março 22, 2014

"Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions" (2008)

Segundo o NYT o livro “Predictably Irrational” é revolucionário, porque dá a conhecer o modo irracional como os seres humanos funcionam, defraudando por completo qualquer tipo de previsão lógica que os mercados e economistas pretendem apresentar a partir dos seus modelos numéricos. Se é verdade que estas descobertas são revolucionárias, elas não foram descobertas por Ariely, menos ainda neste livro. Em 2002 Daniel Kahneman recebeu o Nobel exactamente por ter chegado a estas descobertas. Para quem quiser saber mais sobre a pesquisa de Kahneman, vale a pena deter-se sobre o seu livro de divulgação "Thinking, Fast and Slow" (2011), que é hoje conhecido com um dos mais importantes tratados sobre a ciência Behavioral Economics.


Apesar disso Dan Ariely é um dos académicos mais conhecidos no domínio da Behavioral Economics muito por causa das suas palestras TED, e também em parte graças à sua história de vida, que acaba por lhe conferir um carisma capaz de incrementar validade ao que diz. E assim, e apesar de “Predictably Irrational” apresentar uma selecção de experimentos cognitivos, seguindo uma linha de escrita próxima de Gladwell, com humor e envolvência, os leitores encaram-no sempre de modo mais sério que Gladwell. Na realidade conta também bastante o facto dos experimentos apresentados serem quase integralmente concebidos por si, e não se limitarem à citação de estudos de terceiros. No entanto este tipo de livros em que os experimentos se sucedem, uns aos outros, acabam por cair na armadilha de se apresentarem em suma mais como livro de receitas, ou de auto-ajuda, faltando-lhes estrutura e reflexão geral de suporte ao argumento central.

O argumento de Ariely está focado em apresentar evidências sobre a irracionalidade humana, no entanto nunca constrói sobre as implicações deste problema para a sociedade e humanidade, dando apenas algumas dicas, centrando-se quase exclusivamente na apresentação das experiências mais surpreendentes por ele concebidas e testadas. Se em 2008 este livro era uma novidade no mercado editorial de divulgação de ciência, hoje com a enorme quantidade de títulos publicados, inclusive do próprio autor, acabou perdendo grande parte da sua relevância. Lê-lo em 2008 poderia realmente representar novidade, como diz o NYT, hoje fica-se por uma leitura interessante e rápida de introdução à temática.

De todas as ideias apresentadas, vou apenas deixar uma referência ao Capitulo 4 “The Cost of Social Norms” que me interessou particularmente. Ariely apresenta o modo como lidamos com a sociedade em dois modos distintos: um dominado pelas normas sociais; um segundo regulado pelas normas do mercado.
1 - “The social norms include the friendly requests that people make of one another… Social norms are wrapped up in our social nature and our need for community. They are usually warm and fuzzy. Instant pay­ backs are not required: you may help move your neighbor's couch, but this doesn't mean he has to come right over and move yours. It's like opening a door for someone: it provides pleasure for both of you, and reciprocity is not immediately required.”

2 - “the one governed by market norms, is very different. There's nothing warm and fuzzy about it. The exchanges are sharp-edged: wages, prices, rents, interest, and costs-and-benefits. Such market relationships are not neces­sarily evil or mean… but they do imply compa­rable benefits and prompt payments. When you are in the domain of market norms, you get what you pay for — that's just the way it is.”
Com base nisto Ariely fala sobre a forma como as empresas passaram a querer relacionar-se socialmente com os seus clientes, ou ainda como as empresas passaram a tratar os seus empregados. Ariely fala das mudanças no tipo de trabalho, do manual para o criativo, que passaram a exigir uma dedicação cada vez maior dos empregados à empresa, mas que essa dedicação precisa de ser compensada, não financeiramente mas socialmente.
“If employees promise to work harder to achieve an important deadline (even canceling family obliga­tions for it), if they are asked to get on an airplane at a moment's notice to attend a meeting, then they must get something similar in return—something like support when they are sick, or a chance to hold on to their jobs when the market threatens to take their jobs away.
Although some companies have been successful in creat­ing social norms with their workers, the current obsession with short-term profits, outsourcing, and draconian cost cut­ ting threatens to undermine it all. In a social exchange, after all, people believe that if something goes awry the other party will be there for them, to protect and help them. These be­liefs are not spelled out in a contract, but they are general obligations to provide care and help in times of need… companies cannot have it both ways”
Este é apenas um dos muitos exemplos que se podem encontrar ao longo de todo o livro, que claramente iluminam a compreensão de nós próprios e nos podem ajudar a olhar de forma diferente para o outro.

