julho 31, 2011

Melancolias de Biutiful e Submarino

Tenho vontade de dizer que estes dois filmes que deixo aqui abrem as portas da realidade, complexa e dura, como só a realidade sabe ser. Nos dias de hoje as imagens enchem-nos de ideias e de sonhos e raramente nos é mostrada a complexidade, a dureza, a inevitabilidade. Talvez porque já tenhamos dramas que cheguem na nossa vida no dia-a-dia e a última coisa que queremos é experienciar os dramas dos outros. Por outro lado viver num mundo ficcional cor de rosa não nos prepara, nem nos ajuda em nada a enfrentar o dia-a-dia que a vida nos reserva. Dolorosa, difícil, e melancólica é assim, e para isso temos de estar preparados, conhecer de antemão os possíveis cenários que nos esperam, pode ser duro, mas é preciso.



Biutiful (2010) é o último filme Alejandro González Iñárritu, Submarino (2010) é o último filme de Thomas Vinterberg. São dois autores que nos têm habituado a enfrentar a realidade de frente, mas julgo que ambos foram aqui mais longe do que antes.



São várias as semelhanças que podemos encontrar entre as duas obras. Ambos os realizadores provêm de países não anglo-saxónicos (México e Dinamarca), mas com o sucesso alcançado, ambos tiveram oportunidade de realizar nos EUA e em inglês. Apesar disso estas duas obras funcionam como um regresso às origens, são ambas apresentadas nas línguas de origem o Espanhol (embora a ação se passe em Espanha e não no México) e o Dinamarquês. A fotografia é fortemente saturada e granulada em ambos os filmes, conferindo traços de sujidade e ruído, que atira para níveis de maior realismo. Ainda no campo da fotografia é muitíssimo interessante aferir como a tonalidade de Vinterberg assume o padrão frio, típico do norte da Europa, com muitos brancos e cinzentos, enquanto Iñárritu se cola aos tons quentes dos vermelhos, laranjas e castanhos, típico do sul da Europa.



Em termos de história o tema central decorre em ambos os filmes das premissas da Morte, Álcool e Droga. Em ambos os filmes temos dois irmãos à deriva na sociedade, e a esperança, que são os filhos, parece totalmente comprometida. Os filmes funcionam como metáforas de uma sociedade em que os problemas giram num ciclo fechado do qual sair parece uma impossibilidade.






julho 30, 2011

Generalistas e Especialistas

A propósito do artigo "Defending The Generalists In The Web Design Industry" que a Smashing publicou esta semana que passou, resolvi voltar a um texto que tinha deixado a meio há meses atrás, sobre as questões dos Especialistas e da Especialização. Muitos dos pontos nesse artigo são válidos, não apenas para o Web Design mas para todo o campo da criação digital. Vou até mais longe, este texto aponta problemas comuns também na Investigação Científica como a separação entre investigadores multidisciplinares (próximo da categoria generalista) e os disciplinares (próximos do especialista).


O artigo de Paulo Boag é antes de mais dirigido aos generalistas, e como tal é sobre esses que nos fala, embora por exclusão de partes acabe por falar dos especialistas. Dois pontos de grande importância, aqui analisados são - as motivações e os perigos - de ser um Generalista.
Motivações para Ser Generalista
. A sede de variedade.
. Ter uma equipa pequena.
. Ser freelancer.
. Ser responsável de I&D
. Gerir negócio próprio
Destas motivações, apenas a primeira é de natureza humana, as restantes são mais de variante logística. Deste modo e tendo em conta que poderão estar aqui em jogo motivações que não são intrínsecas, interessa perceber que perigos existem para quem enverede por esta abordagem.
Perigos de Ser Generalista
. A constante luta para demonstrar o seu valor
. A constante corrida contra-tempo da aprendizagem
. Os limites do generalista
Como nos diz Boag, ser generalista não tem mal nenhum, mas não deve ser encarado como "um mar de rosas", porque não o é. O generalista, assim como o investigador multidisciplinar, é alguém que tem de estar constantemente a demonstrar o seu valor, porque não sendo especialista em nada em concreto, dificilmente se destaca em face dos especialistas. Por outro lado, e dado esta necessidade de demonstração constante, a pressão para estar a par de tudo sempre é gigantesca e isso claramente conduz-nos aos limites que possui um generalista.

