sentido rejogar, já que a cada rejogar podemos mudar as variáveis e alterar por completo a progressão do jogo. Além de que a cada rejogar as nossas jogadas anteriores ganham mais relevo, uma vez que ficamos cada vez mais familiarizados com o tema do jogo, e os seus elementos, o que nos permite acelerar a nossa eficiência, embora isso não nos proteja das duras decisões que possamos ter de tomar.

Criativamente o jogo brilha pela forma como brinca com as nossas emoções e nos obriga a reflectir, e ainda pelo modo como soube potenciar o lado operativo e de agência da comunicação dos videojogos. O jogo não surge do mero exercício de querer fazer um jogo, mas antes de uma reflexão do seu criador, Lucas Pope, um americano a viver no Japão que quis verbalizar alguns dos sentimos que lhe atravessavam a cabeça quando tinha de passar as fronteiras entre ambos os países.

Trailer de Papers, Please (2013)


Mais sobre "Papers, Please"
Vencedores do 16º Independent Games Festival, in Virtual Illusion

dezembro 14, 2013

Como os videojogos mudaram o mundo

Acabei de ver um dos melhores documentários de sempre sobre a cultura dos videojogos, "How Videogames Changed the World" (2013). Dirigido por Charlie Brooker, o guionista de Black Mirror, e produzido pelo Channel 4, no âmbito de uma série do canal sobre vários elementos/eventos/correntes culturais que mudaram o mundo. O documentário tem cerca de uma e hora e quarenta minutos, e atravessa a história dos videojogos de 1972 a 2013.



Ao longo do filme somos presenteados com muitos spots publicitários de cada época dos jogos que vão sendo apresentados, livros e filmes que lhes deram origem ou que eles próprios originaram, muita cultura britânica, de Margaret Thatcher a Clive Sinclair, a guerra entre ZX Spectrum e Commodore comparada com a guerra entre os Blur e os Oasis. Para além dessa camada mais comum de elementos culturais, é fascinante a utilização de conteúdos criados pelos fãs e utilizadores a propósito dos jogos e da cultura que lhes subjaz, assim como filmes do YouTube que permitem abrir uma janela para a intimidade de outras pessoas que tal como nós vibram, sentem e vivem os jogos como nós. Como é dito a certa altura, a televisão nunca quis saber, e cada vez menos quer saber desta cultura, por isso a sua documentação ficou a cargo da própria comunidade online, que se tornou criadora e gestora por direito de tudo o que diz respeito à cultura dos videojogos. De quando em quando podemos ver que um jogo salta as malhas do underground cultural, e invade os outros media, aparece nas notícias, mas na maior parte do tempo, é como se não existisse para o mainstream.

Apesar de tudo isso Brooker traz para o filme quase uma dezena de jornalistas de diferentes media - imprensa, televisão e rádio - e junta-lhes algumas vozes de artistas como Salman Rushdie, Labirinth, Felicia Day ou Rob Florence. Mas é claro que para quem está dentro da cultura o ponto alto das entrevistas, surge sempre que aparece um criador, e não foram poucos os entrevistados, desde Peter Molyneux a Jeff Minter, passando por Tim Schaffer, Neil Druckman, Ron Gilbert, John Romero e ainda Rian Pratcher, Will Wright, Nolan Buschnell e Vince Zampella. É uma delícia ouvir os designers/escritores/directores de muitos dos jogos que fizeram este medium, que lhe deram vida e o transformaram naquilo que ele é hoje.

Não posso contudo deixar de referir um dos jornalistas que venho seguindo nos últimos anos, Keith Stuart do The Guardian, e que neste filme brilha com várias intervenções de grande relevância, nomeadamente quando quase nos arranca uma lágrima, revelando que o seu filho autista passou a conseguir expressar os seus mundos interiores, a partir do momento em que começou a construir mundos em Minecraft. É um momento emocionante, e que vale a pena ver no trailer abaixo, ou reler nas suas próprias palavras de análise do documentário.