março 21, 2014

Da banda desenhada para animação

O artista de banda desenhada Rafael Grampá (Brasil) desenvolveu uma belíssima curta 3d, Dark Noir (2014), com a dupla de criativos Mario Ucci e Rick Thiele (Red Knuckles), para o Facebook e para a Absolut. A Absolut patrocina o evento, #NextFrame, através do qual a curta foi produzida, e o Facebook facilitou o processo criativo, no sentido de permitir a Grampá entrar num processo colaborativo de discussão da ideia de toda a animação com os seus fãs.



Se o processo criativo acaba sendo aquilo que mais promove a discussão à volta do trabalho, a mim o que mais me chamou à atenção foi o trabalho visual 3d conseguido pela dupla Mario Ucci e Rick Thiele, conhecidos pelo seu trabalho nos videoclips dos Gorillaz, assim como participação em inúmeros efeitos visuais para o cinema e spots publicitários. Chegaram a estar na Passion Pictures como Directores Criativos, mas saíram entretanto para continuar a trabalhar na área da animação.

Olhando para os portefólios de cada um será fácil de perceber que a assinatura da estética dos personagens 3d é de Mario Ucci, principalmente se olharmos para os seus trabalhos à óleo. A sua abordagem, na senda de Francis Bacon, confere-lhe uma abordagem visual particular que de alguma forma transpira para os personagens 3d de Dark Noir. Estou a falar claramente da impressão realista criada pelos shaders e luz na pele dos personagens que os faz parecerem reais, feitos de cera. Além disso a combinação que é depois realizada com os personagens 2d de Grampá é muito boa, sem qualquer dificuldade a diferença de registo estético permite-nos perceber que estamos a falar de dimensões do universo distintas.

Dark Noir (2014) de Rafael Grampá 

março 20, 2014

Vencedores do 16º Independent Games Festival

Foram anunciados ontem à noite no decorrer da Game Developers Conference os premiados do festival mais importante consagrado aos jogos independentes, o Independent Games Festival. De todos os premiados o único que ainda não tive oportunidade de jogar foi o vencedor da categoria de estudante, os restantes podem ver as análises no texto sobre os jogos jogados em 2013.

Papers, Please (2013) de Lucas Pope, premiado com Grand PrizeExcellence in NarrativeExcellence in Design

Papers, Please (2013) de Lucas Pope venceu 3 das 8 categorias, o Grande Prémio, Narrativa e Design. Merecido, e em parte esperado, o grande prémio, é muito interessante verificar que leva para casa dois prémios que raramente andam juntos, o Design e a Narrativa, e isso deve-se ao simples facto de Lucas Pope ter conseguido encontrar o design ideal para a narrativa ideal, tudo o que fazemos interactivamente dentro de Papers, Please tem consequências na narrativa. Deste modo jogamos verdadeiramente a história, somos atores e decisores do que acontece em cada jogo que se realiza. Existe um contexto, são-nos dadas as funções que devemos cumprir no âmbito desse contexto, cabe-nos a nós determinar o progresso e o desenlace da história do mesmo. Assim, ao BAFTA em Strategy And Simulation, e ao meio milhão de cópias vendidas, Pope junta agora o prémio de 30 mil dólares.