Diagrama de Dave Gray

Estou aqui claramente a falar da minha perspetiva enquanto investigador que cruza várias disciplinas científicas desde a informática, o design e a comunicação, à arte, à psicologia e à sociologia. Como generalista, ou investigador multidisciplinar, é necessário conhecermos muito bem esses limites, e saber delegar as tarefas em especialistas. Temos de saber rodear-nos de pessoas que sejam especialistas, e desenvolver meios de comunicação e colaboração que funcionem com cada um deles. Aliás esta é a mais valia do generalista, a sua capacidade de comunicação, de compreender o que os especialistas têm a dizer, e de transmitir-lhes o que se pretende.

Este diagrama de Anita Hart defende que o Generalista possui pelo menos um dominio no qual é especialista.

Neste sentido deixo aqui um traçado das necessidades clássicas de conhecimento para um Investigador em Digital Arts e Media, logo seguidas pelas necessidades específicas que requerem aprendizagem diária. 


Unidades de Conhecimento
1 - Arte – Teorias de Videojogos, Cinema, Drama, Fotografia, e Pintura.
2 - Informática - Novas plataformas de criação e novas abordagens de scripting.
3 - Design - Novos processos, métodos de decisão e abordagens problem-solving.
4 - Comunicação - Teorias dos Media (TV e Internet) e Publicidade
3 - Psicologia - Teorias da Emoção e Cognição
5 - Sociologia – Impactos na Sociedade e Metodologias de Investigação

Na especialidade falamos de,

Composição Visual e Motion (Arte)
. Forma e Composição
. Animação e Literacia do Movimento
. Percepção Visual
. Software: Photoshop, Illustrator, AfterEffects, Blender, Cinema 4d, Etc.

Authoring (Informática)
. Lógica e Interatividade
. Linguagens de Scripting
. Software: Actionscript, UnityScript, Processing

Design de Interacção (Design)
. Conversação e Comunicação Não-verbal
. Brincar e Jogar (Interactividade)
. Hardware: Kinect, Touch, e Sensores

Público (Comunicação, Psicologia, Sociologia)
. Experiência do Utilizador (UX)
. Emoção e Cognição
. Memória e Aprendizagem
. Usabilidade e Validação


Esta não é de todo uma discussão de agora, que até foi mais impulsionada pela vontade de fazer uma listagem das minhas necessidades diárias de informação. O nosso sistema atual de ensino superior vive obcecado com esta dicotomia. A licenciatura versada na generalidade, ou a chamada aprendizagem de banda-larga, e a pós-graduação (Mestrado e Doutoramento) na especialização. Neste sentido e para quem estiver interessado em perceber melhor as vantagens do generalismo, ficam aqui uns slides de 2005 de Steve Hardy.

Evolução das Linguagens de Programação

Infografia sobre a evolução das linguagens de programação.
Cloud applications

Criado por Rackspace Cloud Blog.


Sources:
http://www.tiobe.com/index.php/content/paperinfo/tpci/index.html
http://www.wikipedia.org/
www.weather.gov/oh/hrl/developers…/Fortran_Software_Standards.pdf
http://www.rbgsys.com/news/usps-goes-open-source-with-tracking-system
http://www.python.org/about/success/usa/
http://ja-jp.facebook.com/blog.php?post=2356432130
http://www.cnn.com/2004/TECH/space/01/16/space.mars.java.reut/index.html

