dezembro 15, 2011

A arte vista pelo nosso cérebro

Enquanto visitava virtualmente a Capela Sistina pintada por Michelangelo (tecto e altar), lia o recente artigo que Jonah Lehrer publica no seu blog, How Does the Brain Perceive Art?. Um artigo no qual Lehrer trata um assunto previamente muito bem trabalhado por Paul Bloom, em How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like, mas que ganha aqui mais estudos de suporte científico do campo da neurociência. Basicamente, o que está aqui em causa fica sintetizado nesta frase de Lehrer.
"We only see the beauty because we are looking for it." 
Capela Sistina (Séc. XV), Vaticano

Neste caso da capela em que Michelangelo trabalhou com vários outros artistas na pintura da capela, é interessante como as pessoas falam normalmente apenas e só do tecto da capela, e esquecem todo o restante trabalho aí presente.

Tecto da Capela Sistina (1508-1512), frescos de Michelangelo

Ou seja, claramente que se perderem algum tempo a olhar para os frescos da capela vão perceber que existem diferenças entre os que são do Michelangelo e os que são de Botticelli, Rosselli, ou Perugino mas essas diferenças não têm de significar obrigatoriamente uma superioridade, antes marcam diferenças estilísticas.

Punição dos Rebeldes (1480-1482), fresco de Botticelli na Capela Sistina

O que acontece é que quando se constrói toda uma ideia à volta de um determinado artista, essa ideia tolda a capacidade de análise do receptor. No estudo de Huang da Universidade de Oxford foram analisadas imagens da ativação cerebral durante o visionamento de trabalhos de Rembrandt, sobre a variável de autenticidade. Ou seja eram apresentados quadros de Rembrandt e cópias, e alternadamente era dito às pessoas que os quadros reais eram cópias, e vice-versa.


A resposta da nossa capacidade analítica é muitíssimo interessante, confirmando os trabalhos de Paul Bloom,
Interestingly, there was no difference in orbitofrontal response when the stamp of authenticity was applied to a fake Rembrandt, as the brain area responded just as robustly. The quality of art seemed to be irrelevant. 
Ou seja, mais importante do que aquilo que estamos a ver, é aquilo que nós já sabemos sobre aquilo que estamos a ver. E é exatamente este fenómeno que permite à arte criar toda uma cultura, capaz de através do enaltecimento crítico subjugar e dominar massas. Consequentemente permite que uma tela com apenas 77cm x 53cm tenha visto o seu valor subir astronomicamente ao longo da sua existência. Falo da Mona Lisa (1503–1506) de Da Vinci que avaliado apenas em termos de seguro, em 1962, estaria na casa dos mil milhões de euros, em valores de hoje. Mas em termos reais o quadro vale mais do que isso porque passou de não vendável ao estado de não poder sequer ser emprestado entre museus, o que lhe atribui um valor incalculável.


Será que podemos atribuir isto à qualidade do trabalho de Da Vinci? Claramente que não, o que está aqui em causa, é toda uma componente misticista construída culturalmente na psique colectiva que é conferida pelo carácter da autenticidade. As massas quando entram na sala 6 do Louvre, não olham verdadeiramente para a arte do desenho e pintura de Da Vinci, mas antes apenas e só, conferem e associam aquela imagem a todas histórias anteriormente contadas sobre aquela tela. E a verdade é que todo o tempo que estão naquela sala, estão de costas voltadas para uma obra magnífica de Veronese, Les Noces de Cana, saindo da sala quase sem reparar em algo que é impossível de passar despercebido, dado o seu tamanho imponente (994cm x 677cm).

Les Noces de Cana, (1563) óleo de Veronese

Levando estes dados para outras áreas da arte, mais dedicadas ao entretenimento por exemplo, talvez isto explique a razão pela qual a grande indústria americana, não se importe de pegar em 30% do valor investido na criação de um filme ou jogo, para produzir publicidade e acções de marketing. Porque sabe que mais importante do que a qualidade da obra que estão a vender, é aquilo que as pessoas pensam em associação a essa obra.

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