O ritmo do filme é pautado por uma contagem decrescente de um TOP 25 de videojogos, que está longe de ser banal, tanto no resultado, como na forma como é desenhado. O objectivo de Brooker era elencar os 25 jogos mais influentes da história dos videojogos, mas tinha algumas condicionantes, os jogos tinham de seguir uma lógica cronológica, já que o objectivo do filme era contar a história e evolução dos jogos. Por outro lado, podemos ler esta evolução do TOP25 como algo que Brooker já disse numa outra peça, que é o facto dos videojogos serem o único media ainda em evolução, ou seja, que desde que foram criados até agora, ainda não pararam de se transformar. E nesse sentido, posso estar totalmente de acordo com o TOP25 apresentado. De The Last of Us (2013) a Pong (1972) é toda uma viagem impressionante de tecnologia, mas acima de tudo de transformação das capacidades expressivas do medium em si.


Provavelmente nunca nenhum outro medium se transformou tanto como este.

25. Pong (1972)
24. Space Invaders (1978)
23. Pac-Man (1980)
22.Manic Miner (1983)
21. Elite (1984)
20. Super Mario Bros. (1985)
19. Tetris (1989)
18. Monkey Island (1990)
17. Street Fighter II (1992)
16. Doom (1993)
15. Night Trap (1992)
14. Tomb Raider, (1996)
13. PaRappa the Rapper (1996)
12. Starcraft (1998)
11. Sims (2000)
10. Grand Theft Auto III (2001)
9. Shadow of Colossus (2005)
8. World of Warcraft (2004)
7. Wii Sports (2006)
6. Call of Duty 4 (2007)
5. Braid (2008)
4. Angry Birds (2009)
3. Minecraft (2011)
2. The Last of Us (2013)
1. Twitter (2006)
O documentário acaba por terminar de uma forma algo provocativa já que em número um coloca Twitter, mas percebe-se claramente o que Brooker quer dizer com isso. É a constatação última de que os videojogos verdadeiramente mudaram o mundo. Porque hoje ao contrário da vida que tínhamos há 20 anos, somos regulados em função de objetivos muito claros que as nossas redes sociais nos apresentam. Número de likes, número de amigos, número de comentários, posicionamento nos rankings, listagens em tópicos, etc. etc. O mundo real transformou-se à custa do virtual, e se o fez foi porque este usou as estratégias de envolvimento humano criadas ao longo de décadas pelo medium dos videojogos. A gamificação está aqui à nossa frente, a toda a hora, e em qualquer lugar, desde o Twitter, ao Facebook, passando pelo Foursquare ou Instagram, chegando ao GoodReads, entre muitos outros. Todos utilizam uma forma de comunicação que gere e mantém o interesse, o envolvimento das pessoas com as tecnologias, baseada nos videojogos. Os videojogos mudaram o mundo.


Trailer de "How Videogames Changed the World" (2013) 

O filme pode ser visto no site do Channel 4, mas apenas para residentes em UK.

dezembro 12, 2013

2013 no cinema e nos videojogos

Chegou novamente aquela altura do ano em que se dá conta de tudo o que foi feito e criado ao longo do ano. Este ano alguns destes trabalhos estão a chegar mais cedo, claramente para poderem destacar-se da enxurrada de listas que surgem nos últimos dias de Dezembro. Ainda assim, é sempre um enorme prazer ver a montagem, ano após ano, da brilhante editora Gen IP. A forma como ela combina ações, temas, atmosferas, cores, roupas, etc é absolutamente sumptuoso.

This video takes 300 of this year's films and distills it into a 7-minute exploration of the ideas we keep coming back to: the purpose of life, the nature of evil, the mystery of death, the power of love, and the inevitability of time.

E para não me ficar pela cinema apenas este ano, deixo aqui um dos mais fantásticos trabalhos do género mas sobre os videojogos. É bastante curto, mas impressionante.

dezembro 11, 2013

Remember Me, história e arte visual

Remember Me é um dos videojogos mais relevantes de 2013 no domínio da arte visual. Se dúvidas houvesse quanto ao quão visionário foi o trabalho feito por Ridley Scott dirigindo Syd Mead (ilustrador), Lawrence Paul (designer) e David Snyder (diretor de arte) em Blade Runner (1982) aqui elas desaparecem. Remember Me não só apresenta uma das melhores histórias de ficção científica dos videojogos, capaz de ombrear com Philip K. Dick e William Gibson, como o faz atualizando todo um imaginário visual criado há mais de 30 anos. Remember Me sintetiza-se assim em dois grandes vetores, a história e a arte visual.



Ou seja, fundamentalmente é um jogo para quem gosta de ficção científica que discute aspectos da memória, registos, modos de acesso e preservação de memórias, assim como todos os problemas decorrentes destas tecnologias. Por outro lado é um rasgo visual de excelência capaz de encantar qualquer apreciador de concept art, ou visualizações do mundo no futuro.