julho 27, 2011

Porque o Google é bom para a nossa Memória

Na semana passada foi publicado na Science o artigo Google Effects on Memory: Cognitive Consequences of Having Information at Our Fingertips de Betsy Sparrow, Jenny Liu, Daniel M. Wegner. As reações foram quase imediatas,
  • "Motores de busca afectam a memória", Sol, 15.07.2011
  • "Pesquisas na internet pioram memória", ptjornal.com, 15.07.2011
  • "Google torna memória humana mais preguiçosa", IPJornal, 17.07.2011
  • "Google Is Destroying Our Memories, Scientists Find", Business Insider, 16 Julho 2011
  • "Study Shows Internet Alters Memory", Slatest.com, 15.07.2011
  • "Poor memory? Blame Google", Guardian, 15.07.2011
E até o Ciência Hoje, um magazine online de ciência, apesar de ter um título muito objetivo: "Internet tornou-se na “memória externa” do cérebro humano". Não resistiu à tentação e lança em subtítulo: "“Efeito Google” provocou perda da capacidade de retenção de dados".


Fiquei incomodado com isto, porque a forma brutal como somos cercados por estas falsidades, cria a impressão de realidade. Isto é um claro discurso luddita ainda que feito de modo totalmente não consciente pelos jornalistas que escrevem. Está impregnado de medos infundados da tecnologia, de que esta se tornará mais inteligente que nós. Porque a tecnologia tomará conta de nós, do nosso pensar, do nosso ser. De que nós seres humanos seremos levados para o inferno por cometer o pecado capital da Preguiça.

Trabalhadores destroem máquinas nas fábricas de têxteis inglesas no início de 1800

Vejamos, o artigo em si, o estudo é uma boa contribuição para os trabalhos sobre a psicologia. Dá-nos conta da evolução, do modo como vamos evoluindo com as tecnologias que vamos criando. Mas não nos apresenta algo de terrivelmente novo, algo que não soubéssemos já, e menos ainda algo que nos esteja a fazer mal. Ora o que este estudo nos diz são duas coisas:

1 - Que muito daquilo que antigamente, decorávamos, mantínhamos na memória, agora não mantemos porque acreditamos que o Google nos pode dar a resposta. "The Internet has become a primary form of external or transactive memory, where information is stored collectively outside ourselves."

2 - Que o modo como recordamos, já não é dirigido ao facto que queremos recordar, mas o modo como o podemos obter. Ou seja "We remember less through knowing information itself than by knowing where the information can be found."

Então vejamos o primeiro resultado. Desde que criámos a linguagem, mas mais ainda com a escrita, que as nossas opções de escolha sobre o que deve ser memorizado se alteraram drasticamente. Foi com a escrita que pudemos dar um salto gigantesco em frente, pudemos começar a dedicar o nosso pensamento a assuntos mais complexos, porque podíamos manter vivas memórias de experiências anteriores. Podíamos manter vivos todos os detalhes recorrendo à escrita dos mesmos durante a experiência, e depois revisitá-los durante as experiências seguintes. Com isso abrimos caminho para a ciência. Sem a escrita nunca teríamos chegado até aqui em termos de evolução da qualidade de vida.


O segundo resultado, é também ele bastante natural. Quando recordamos uma data histórica, como o fazemos? Recordando o livro em que estava escrita, no qual a apreendemos. Ou a aula em que nos foi comunicada, o professor que nos falou dela, ou o amigo que nos passou os apontamentos.
Por outro lado também, temos o conceito de memória transacional, que nos diz que recordamos quem tem a resposta, o nosso filho, o nosso marido/mulher, o nosso chefe, e não a resposta em si.
Nem sempre conseguimos repescar os factos, e por vezes só o conseguimos com recurso a estas lógicas enviesadas, chegar a uma luz da memória do que queremos obter. A grande alteração, é que deixámos de estar dependentes dessas pessoas que nos serviam de auxiliares de memória, ou até mesmo de lembrar várias outras memórias associativas para chegar ao facto. Basta muito mecanicamente digitar a palavra no Google.