The Stanley Parable (2013) da Galactic Cafe, premiado com Audience Award

Confesso que para ambas as categorias, Narrativa e Design, tinha em mente candidatos diferentes, no caso da Narrativa acreditei que iria para DEVICE 6 (2013) da Simogo que já joguei mas ainda não terminei, acabando por ficar com o melhor Audio, o que não discordo. No caso do design sempre pensei que fosse para The Stanley Parable (2013) da Galactic Cafe, mas acabou por ficar apenas com o prémio do público.

Luxuria Superbia (2013) dos Tale of Tales, premiado com Nuovo Award

Sem surpresa também é a categoria Nuovo, atribuída aos jogos mais inovadores, que vai para o belíssimo Luxuria Superbia (2013) dos Tale of Tales. Nos BAFTA o prémio inovação tinha ido para outro jogo independente, não menos relevante, Brothers: A Tale of Two Sons (2013) [Análise]. Na Arte Visual atribuída a Gorogoa (2013) de Jason Roberts do qual só joguei a demo, mas fiquei muito bem impressionado, não só pelo aspecto como pelo design de interacção também.

Gorogoa (2013) de Jason Roberts, premiado com Excellence in Visual Art

Deixo a lista dos premiados com os links para os jogos analisados, aqui no blog e na Eurogamer.


Seumas McNally Grand Prize
Papers, Please by Lucas Pope [Análise]

Excellence in Visual Art
Gorogoa by Jason Roberts

Nuovo Award
Luxuria Superbia from Tale of Tales [Análise]

Excellence in Audio
DEVICE 6 from Simogo

Excellence in Narrative
Papers, Please by Lucas Pope [Análise]

Best Student Game
Risk of Rain from Hoppo Games

Audience Award
The Stanley Parable by Galactic Cafe [Análise]

Excellence in Design
Papers, Please by Lucas Pope [Análise]

março 19, 2014

Economias dos bens virtuais

Novo documentário da série OffBook, "The Rise of Videogame Economies" (2014), podemos ver várias discussões em redor das novas economias geradas pelos videojogos online. Escassez e desafio a base de qualquer jogo, mas também a base do que nos motiva enquanto seres humanos. Por isso é tão complicado desenvolver regulações que optimizem a vida em sociedade, porque uma sociedade perfeitamente regulada, não responderia às ansiedades cognitivas dos seres humanos, como muito bem acaba sendo explicado em “The Matrix” (1999). Somos seres dominados por um conjunto de elementos que compõem a motivação de cada um de nós, que por sua vez é fortemente dominada por muita irracionalidade (cf. Behavioral Economics).



Não existe nada lógico no facto de alguém comprar uma espada virtual num videojogo por  centenas ou milhares de euros, baseado na sua escassez artificial, é completamente irracional. Podemos e devemos pagar o trabalho do criador do artefacto original, mas adquirir por um preço inflacionado pelo facto de poucas pessoas deterem o mesmo item que pode facilmente ser copiado é desprovido de sentido. Contudo milhões fazem-no todos os dias, porque aquilo que dita às suas motivações não é a lógica, mas antes um conjunto de cálculos mentais sobre um conjunto de variáveis sociais enviesadas que contribuem para dar ao indivíduo a crença de que é lógico e faz sentido aquela compra.

Por outro lado, é tudo isto que nos faz mover todos os dias, as lógicas e as ilógicas das acções e interacções que temos com os outros, isso contribui para nos motivar e manter interessados no mundo que nos rodeia. É complexo mas desafiante, e sem desafio não existiria vida.

The Rise of Videogame Economies (2014)

março 18, 2014

"Prince of Persia" (2008)

O último "Prince of Persia", até à data, demarca-se completamente através da sua abordagem visual assente na técnica de cel shading que consiste em renderizar o 3d de modo a parecer ilustração 2d.  Em termos de design Prince of Persia representou em 2008 um regresso ao melhor da fluidez acrobática de "Prince of Persia: The Sands of Time" de 2003, o que contribuiu imenso para parte do sucesso conseguido, sem contudo não ter sido imune a imensas críticas.