Criado por um novo estúdio, o Dontnod Entertainment, composto por pessoas oriundas da EA, Ubisoft, etc, apresenta-nos um novo mundo, e um possível novo universo ficcional para a área. Fugindo ao cânone do herói masculino, enfrentou dificuldades de financiamento, algo que poderia ter subvertido facilmente com a fuga para o FPS já que o jogo foi desenhado em Unreal. Mas ainda bem que não o fizeram, porque acredito que a história e  jogo funcionam muito melhor com uma personagem feminina. O modo como esta evolui, e vai re-adquirindo as suas memórias, como ela vai compreendendo o que está por detrás de toda a instituição que regula as memórias em todo o mundo é feito, apesar das lutas, de um modo bastante sereno e preocupado com as relações humanas. Visto através de um olhar masculino, dificilmente se poderia elevar a última parte do jogo a um tão alto ponto emocional e de reconhecimento do impacto negativo que todas aquelas tecnologias podem ter sobre a humanidade.

Remember Me não foi propriamente muito bem recebido pela crítica, que não dizendo totalmente mal do jogo, o crucifica pela sua componente gameplay. Concordo que este apresenta problemas, por vezes graves ao nível do design de navegação e manipulação, assim como no excesso de lutas e repetições redundantes. A grande evidência desses problemas é a constante necessidade de apontar o caminho a seguir, a navegação é pouco intuitiva, o excesso de arte acaba por vezes por se intrometer na funcionalidade do design. Por outro lado, a necessidade de agradar a um público mais alargado faz com que o jogo se perca em lutas e mais lutas, para assim alongar a experiência e também criar algumas sensações básicas fortes. De qualquer modo acredito que Remember Me pode vir a tornar-se num jogo de culto com o passar dos anos, veremos. Todos os problemas de gameplay que temos são largamente compensados pela história e estética do jogo.



Muita da imprensa deu destaque para os combos de luta, que eu particularmente não gostei. Obrigar-me a definir o tipo de combos de luta não é propriamente o tipo de interatividade que procuro num jogo. Contudo algo que não só gostei, mas me pareceu verdadeiramente genial em termos de design de interação, foram as sequências de alteração das memórias. Inicialmente parece estranho, mas depois de compreender o sistema, torna-se extremamente envolvente. Ou seja, cada memória é apresentada como um filme em flashback e nós podemos aceder à mesma, como se de uma cassete de imagens se tratasse, em que podemos bobinar e rebobinar, alterando pequenos eventos no seu interior, que por sua vez provocarão alterações no jogo. É uma ideia de design de manipulação brilhante, porque permite um contato muito próximo e detalhado da ideia de memória, assim como atribui muito maior sentido a todo storytelling que envolve o jogo.

Apesar de perder no game design muitos dos seus potenciais jogadores, é um jogo de que nos vamos lembrar daqui a muitos anos ainda.

dezembro 10, 2013

Luxuria Superbia, interatividade sensorial

Luxuria Superbia (2013) é um videojogo experimental criado pelo coletivo Tale of Tales que procura testar os limites da estimulação sensorial por meio de quatro vetores: movimento hipnótico, a cor, a música, e o toque proporcionado pelas interfaces tablet. Ao contrário de muito experimentalismo é fácil envolver-se com o mundo de Superbia, e a razão para tal prende-se com os objetivos estipulados pelo coletivo desde o início, a busca pelo belo (como nos disseram na Videojogos 2013). Este trabalho acaba por me marcar bastante, nomeadamente porque me fez recordar e refletir sobre várias coisas que tenho feito ao longo dos anos na área dos media interativos.


Assim e começando pelas recordações, Superbia fez-me recuar mais de 15 anos no tempo, aos meus primeiros trabalhos com a interatividade, nomeadamente uma obra que realizei como trabalho de curso, denominada "Sonhar o Real, com Emoção" (1998). Nesse trabalho procurava desenvolver um ambiente tridimensional animado, com camadas de interatividade, que pudessem estimular emoções específicas nos utilizadores. O objetivo como diz o título, era estimular um impacto sensorial forte, ao ponto de fazer as pessoas sonharem acordadas. Nessa altura tive imensas dificuldades para levar o conceito até ao fim, primeiro técnicas, e depois conceptuais. O 3d que podia produzir em 1998, com a qualidade final que queria e em tempo-real, era de todo impossível, por outro lado as ideias para levar avante o objetivo foram sempre muito difíceis de conter e domesticar num âmbito encerrado de narrativa com três atos. Olhando para Superbia posso dizer que este encarna tudo aquilo que eu gostaria de ter feito para esse trabalho. A facilidade com que nos envolve por meio do movimento e estética visual, cria progressão e gera um mundo próprio sempre em total consonância com a interação e narração atmosférica, é extraordinário.