Com isto demos mais um passo gigantesco à frente. Por isso é que os conteúdos na Cloud são o futuro, porque não vamos querer mais procurar objetos fisicos, quando um motor de busca poderá fazer isso por nós. Vamos poder dedicar-nos a coisas muito mais complexas, estimulantes, e recompensadoras. Aliás é a própria autora do estudo a dizer "We're remarkably efficient". Nem mais, os nossos recursos intelectuais não são ilimitados, por isso temos de o saber utilizar da forma mais eficiente possível.

Entretanto na minha busca encontrei o texto, Is Google Ruining Your Memory?, do Jonah Lehrer, um dos melhores editores da Wired. Vai no sentido disto, mas aponta ainda o dedo às reconstruções via memórias, e à sua enorme falibilidade.


Update 28.07.2011

Ontem quando escrevi este texto queria ter associado um estudo que tinha lido há uns tempos sobre as diferenças entre o Google e a leitura de um livro, em termos de ativação cerebral, mas não o consegui encontrar online, no tempo que tive para fazer o artigo. Entretanto hoje encontrei o estudo e aproveito para deixar aqui o apontamento.
É um artigo publicado no American Journal of Geriatric Psychiatry em 2009 por Gary W. Small, Teena D. Moody, Prabha Siddarth, e Susan Y. Bookheimer, intitulado "Your Brain on Google: Patterns of Cerebral Activation during Internet Searching". Neste estudo foram realizados testes comparativos entre a leitura e o ato de pesquisar no Google, com dois grupos de pessoas adultas: os utilizadores com pouca literacia tecnológica ou pouco uso do Google, e os utilizadores avançados com muitas horas de uso. Os resultados do estudo são impressionantes, e podem ser resumidos nas neuroimagens abaixo.

As imagens da esquerda representam a ativação cerebral em modo leitura de livro, as da direita a ativação cerebral em modo pesquisa na internet. As de cima representam os iniciados, as de baixo os avançados. Repare-se como a mancha de ativação de funções cerebrais na pesquisa é superior à da leitura. No processamento de leitura são ativadas as regiões de linguagem, leitura, memória e habilidade visual, quando em modo de pesquisa, são ativadas além destas, as áreas de tomada de decisão e o raciocínio complexo.
Mas mais impressionante que isso é comparar as ativações entre os iniciados e os avançados. Ver como uma pessoa que usa frequentemente o Google, se vai apoderando cada vez mais do poder do motor de busca, e vai ativando cada vez mais o processamento complexo. Assim e em total contra-corrente com as informações acima da memória, e da possível perda de poder de associativismo de ideias, o que podemos ver é que o uso do Google aumenta essa funcionalidade e exige ainda mais do nosso cérebro. Isto só vem dar razão ao facto de termos que nos tornar mais eficientes, não perdendo tanto tempo com a memorização, e dedicando antes o nosso processamento cerebral mais ao raciocínio das ideias.

julho 26, 2011

interagindo com ambientes em movimento (Hugo Boss)

Mais uma campanha de vídeo online interativo, desta vez pela Hugo Boss. Nada em termos tecnológicos é inovador, faz uso do Flash e das suas potencialidade de captura de movimento via câmara, e com isso desenvolve um conjunto de ações controláveis pelo espetador.


Do ponto de vista do artefacto o interessante está no modo como esteticamente os criadores conseguiram recriar os três ambientes da interação: cinema, história e teatro. Cria uma espécie de pequeno jogo, em que tentamos perceber o que diferencia um ambiente do outro, e só em segundo plano começamos então a mergulhar na narrativa.




