A discussão aqui lançada por Sheena Iyengar centra-se sobre o ato de escolha ser fortemente condicionado pela cultura, pelas variáveis de contexto em que crescemos e nos movemos, assim como por mecanismos biológicos de sobrevivência que nascem conosco. Sendo ela filha de pais indianos tem facilidade em colocar em perspectiva a cultura Americana em que vive atualmente. O livro é assim constituído de muitas histórias, de muitos estudos que sustentam as teorias e as concepções apresentadas, passo aqui em análise apenas duas abordagens que me parecem muito relevantes neste livro: a liberdade e a unicidade.
Começo pelo exemplo citado do experimento de Seligman e Maier (1967) que viria a dar origem ao conceito de Learning Helplessness, ou a "Desamparo Aprendido". De forma muito resumida, nesse experimento foram criados grupos de cães para testar os efeitos da escolha e da não escolha sobre os seus comportamentos em duas fases seguidas.
Na primeira fase, a um grupo de cães foi infligida dor através de choques eléctricos, que os cães poderiam parar através de um botão à sua frente. Com um outro grupo de cães procedeu-se da mesma forma mas o botão colocado à sua frente não tinha qualquer efeito sobre os choques elétricos. Neste segundo grupo os choques eram sentidos de forma aleatória, criando a sensação aparente de impossibilidade de escape. Assim enquanto no primeiro grupo os cães recuperaram muito rapidamente da experiência, no segundo grupo os cães aprenderam a sentir-se desamparados, manifestando um comportamento muito próximo da depressão crónica clínica.
Na segunda fase ou momento, os cães foram colocados dentro de uma zona com o chão eletrificado e da qual podiam escapar saltando uma pequena cerca que se encontrava à volta dessa zona. A maior parte dos cães do segundo grupo, os que tinham aprendido o sentimento de desamparo, ou seja que por mais que tentassem clicar no botão nada fazia parar os choques, simplesmente se sentaram passivamente a choramingar. Mesmo tendo o acesso à escapatória dos choques tão facilitada, os cães simplesmente não tentaram. Ou seja, não só aprenderam que nada poderia alterar o estado das coisas, como transferiram essa aprendizagem para uma situação nova.
imagem de Emiliano Boga
Ora este experimento vai ao fundo do âmago daquilo que é ser livre, ser autónomo. Questiona como o sentimento de liberdade pode ser manipulado e facilmente controlado. Mas mais interessante do que isso, esta desconstrução empírica da nossa relação com a autonomia e a escolha, leva-nos a questionar muito daquilo que fazemos no dia-a-dia, e daquilo que defendemos como as melhores abordagens para a sociedade.
A título de exemplo uma das coisas que este experimento me fez pensar imediatamente foi a quão pouca autonomia é concedida ao estudante do Ensino Superior português, e o modo como provavelmente isso estigmatiza e reduz os níveis de empreendedorismo e criatividade. Quando comparado com o ensino nos EUA em que o aluno desenha o seu percurso, é autónomo e responsável pelo seu caminho, por cá nós insistimos na ideia de que o aluno só pode fazer aquelas cadeiras. Damos como bónus num curso de três anos a hipótese de este poder fazer 2 ou 3 cadeiras de opção que muitas vezes já estão condicionadas por falta de recursos humanos. Como é que podemos depois esperar que o aluno chegue lá fora, e seja autónomo, procure, invista, desenvolva, quando passou quinze anos da sua vida a fazer o que lhe mandavam, quando sempre lhe foi dito exatamente o que tinha de fazer!
A esta constatação devemos ainda não esquecer outra levantada pelos estudos da autora sobre o facto do processo de escolha condicionar fortemente a motivação dos indivíduos. Ou seja, quando os sujeitos são obrigados ou levados a fazer algo, a sua produção é muito menor do que quando o fazem porque são eles que o decidem fazer. Ou seja, quando estes são livres para fazer. Algo muito próximo daquilo que é também defendido por Daniel Pink no seu livro Drive (2010).
Findo o caso da liberdade, relato agora um pouco da sua discussão em redor do tema da unicidade humana. A autora diz-nos que somos todos muito parecidos, mas temos algo dentro de nós, que nos conduz por uma obsessiva necessidade de sermos únicos. O nosso sistema interno diz-nos a todo o momento
1. I'm different from others.Sheena Iyengar defende que esta crença se destina a servir de mecanismo de auto-preservação. Cada individuo pensa que é especial, e tenta a todo o momento convencer-se a si próprio e aos outros de que é mais esperto. Aliás isto é evidenciado pelo efeito conhecido como Melhor que a Média. Este é um mecanismo que por vezes se manifesta de forma bastante subtil e subconsciente mas que existe em nós. Assim e em resposta a este mecanismo de sobrevivência que condiciona as nossas escolhas, Iyengar suportada por vários estudos, diz-nos que:
2. My belief system, ideas and values are unique and significantly different from those of others.
3. By Logical /Rational observation I think I'm unique.
Esta questão mexe comigo, não pela superioridade, mas pela unicidade. Queremos realmente acreditar que somos únicos. E mais do que isso, acreditamos que isso nos distingue de tudo o que já existe e de tudo o que possa a vir a existir. Esta é uma questão muito bem aflorada no filme Artificial Intelligence: AI (2001) de Steven Spielberg, e que vale a pena ver ou rever.1. People are more alike than they think.2. What people believe about themselves, or what they would like to believe, doesn't vary much from person to person.3. Each person is convinced that he or she is unique.
"I thought I was one of a kind", in Artificial Intelligence: AI (2001)
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