"Sonhar o Real, com Emoção" (1998) de Nelson Zagalo e Luís Mouta

Nesta busca experimental pela estimulação do belo puro, capaz de nos levar ao orgasmo estético, como nos disse Samyn em Coimbra, os Tale of Tales acabam por evocar os elementos principais e fundamentais do ser feminino. A noção de beleza que emerge da sua busca assenta totalmente na sensualidade feminina, e esta abordagem mais uma vez não me é de todo alheia. Quando andei a desenvolver o meu protótipo Emotion Wizard, no final dos estudos que fiz sobre a estimulação de emoção humana percebi porque razão a publicidade recorreu, recorre e continuará a recorrer a uma estética altamente sexualizada. Porque se queremos produzir em alguém uma forte sensação emocional, e uma sensação positiva de êxtase face ao que se está a experienciar, a forma conceptual mais concreta e por outro lado formal mais simples de o fazer, é por via da estimulação da libido. A razão é simples, a necessidade sexual está no patamar das necessidades humanas mais básicas, ao nível da alimentação, e por isso tudo o que estimule essa vertente provocará reações fortes, e assim inesquecíveis nos receptores.

Neste sentido, o uso da sexualidade per se teria pouca relevância já que a poderíamos catalogar como grau zero da estimulação estética, mas o que ganha verdadeira importância é o modo abstrato e invulgar como os Tale of Tales o conseguem fazer. O desenho do prazer feminino é feito com base numa componente visual interativa que assenta num túnel que se movimenta em profundidade e continuamente ao longo de todo o jogo, obrigando o jogador a interagir com este, simulando uma espécie de interação masturbatória feminina. Para credibilizar esta interação, uma camada de narração ou incitação atmosférica é sobreposta às nossas ações, que nos leva a agir, a manter a ação, e por sua vez ilumina o sentido da gratificação e recompensa do jogo.

Luxuria Superbia cria um espaço virtual constituído por vários pilares que simbolizam cada um dos jardins nos quais podemos entrar e completar os objetivos propostos. Completado cada jardim, a cor preenche o pilar e chão adjacente. O jogo termina quando todo o espaço virtual estiver pintado.

Superbia poderia ter sido tudo isto mantendo-se completamente experimental, mas os Tale of Tales preferiram optar por criar um enquadramento de videojogo com níveis definidos, objetivos de curto, médio e longo prazo, para assim desenvolver uma linguagem mais convencional e reconhecida pelos jogadores. Se por um lado esse enquadramento está bem executado, julgo que acaba por fazer o jogo perder em termos emocionais, e assim em termos conceptuais. Isto porque a partir do momento em que sentimos que estamos a interagir para atingir mais um objetivo proposto pelo jogo, a ligação sensorial esmorece, e a nossa emocionalidade dá lugar à racionalidade. Nesses momentos, a imersão falha e o artefacto como mero objecto digital emerge. De qualquer modo não censuro o coletivo já que criar uma experiência deste género. sem um enquadramento concreto, obrigaria a criar um objeto sem contornos definidos para o utilizador, o que contribuiria para diminuir a importância da obra como um objeto coeso e uno.


A experiência é curta, mas para quem ande à procura de novas experiências nos videojogos é mais do que recomendada. De qualquer modo aconselha-se vivamente que o façam em tablet, já que a interação está completamente desenhada para uma manipulação direta com os dedos.

dezembro 09, 2013

Através do tempo, vistos pelo cinema

Poderoso. Mais uma vez Kogonada a abrir os nossos horizontes cinematográficos, a ampliar os sentidos daquilo que vimos, ouvimos e retemos. Desta vez Kogonada centrou-se sobre o trabalho de Richard Linklater, nomeadamente sobre a sua magnífica trilogia "Before…" que ainda há pouco tempo aqui analisei. Em contra-ponto com a minha análise, e a da grande maioria, Kogonada verbaliza mais uma vez a sua análise através do audiovisual, e não do mero texto. Kogonada é simplesmente brilhante, e a continuar assim poderá vir a tornar-se numa das mais importantes referências da crítica cinematográfica. Porque é todo um novo mundo para a crítica, já que se realiza a partir do mesmo meio que critica, e isso satisfaz-me imensamente, porque vai totalmente de encontro ao que venho defendendo em termos de literacia.