Para aceder à experiência visitem o Youtube Channel: Hugo Boss. É mais uma experiência interactiva a seguir e a analisar em detalhe no nosso Mestrado em Media Interactivos.

julho 23, 2011

passeando por dentro de imagens

Dave Hill produziu uma série de foto-composições intituladas Adventure Series. São imagens de carácter comercial que espelham a narrativa clássica do cinema de aventuras, daí o nome. Até aqui, e apesar da qualidade do trabalho, nada de extraordinário. O que interessa foi o que ele resolveu fazer a seguir com a série de imagens. Recuperou então as camadas de imagens patentes na composição de cada fotografia, e colocou uma câmara virtual a planar por entre as camadas que compõe a imagem. Em termos de vídeo, ou imagem em movimento, podemos dizer que Dave Hill desconstruiu, recortou, e depois passeou dentro de cada imagem, e por entre os recortes. Vale a pena ver.
Ficam as imagens da Adventure Series em primeiro, e a seguir o filme dentro das imagens.
















Adventure Series - Exposed, (2011), by Paul Hill

julho 21, 2011

Emoções sem Expressão Facial (Blik)


Blik é mais um filme de final de curso, com uma enorme qualidade. Para além da adorável narrativa, e do excelente 3d, o que mais me impressionou foi o desenvolvimento de toda a atmosfera dramática sem recurso a expressões faciais. São 8 minutos de simplicidade, com muita cor e muita emoção contida e não-verbalizada.


Faz-me pensar e muito, sobre as grandes discussões que vamos tendo no campo dos videojogos sobre a ausência de expressão emocional de qualidade, normalmente sempre apontando a ausência de controlo da face como "o problema". Aliás ainda agora com o lançamento de LA Noire (2011) se pôde ver todo o buzz que se gerou com a nova tecnologia de expressão facial desenvolvida pela Team Bondi.


O filme foi apresentado este ano no Annecy Animation Festival e foi criado por quatro estudantes Bastiaan Schravendeel, Sander Kamermans, Jean-Paul Tossings, Piebe van der Storm da Utrecht School of the Arts, Holanda
Blik is our graduation film, about a young boy who moves to a new neighbourhood and falls in love for the first time, with the much older girl next door.
The challenge was telling this short story without the use of faces, using only body language to convey often subtle emotion. This required a shading and animation style that would communicate posture and motion very clearly.


Blik (2010)

vídeo online e a interatividade de solidariedade

Brilhantemente criativo e emocionalmente pungente, é assim que classifico a campanha da Mahindra Education Trust & the Naandi Foundation dividida em dois produtos o filme-site A Girl Story e o website A Girl Store.


A Girl Story é brilhante em termos de inovação estética. Fazendo uso de Javascript e da API do YouTube, a Strawberry Frog criou todo um novo modelo de comunicação audiovisual online. A ilustração e a animação são satisfatórias, o que é verdadeiramente relevante aqui é como o conceito de montagem cinematográfica se transforma de corte em sliding transitions, e de forma totalmente coerente tanto na narrativa como visualmente. Para além disso como a envolvência do enquadramento continua a fazer sentido para o seio da narrativa central.


Mas o conceito vai ainda mais longe, operacionalizando-se segundo uma base interativa e social, transpondo assim o nível meramente fílmico, ao colocar nas mãos dos espetadores a hipótese de poderem ser feitos novos capítulos para aquela história. Ou seja, aquilo que vemos é passível de ser alterado e transformado, em função das nossas ações de solidariedade.
"Tarla’s story progresses only by audience donations that unlock new chapters within the YouTube film series. To ensure a smooth, filmic quality, each YouTube video is programmed to allow Tarla to seamlessly transition from one frame to the next."
Em termos puramente formais, parece quase como se tivéssemos um rolo de fita, com selos em forma de pequenos capítulos vídeo, e a fita se fosse desenrolando, permitindo a mescla entre os selos, à medida que nós vamos contribuindo para o bem estar das pessoas envolvidas no próprio filme.


