P - Consideraria os jogos (ou, pelo menos alguns) uma criação artística?
R - Poderá ver num texto no meu blog o que penso e o que sinto. Mas a realidade é que nos últimos tempos apesar de todas as tentativas de descredibilização dos videojogos, os EUA tornaram-se num dos maiores apoiantes desta forma de arte. Em Maio deste ano, o National Endowment for the Arts do governo Americano passou a reconhecer os videojogos com o estatuto de arte, e assim permitindo que estes artefactos concorressem ao apoio para as artes do governo Americano. Ao mesmo tempo o Smithsonian American Art Museum de Washington tem uma exposição a decorrer até Setembro sobre exatamente a Arte dos Videojogos. Por isso o resultado do processo que agora terminou na Califórnia era expectável, o contrário seria um escândalo.
P - E porque tem havido resistência a colocar os videojogos no mesmo patamar dos outros produtos culturais, mesmo numa altura em que os valores de produção são já muito elevados?
R - Bem a questão de definir o que é arte e o que não é, não se mede propriamente pelo valor económico da atividade. A definição sobre o que é arte e o que não é, surge após um processo longo de debate na sociedade, de análise, estudos, trabalhos e artefactos criados.
A resistência à consideração dos videojogos como Arte não foi maior do que aquela que se realizou com o Cinema, que durante anos foi considerada como mero espetáculo de entretenimento de massas, incapaz de comunicar ideias com suficiente profundidade, ou incapaz de comunicar uma visão, uma ideia de um autor sobre o mundo. Os últimos 10 anos foram muito férteis na indústria dos videojogos, produziu-se muito, e quando se produz muito é natural que surjam trabalhos que se superam, e que ultrapassam as fronteiras do media, da arte que os envolve. Julgo que é nestes momentos que as pessoas começam a perceber que podem estar perante algo que não é mais um mero produto, uma mera atividade, mas é algo capaz de nos tocar, de nos demover, e até de alterar o modo como vemos o mundo.
P - Como nos filmes, há vários tipos de violência nos videojogos. Considera a existência de violência (num enquadramento em que o consumidor tem uma postura mais ativa do que a ver um filme) um problema?
R – Claro. Não é porque os videojogos ganharam o estatuto de arte que podem agora fazer e dizer o que quiserem. Aliás muito pelo contrário, esta medida só fará com que os criadores de videojogos tenham um maior respeito pela arte que produzem, e se sintam responsáveis pelas ideias que comunicam. É que agora fica consagrado na lei americana, não só que eles têm direito à liberdade de expressão como arte, mas também que eles são uma forma fundamental de expressão e de criação de envolvimento emocional e cognitivo com os seus jogadores.
P - E há algum caso em que se tenha deparado com violência que considerou excessiva ?
Sim, falei sobre o assunto longamente no meu blog em 2007 aquando da saída do videojogo Manhunt 2. Explico nesse texto que o fundamental está no modo como a violência é contextualizada no âmbito da obra. No fundo a ética que se assume na apresentação da violência. Até que ponto o artefacto, videojogo ou filme, mostram, defendem e exaltam a violência, ou por outro lado a assumem como algo que pode ser necessário, mas que não é necessariamente bom para as pessoas, para os espetadores e jogadores.
P - A violência nos videojogos é um tema que ocasionalmente irrompe nos media. Parece-lhe que é tratado de forma objectiva?
R - Não, de todo. Os videojogos têm sofrido ataques de todos os lados, principalmente por dois supostos grandes problemas, a violência e o vício. Em nenhum deles estas acusações fazem sentido, e a prova foi esta resolução do tribunal americano. A verdade é que qualquer meio de expressão, qualquer arte, não sendo inócua, tem efeitos sobre os seus seguidores. A sociedade e a arte transformam-se por meio de uma relação de pura simbiose, como tal é natural que existam efeitos. Mas daí a extrapolar esses efeitos para uma degeneração de comportamentos, ou destruição de funcionalidades cognitivas, vai um salto muito grande, que nenhuma arte tem poder para conseguir de modo isolado.