Em "Linklater // On Cinema & Time" (2013) Kogonada resume em 8 minutos o âmago da trilogia "Before...", trabalhando outros títulos de Linklater como "Slacker" (1991) e "Waking Life" (2001). Mas mais do que isso, aponta um caminho para compreendermos melhor porque nos ligámos tanto ao três filmes dessa trilogia. É algo que verdadeiramente não se pode explicar em texto, e Kogonada faz-nos o favor de o explicar em imagens e sons. Os sentimentos que percorrem a trilogia "Before...", apesar de assentarem no diálogo apenas, parecem não se suportar quando expressas em mero texto. Aqui temos o movimento, o som, a música, as vozes e os seus timbres, a linguagem corporal, tudo num misto capaz de transmitir uma ideia profunda de contemplação do tempo. Do tempo que passou e do que ainda nos resta, o tempo e nós...
"If cinema is also the art of time passing, then Linklater is proving to be one of its most actively engaged and thoughtful directors. Unlike other filmmakers often identified as auteurs, Linklater’s distinction is not found on the surface of his films, in a visual style or signature shot, but rather in their DNA, as an ongoing conversation with cinema, which is to say, a conversation about time passing." [Texto de Kogonada na Sight & Sound]

"Linklater // On Cinema & Time" (2013) de Kogonada

dezembro 06, 2013

"Brothers: A Tale of Two Sons" (2013)

Uma experiência sublime! Ao terminar o jogo, senti um frisson tocar-me o coração, e uma lágrima saiu. Sem dúvida um dos jogos mais emocionais que alguma vez joguei. Resolvi então aprofundar a razão deste sentimento, descrevendo o design por detrás do jogo, num artigo para a revista VIRAL.


Podem ler "Interatividade expressiva no storytelling de 'Brothers'", artigo completo online. Vale a pena ainda visitar a página do fotógrafo Dead End Thrills com arte do jogo.

dezembro 05, 2013

Entrevista sobre o livro "Videojogos em Portugal"

Dei uma entrevista para a revista Eurogamer Portugal a propósito do livro "Videojogos em Portugal. História, Tecnologia e Arte". Nesta falo um pouco do livro, do processo da escrita, dos objetivos, do público alvo e de alguns dos problemas da criação de jogos em Portugal. Podem ver aqui.

dezembro 04, 2013

Portal 2, problemas da narrativa com primeira-pessoa

Portal 2 (2011) é o sucessor de um dos jogos mais inventivos da primeira década de 2000. Em 2007 a Valve lançava Portal com uma mecânica completamente nova, a arma de portais. Portal 2 pega na mecânica e mantendo-a no centro transforma-a profundamente com a adição de novos elementos que permitem além do portal, a propulsão, a repulsão, o aumento de velocidade, ou a criação de pontes aéreas. Portal 2 apresenta assim um conjunto de mecânicas bastante mais evoluído capazes de estabelecer puzzles bastante mais intrincados e estimulantes que no primeiro episódio.



Mas Portal 2 não é feito apenas de design de jogo, a sua componente de storytelling foi extremamente desenvolvida. Portal 2 apresenta uma lógica narrativa para introduzir o cenário principal do jogo, e conduz-nos ao longo da narrativa fazendo-nos sentir que contribuímos através da nossa participação para o desvelamento do problema apresentado pela história. Para densificar o sentimento narrativo, Portal 2 utiliza duas estratégias já clássicas, a narração e o companheiro de viagem. Ao longo do jogo a história vai sendo dramatizada pela voz de um narrador explícito, que é depois ainda complementada pelos monólogos do nosso companheiro de missões (Wheatley/Glados). A história em si não inova no género da FC, mas o toque de humor e a introdução de alguns elementos inesperados como a troca de identidades dos nossos companheiros faz com que a experiência seja bastante refrescante.