O segundo produto desenvolvido por esta fundação, A Girl Store, é mais forte ainda, porque menos preocupado com a componente estética, e mais em manipular a nossa condição e consequentemente a nossa ação. É um conceito que cria uma nova abordagem à interatividade de solidariedade fazendo uso de uma metáfora e cruzando-a com algo não expectável de todo. Veja-se a imagem abaixo, e visite-se o site, é forte, e dá vontade de ajudar a mudar o mundo.



Toda esta campanha será um dos exemplos a dissecar em termos criativos e tecnológicos, como fonte de inspiração para os projetos que se venham a produzir ao longo do próximo ano letivo no Mestrado em Media Interativos. Já agora, a 2ª fase já abriu, por isso ainda vão a tempo de se inscreverem.

julho 20, 2011

Sucker Punch (2011)


Sucker Punch (2011) de Zack Snyder é uma obra prima visual. Tudo o que eu aqui possa escrever não fará jus ao filme. Não é um filme que possa ser descrito em palavras.


Recomendo vivamente, mas com cautela, uma vez que é um filme de amor ou ódio. É o filme ideal para quem tenha gostado dos dois filmes que considero serem as raízes cinematográficas de Sucker Punch, e que são Moulin Rouge (2001) e 300 (2006). Para além destas referências existem ainda dois pré-requisitos para se imergir neste universo narrativo, ser amante de outras duas artes: Videojogos e a Banda Desenhada. Se se enquadrarem dentro destes gostos e destas estéticas, vão adorar, se não, o mais certo será detestarem.

Vejam o trailer e depois deliciem-se com alguma arte retirada do belíssimo livro "Sucker Punch: The Art of the Film by Zack Snyder".





























Textos do VI Relacionados

Série de Animação "Sucker Punch", Março 26, 2011
Baz Luhrmann, o esteta, Junho 03, 2011

julho 19, 2011

The Art of Choosing (2010)

The Art of Choosing é um livro extraordinário que nos ilumina o processo social por detrás das nossas escolhas, mas é também uma viagem pela vida da autora. Sheena Iyengar é doutorada em Psicologia Social pela Universidade de Stanford. É filha de pais indianos, com costumes enraizados, e ainda em criança perdeu a visão por doença. Para se ter uma ideia do que podem encontrar neste livro vejam a sua Ted Talk de 2010.


A discussão aqui lançada por Sheena Iyengar centra-se sobre o ato de escolha ser fortemente condicionado pela cultura, pelas variáveis de contexto em que crescemos e nos movemos, assim como por mecanismos biológicos de sobrevivência que nascem conosco. Sendo ela filha de pais indianos tem facilidade em colocar em perspectiva a cultura Americana em que vive atualmente. O livro é assim constituído de muitas histórias, de muitos estudos que sustentam as teorias e as concepções apresentadas, passo aqui em análise apenas duas abordagens que me parecem muito relevantes neste livro: a liberdade e a unicidade.

Começo pelo exemplo citado do experimento de Seligman e Maier (1967) que viria a dar origem ao conceito de Learning Helplessness, ou a "Desamparo Aprendido". De forma muito resumida, nesse experimento foram criados grupos de cães para testar os efeitos da escolha e da não escolha sobre os seus comportamentos em duas fases seguidas.
Na primeira fase, a um grupo de cães foi infligida dor através de choques eléctricos, que os cães poderiam parar através de um botão à sua frente. Com um outro grupo de cães procedeu-se da mesma forma mas o botão colocado à sua frente não tinha qualquer efeito sobre os choques elétricos. Neste segundo grupo os choques eram sentidos de forma aleatória, criando a sensação aparente de impossibilidade de escape. Assim enquanto no primeiro grupo os cães recuperaram muito rapidamente da experiência, no segundo grupo os cães aprenderam a sentir-se desamparados, manifestando um comportamento muito próximo da depressão crónica clínica.
Na segunda fase ou momento, os cães foram colocados dentro de uma zona com o chão eletrificado e da qual podiam escapar saltando uma pequena cerca que se encontrava à volta dessa zona. A maior parte dos cães do segundo grupo, os que tinham aprendido o sentimento de desamparo, ou seja que por mais que tentassem clicar no botão nada fazia parar os choques, simplesmente se sentaram passivamente a choramingar. Mesmo tendo o acesso à escapatória dos choques tão facilitada, os cães simplesmente não tentaram. Ou seja, não só aprenderam que nada poderia alterar o estado das coisas, como transferiram essa aprendizagem para uma situação nova.