Uma das críticas mais constantes que podemos encontrar a Prince of Persia (PoP) tem que ver com a condição de perda, se em Sands of Time (2003) podíamos evitar a morte recuando no tempo, aqui evitar a morte é ainda mais fácil, já que podemos recorrer à nossa companheira, e mesmo se não o fizermos, ela irá encarregar-se de tornar impossível que possamos morrer. Desta forma para alguns jogadores mais hard-core isto pode ser visto como algo negativo, já que evita as emoções mais fortes, e torna todo o percurso demasiado fácil. Se posso concordar em parte, a verdade é que o forte do jogo não se prende com a condição de lutas e morte, mas antes com a resolução de puzzles espaciais, que nos obrigam a aprender a lidar com o mundo de jogo para o ir conhecendo e dominando. E desse modo podemos até nem morrer, mas passamos muitas fases em que nos vemos repetir sequências várias vezes para conseguir responder ao que o jogo nos pede.



Do meu lado o que menos gostei foi mesmo da personalidade do príncipe, brincalhão, musculado e sem nada na cabeça, difícil identificar com um personagem assim, que mais parece um bobo. Ajuda bastante a companheira que está com ele todo o jogo, a princesa, com quem vai conversando, e que é verdadeira colega na aventura já que tem um papel muito relevante tanto no jogo como na história.


Mas claro que o melhor acaba por ser o campo visual que contribui para a criação de cenários absolutamente mágicos, para onde só nos apetece escapar. Esta beleza e encantamento tornam-se ainda mais poderosos, quando passamos o jogo a salvar regiões contaminadas, e de cada vez que chega o momento de libertar uma região das trevas, o mundo à nossa volta transforma-se de algo escuro e negro em algo absolutamente belo. Pode-se dizer que PoP construiu a partir destes momentos as melhores gratificações que um jogador pode desejar. Sentir que se contribui para libertar algo, e que ainda por cima esse algo que se liberta é magnânimo e sumptuoso, ao ponto de em certas regiões quase sentir vontade de respirar o novo ar do mundo que se nos desvela.

Um outro ponto imensamente discutido sobre PoP é o seu final. Falando sem dizer demais, apenas dizer que consigo perceber as várias leituras que este contém, mas acima de tudo dizer que pessoalmente não gostei de me sentir "forçado" a desfazer tudo aquilo porque lutei durante 20 horas. É uma visão, é a minha, mas foi o que senti, gostava de ter tido a oportunidade de dizer que não. Talvez simplesmente fechar o jogo quando começa o genérico, e não permitir que ele continuasse. Sei bem que não seria um final digno de Hollywood, habituados a vender sonhos e finais felizes, mas o contrário foi difícil de digerir. Talvez agora à distância pense tudo isto porque nunca me consegui identificar com o príncipe, acreditando muito mais nos ideais da princesa, julgo que ela estava correcta, e era como ela desejou que deveria terminar...

Para além dos problemas de interpretação da história, irritou-me ainda que o final fosse tão proletado em termos de game design. Sabemos que chegámos a fim, mas falta sempre mais um puzzle, mais um conjunto de acrobacias, mas um quase morte para chegar lá, parece que existe um certo receio de avançar para o final e acabar, desvelar tudo aquilo porque se lutou...

Apesar de tudo isto é um jogo com seis anos mas que ainda não perdeu nada do seu encanto. PoP não inova propriamente em nada, mas faz-nos viajar, sentir o encanto da ficção, do fantástico e por momentos esquecer completamente da nossa vida, escapar para um outro mundo.

março 17, 2014

efeitos da falta de liberdade de expressão

A 28 de Maio de 2013 a reivindicação de alguns cidadãos contra o abate de algumas árvores num terreno em que se queria construir um centro comercial despoletou uma reacção brutal da polícia, que levaria a um levantamento da população turca em várias cidades de Istanbul a Ankara. A erupção da violência foi rápida, mas permaneceu durante várias semanas, e é por isso que não se compreende o alheamento dos media turcos durante todo esse tempo.