É muito interessante perceber que apesar de Portal 2 se ter originado e centrado no design acabou sendo o seu lado narrativo a conferir-lhe a maior aclamação crítica com vários prémios. Na verdade, a história é responsável por nos manter interessados ao longo de toda a experiência, já que o design é incapaz de se apresentar como uma experiência global. Assim, e apesar da aclamação universal, julgo que é inevitável apresentar vários problemas em Portal 2.

Podemos dizer que o macro-flow de Portal 2 é totalmente desenhado pela narrativa, ficando o design quase resignado ao micro-flow. Ou seja, apesar daquilo que nos move globalmente ser um objectivo narrativo e de design, escapar do interior de uma fábrica em colapso, esse objectivo acaba sendo mais estabelecido pela necessidade narrativa do que pela necessidade do design.

Explicando melhor, quase todo design de jogo está focado nos puzzles de cada sala ou nível. Se inicialmente as várias salas se interligam, porque apresentadas como um caminho evolutivo de aprendizagem e teste do nosso personagem, quando entramos no segundo terço de jogo, percebemos que não há ali mais nada para nós neste campo, a não ser uma sucessão de salas com diferentes puzzles para resolver. E é aqui que o jogo perde o encanto. Cada sala assume-se como uma folha em branco que temos de resolver para avançar para a seguinte, sem ligação com a que acabámos de fazer, nem com a que faremos a seguir. As mecânicas são uma delícia, mas deixamos de jogar pela história, deixamos de jogar pelo objectivo global do videojogo, e passamos a jogar para resolver os puzzles apenas e só.

Podemos dizer que se retirássemos a narrativa e os personagens, Portal 2 não seria muito diferente. Claro que não teríamos os momentos cómicos, nem teríamos a progressão narrativa, mas continuaríamos a ter os mesmos puzzles, e continuaríamos a escapar de um espaço que nos aprisionava. Mesmo os puzzles de tão elaborados, acabam por nos retirar alguma liberdade de ação no mundo, porque para muitos deles apenas uma única e específica sucessão de passos e ações pode conduzir-nos à resposta.

É-me inevitável comparar Portal 2 com ICO. Pode parecer algo estranho, mas é inevitável comparar os objectivos centrais em ambos, escapar de uma fábrica gigante, e escapar de um castelo gigante. Ou seja, o ponto de partida para o design espacial de ambos os videojogos foi concebido da mesma forma. O problema é que a comparação termina aqui. Em ICO os espaços estão desenhados para que a sua inter-relação seja percepcionada, não apenas do ponto de vista visual e de atmosfera, mas também do ponto de vista do design de navegação. Os espaços agem uns sobre os outros, não apenas tornando possível o acesso entre os diferentes espaços, mas criando interdependências entre os mesmos. O nível de detalhe colocado no design de espaço de ICO comparado com Portal 2, é assombroso. Claro que além do espaço, e apesar de ICO ter sido feito 10 anos antes, a IA colocada na personagem que nos faz companhia consegue ser mais evoluída do que aquela que está colocada no companheiro em Portal 2. Isto tem implicações profundas no desenvolvimento da relação entre jogo e narrativa.

ICO (2001) e Portal 2 (2011)

Para fechar deixo aquele que é para mim um dos maiores handicaps atuais do género de ação-aventura, o uso da primeira-pessoa. Os problemas que derivam desta opção são mais do que muitos, no entanto os estúdios continuam a assobiar para o ar e a fazer de conta que não se passa nada. Para começar, nunca vejo a protagonista de Portal 2, a heroína com quem é suposto eu identificar-me e criar empatia. Ou seja, não se consegue criar qualquer empatia com alguém que só vejo de vez em quando no efeito de espelho dos portais. Aqui a história perde todo o potencial que poderia advir da situação de se estar preso naquele espaço. Em segundo lugar, a estética visual fica profundamente limitada a um ângulo de visão único sempre com a mesma abertura de campo, esteja num sala pequena, ou numa sala enorme (Zagalo, 2007, página 149). Em terceiro lugar, sempre que preciso de correr ou de saltar com precisão, tenho de o fazer através de tentativa-e-erro já que não consigo ter a menor noção proprioceptiva do meu corpo no ambiente virtual. Se virar a câmara para ver onde estão os meus pés, percebo que eles não existem.