imagem de Emiliano Boga

Ora este experimento vai ao fundo do âmago daquilo que é ser livre, ser autónomo. Questiona como o sentimento de liberdade pode ser manipulado e facilmente controlado. Mas mais interessante do que isso, esta desconstrução empírica da nossa relação com a autonomia e a escolha, leva-nos a questionar muito daquilo que fazemos no dia-a-dia, e daquilo que defendemos como as melhores abordagens para a sociedade.

A título de exemplo uma das coisas que este experimento me fez pensar imediatamente foi a quão pouca autonomia é concedida ao estudante do Ensino Superior português, e o modo como provavelmente isso estigmatiza e reduz os níveis de empreendedorismo e criatividade. Quando comparado com o ensino nos EUA em que o aluno desenha o seu percurso, é autónomo e responsável pelo seu caminho, por cá nós insistimos na ideia de que o aluno só pode fazer aquelas cadeiras. Damos como bónus num curso de três anos a hipótese de este poder fazer 2 ou 3 cadeiras de opção que muitas vezes já estão condicionadas por falta de recursos humanos. Como é que podemos depois esperar que o aluno chegue lá fora, e seja autónomo, procure, invista, desenvolva, quando passou quinze anos da sua vida a fazer o que lhe mandavam, quando sempre lhe foi dito exatamente o que tinha de fazer!

A esta constatação devemos ainda não esquecer outra levantada pelos estudos da autora sobre o facto do processo de escolha condicionar fortemente a motivação dos indivíduos. Ou seja, quando os sujeitos são obrigados ou levados a fazer algo, a sua produção é muito menor do que quando o fazem porque são eles que o decidem fazer. Ou seja, quando estes são livres para fazer. Algo muito próximo daquilo que é também defendido por Daniel Pink no seu livro Drive (2010).

Findo o caso da liberdade, relato agora um pouco da sua discussão em redor do tema da unicidade humana. A autora diz-nos que somos todos muito parecidos, mas temos algo dentro de nós, que nos conduz por uma obsessiva necessidade de sermos únicos. O nosso sistema interno diz-nos a todo o momento
1. I'm different from others.
2. My belief system, ideas and values are unique and significantly different from those of others.
3. By Logical /Rational observation I think I'm unique.
Sheena Iyengar defende que esta crença se destina a servir de mecanismo de auto-preservação. Cada individuo pensa que é especial, e tenta a todo o momento convencer-se a si próprio e aos outros de que é mais esperto. Aliás isto é evidenciado pelo efeito conhecido como Melhor que a Média. Este é um mecanismo que por vezes se manifesta de forma bastante subtil e subconsciente mas que existe em nós. Assim e em resposta a este mecanismo de sobrevivência que condiciona as nossas escolhas, Iyengar suportada por vários estudos, diz-nos que:
1. People are more alike than they think.
2. What people believe about themselves, or what they would like to believe, doesn't vary much from person to person.
3. Each person is convinced that he or she is unique.
Esta questão mexe comigo, não pela superioridade, mas pela unicidade. Queremos realmente acreditar que somos únicos. E mais do que isso, acreditamos que isso nos distingue de tudo o que já existe e de tudo o que possa a vir a existir. Esta é uma questão muito bem aflorada no filme Artificial Intelligence: AI (2001) de Steven Spielberg, e que vale a pena ver ou rever.

 "I thought I was one of a kind", in Artificial Intelligence: AI (2001)