Como resposta a esse alheamento a realizadora Ayce Kartal criou a animação, “Backward Run" (2013) para dar expressão ao sucedido e chamar à atenção sobre a necessidade de uma imprensa livre. O filme é curto, mas suficientemente claro e directo para passar a ideia central, conseguindo gerar o contraste de atmosferas e sentires que se viveram por esses dias na Turquia. Numa entrevista ao site Occupy Kartal explica o momento em que lhe ocorreu a ideia de criar o filme,
"Violence has been started! Everything became serious. At that moment the main media organs were in silence and showing classic daily programs on TV and the newspapers were writing mark. Thousands of people have been wounded, have become permanently disabled and some were killed but we couldn't get any news from the Turkish press. We watched all the live news from the webcasts of TV channels from Norway, Germany and France.”

“Our elderly, who don't use the Internet, didn't get what was happening in their own country. 'Why are these people shouting? Why are all the streets in chili smoke and what is this fire?' they were wondering. It was very sorrowful," she said. "One day on the street an old guy stopped me and asked, 'What is this? Did we get the World Cup?'"
“Backward Run" (2013) de Ayce Kartal [Novo Link]
"A free press can, of course, be good or bad, but, most certainly without freedom, the press will never be anything but bad."  Albert Camus

março 15, 2014

O que faz um storyteller?

Acabei de ver Saving Mr. Banks (2013) um filme que retrata o modo como Walt Disney convenceu Pamela Travers a ceder os direitos de adaptação de Mary Poppins ao cinema. Tom Hanks e Emma Thompson formam uma dupla brilhante na encenação do drama dos criativos. Tudo aquilo que criamos está ligado a algo que vivemos no passado, algo só nosso, e por isso é tão difícil por vezes desprender, desligar, deixar que outros tomem conta de algo que é parte de nós. O melhor do filme é servido num diálogo entre Disney e Travers, em que Walt Disney fala da sua infância, e expressa o que entende ser a sua missão,
“Because, that's what we storytellers do.
We restore order with imagination.
We instill hope, again and again and again.”
Saving Mr. Banks (2013)

março 14, 2014

"The Art of Immersion: How the Digital Generation Is Remaking Hollywood, Madison Avenue, and the Way We Tell Stories" (2011)

Para ser muito sincero, não sei como cheguei ao final deste livro. Julgo que tanto hype em seu redor me obrigou a ler até ao final, não com a expectativa de poder vir a aprender algo, mas antes para tentar perceber o razão do seu sucesso. Como é possível escrever um livro como se os capítulos não passassem de artigos de revista estendidos, no qual se cometem erros, se dizem banalidades, se atiram especulações ao ar!? A ideia central do livro é apresentar o conceito "transmedia" como uma das maiores invenções da atualidade, apenas possível graças à internet, algo que está a revolucionar totalmente o mundo do entretenimento! Mas é possível tanta ingenuidade? E é possível que tanta ingenuidade apresente tantos seguidores? Mas afinal quem são estas pessoas?

“The fundamental premise of broadcast television was the ability to control viewers… but this control began eroding with the VCR… and was blasted away entirely by the Web.”
Pensando um bocado, percebe-se quem são os que escrevem e os que fazem boas análises deste livro, não são criativos, menos ainda artistas, são marketeers, deliciados com as manobras discursivas que lhes permitirão dar novos saltos no engajamento com os clientes. Sim clientes, aqui não existe público, não existe audiência, menos ainda espectadores, leitores ou jogadores, aqui existem apenas e só os produtos e os seus clientes. Depois de começar a ler este livro concluí algo sobre uma ideia que já me andava a incomodar há algum tempo, o transmedia para uma grande parte dos actores é apenas e só uma estratégia de marketing!