Eu percebo que para os estúdios seja muito mais barato e simples fazer FPS, mas é tempo de nós os consumidores exigirmos mais. Chega de aceitar algo que está demonstrado ser um buraco sem fundo de problemas. Aliás não tive ainda coragem de explorar Bioshock Infinite (2013), exactamente por causa disto. Se quiserem ler mais sobre esta problemática aconselho o artigo de Jack Monahan, que agradeço ao Pedro Neves a partilha.

dezembro 03, 2013

Entrevista com Bruno Telésforo, e a pós-produção das Aranhas Gigantes

Há duas semanas correu na rede um pequeno filme que mostrava aquilo que parecia ser uma invasão de aranhas gigantes na cidade de Lisboa. O filme fazia-se passar por um noticiário de televisão recorrendo mesmo a um pivô reconhecido da televisão nacional (João Moleira). No final os espectadores descobriam que nem as aranhas nem o noticiário eram verdadeiros, já que não passavam de elementos de uma campanha de marketing montada para anunciar o lançamento do terceiro volume de “As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça & Pizzaboy” (2013) de Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa.


Na rede, o filme foi um sucesso gigantesco conseguindo mais de 2 milhões de visualizações nos vários canais em que foi mostrado. Por outro lado nos media, o filme foi amplamente discutido pelos problemas deontológicos que levanta, nomeadamente no campo das fronteiras entre jornalismo e publicidade. Não vou entrar nessa discussão porque apesar de conceder que elas foram aqui ultrapassadas, depois de analisado bem o filme vemos que o foram mas de uma forma bastante atenuada. Nesse sentido considero toda esta discussão uma hipocrisia, já que estas fronteiras vêm sistematicamente sendo ultrapassadas no nosso país, sem nunca se ver quaisquer responsáveis ou instituições da área fazerem algo para verdadeiramente procurar pôr cobro ao "vale tudo".


Assim o que me interessa é apenas e só discutir o filme em si, nomeadamente o seu trabalho de pós-produção, dada a sua enorme qualidade. O trabalho que foi realizado pela empresa nacional Irmalucia Visual Effects teve como responsável, para as áreas de animação, modelação, composição, rotoscopia e mattepainting, o Bruno Telésforo e foi com ele que estive à conversa.

Antes das perguntas, dizer que o Bruno Telésforo (30, Cascais) adora videojogos e foi por causa destes que se inscreveu num curso de animação 2D/3D de 2 anos na ETIC, tendo depois seguido para a licenciatura em Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona. Este seu percurso fez então com que desviasse o seu interesse dos videojogos para o campo dos Efeitos Visuais (VFx). Este seu desvio acaba por não o ser propriamente, já que entra em sintonia com a atual convergência que se vive entre o cinema e os videojogos. Vejamos então o que nos disse o Bruno.

1 - Que software foi utilizado para modelar as aranhas, e depois para a composição? E as imagens reais foram registadas com que máquina?
:: As aranhas foram modeladas, animadas e renderizadas em Autodesk Maya, a composição foi posteriormente feita em Adobe After Effects. A cãmara usada para captar as imagens foi uma Canon C300. Trabalhamos em HD 1080p.

2 - Quanto tempo levou o trabalho de pós-produção e como é que foi realizada a comunicação com o realizador Filipe Melo?
O período de pós-produção levou pouco mais de um mês entre toda a equipa da IrmaLucia. A execução da pós-produção de imagem estendeu-se por todo esse mês, sensivelmente. Durante esse período trabalhámos sob as indicações do realizador Filipe Melo. Os visionamentos com o realizador foram regulares, permitindo "desbloquear" certos aspectos criativos avançando na direção certa.

3 - O modelo de aranhas foi baseado numa espécie real ou é uma mistura de espécies, quais? 
:: O modelo das aranhas foi baseado numa tarântula comum. Adaptámos a cor do pêlo e usámos tamanhos diferentes para criar variações dentro da espécie. Podem parecer todas iguais, mas existem diferenças. Era esse o objectivo, que nenhuma em especial chamasse à atenção mas que houvesse espaço para variações.



4 - Temos apenas um modelo clonado, ou foram feitas várias com diferenças?
:: Tínhamos uma aranha principal que usámos várias vezes ao longo dos planos do filme e com ela também criámos algumas variações a nível do pêlo e do tamanho. No último plano vemos melhor a diferença de escalas.


5 - Como é que foi feito o processo de composição da iluminação? Foram feitas compensações na correção de cor para facilitar a composição, de que forma? 
:: As aranhas foram renderizadas em Autodesk Maya com "fake HDRI" extraído do plano original. Assim, simulámos a iluminação real na aranha que nos ajudou a integrá-la com o plano de imagem real. A sua iluminação é adaptada plano a plano e depois a iluminação é corrigida e “nivelada” ao longo dos planos.
Sim, houve compensações no final do filme nomeadamente na última sequência do filme: houve uma maior intervenção a nível de luz/cor para reforçar o aspecto dramático da história. Grande parte dos planos tiveram também o céu alterado para criar melhor a transição para a última sequência do filme.

6 - No plano final os helicópteros resultam muito bem, mas as colunas de fumo apesar de aproximadas na cor ao céu, parecem menos reais, alguma explicação?
:: As colunas de fumo passaram por várias fases de desenvolvimento até chegar a este ponto. Quem trabalha em 3D ou VFX sabe que integrar simulações de substâncias orgânicas é ainda uma coisa complicada de "vender" ao espectador. Isto porque dependem em grande parte de um detalhe ínfimo e uma escala gigante para parecerem realistas ao olho comum. São simplesmente coisas que fogem ao "natural", por isso são elementos difíceis de tornar credíveis com recursos limitados, sejam eles tempo ou capacidade de hardware. É algo que todos nós sabemos por instinto e experiência, e no “mundo” das imagens geradas em computador tornar algo visível e plausível é por vezes um desafio técnico e criativo.
Quando vemos, por exemplo, fumo ou água realista nos blockbusters que estamos habituados a ver, são fruto de um grande investimento em recursos técnicos e financeiros. A dificuldade está na escala que tínhamos que representar, porque quanto maior a escala do fumo, mais complexa é a simulação. Mas creio que dentro das nossas capacidades e limitações o resultado ficou bastante credível e cumpre o objectivo. Excelente trabalho do Luís Martins, residente na Irmalucia, que desenvolveu e integrou os efeitos de fumo na última sequência.


7 - Qual foi o plano mais complicado de criar, e porquê?
Pessoalmente foi o plano final. A intenção era criar destruição localizada ou que pudesse ser justificada pela ação das aranhas. Foi o plano mais elaborado de todo o filme e certamente foi o que teve mais atenção. Era preciso "encher" o plano com elementos para caracterizar a ação e a dificuldade era não "perder" tempo em coisas que não tivessem tempo para ser vistas. Foi então preciso sugerir linhas de olhar ao espectador e concentrar aí os nossos esforços de trabalho. Foi o plano que teve mais elementos conjugados e por isso mais tempo de render e “footage” para compor. Mesmo assim, pessoalmente, foi o plano que deu mais gozo por ter que destruir os prédios e sujar paredes. Idealizar e desenvolver estas situações foi algo que me deu bastante entusiasmo. O plano da queda da aranha foi também trabalhoso: foi complicado acertar a escala da aranha com as pessoas e fazer a rotoscopia das pessoas individualmente.


8 - O que te parece o desenvolvimento da área de composição 3d em Portugal?
:: Hoje conseguimos ver bons exemplos nacionais de bons profissionais na área de Visual Effects para Cinema e Televisão. Temos resultados e qualidade que já fazem frente a grande parte de produções internacionais, no entanto a produção nacional é ainda parca.  O desenvolvimento na área de composição que acontece em Portugal tem vindo a aumentar na última década, mas ainda assim, e comparando com a produção internacional, a  produção nacional é ainda diminuta. Consequentemente, as produtoras optam por recorrer a orçamentos baixos, que destabilizam o mercado para as "casas de pós-produção" já estabelecidas, no entanto exigem uma qualidade exemplar à semelhança da produção internacional.
É necessário apostar em projetos nacionais e em profissionais certificados que tenham já demonstrado capacidade evolutiva no mercado audiovisual atual, competitivo e em constante mudança.
Quanto à formação, há muito mais opções do que havia quando comecei, mas continua a ser pouca a formação especializada e de qualidade. Por outro lado, há cada vez mais autodidatas devido à quantidade de pessoas interessadas em Visual Effects e a pouca disponibilidade financeira no geral. Em Portugal é normal a formação nesta área basear-se em conhecimento técnico mais generalista nas várias ferramentas e técnicas em vez de ser especializado apenas numa área só, como acontece na produção internacional de qualidade.


Para quem quiser saber mais sobre o Bruno, aqui fica o seu portfólio
Behance / Vimeo e o LinkedIn.