Aliás o transmedia acaba aqui sofrendo o mesmo drama que sofre a gamification, ambos muito badalados, amplamente discutidos por pessoas de fora das áreas, acabando por ambos serem também extremamente enaltecidos pelo mesmo grupo, os marketeers. Eu não tenho nada contra os marketeers, mas é verdade que me começa a incomodar esta intromissão, ou melhor invasão de áreas alheias. Eu até percebo que lhes interessem os conceitos, mas podiam criar os seus próprios, sem tentar rentabilizar conceitos que devem ser olhados de uma perspectiva criativa e não mercantilista.

Por outro lado todo o discurso de Rose acaba sofrendo de alguma esquizofrenia. Se por um lado passa o tempo a falar em lucro de milhões, por outro passa o tempo todo a tentar explicar que o público deixou de ser um mero consumidor, para passar a ser autor, um participante criador. Aliás Rose elabora toda uma teoria para explicar que abandonámos a metáfora do "couch-potato" para abraçar a do “otaku”! Segundo ele passámos a viver num mundo de gente obsessiva, os ultra-fãs, dispostos a tudo para expandir os universos das séries, dos filmes, dos jogos. O público deixou de ser controlado pelos media, passando ele a controlar os media, apesar disso continuam a gerar receitas bilionárias para as grandes empresas, trabalhando de graça!

O que é mais ingénuo em tudo isto é o assumir de que a internet revolucionou o mundo, e não mudou apenas o storytelling mudou toda a nossa maneira de ser! Acreditar que hoje somos "otakus" é tão ridículo como acreditar que ontem éramos meros "couch potatos". O mundo não gira apenas em redor de um aparelho de televisão ou de um computador, cada um de nós tem muitos mais interesses além dos media, tirando os casos patológicos que se convertem em transtornos obssessivo-compulsivos, a grande maioria das pessoas saudáveis gere uma miríade de interesses, sem se deixar afectar por isso. Já o fazia antes da internet, e continua a fazê-lo hoje, assim como já antes da internet existiam pessoas mais sensíveis que se deixavam enredar completamente por estes universos, existiam também grupos de partilha de interesses que se juntavam em cidades, criavam associações, criavam fanzines, interagiam. A internet só tornou a comunicação mais fácil, mas acima de tudo tornou tudo isto mais visível para quem antes nunca se tinha dado ao trabalho de tentar compreender que esta realidade sempre fez parte daquilo que somos, seres sociais, altamente sedentos de confirmação pelos outros.

Segundo Rose passámos de uma geração "couch potato" a uma geração "otaku" que produz e controla, será?

Se o livro resulta num amontoado de capítulos soltos sem uma direcção nem um objectivo, existem alguns que são absolutamente impressionantes de ocos que são. No terceiro capítulo, “Depth”, Rose passa o capítulo inteiro a prestar vassalagem a James Cameron, e às suas capacidades extraordinárias para criar universos ficcionais (!!!), isto a propósito das alegadas grandiosas ideias para "Avatar". Diz Rose que Avatar is “not just a movie. It’s a world.”, indo ao ponto de afirmar que a arte do cinema “has not created an original universe since Star Wars.” (!!!). Mas talvez Rose até tenha razão, na verdade Lucas e Cameron são verdadeiras máquinas de criação de propriedade intelectual marketizável. Mas ser um grande vendedor está longe de ser um grande criador de mundos ficcionais. Reconheço que um não passa sem o outro, mas não confundamos as competências.

Rose passa todo o tempo a falar em milhões, quantos milhões cada estratégia rendeu, através do suposto transmedia, algo que segundo ele só aconteceu pela primeira vez nos anos 1970 (!!!). E fala sem qualquer suporte sobre o impacto que cada estratégia produz. Já quando não há impacto, esquece-se de falar. O exemplo mais grotesco é do próprio Avatar, seguindo as teorias de Rose, o videojogo de Avatar deveria ter sido catapultado pelo gigantesco sucesso do filme, mas isso não aconteceu. Aqui a abordagem transmedia falhou, mas em vez de o reconhecer, Rose parte para acusações ridículas, diz ele que o problema foi que a Ubisoft utilizou como motor de jogo o Cry Engine 2, o mesmo de Far Cry 2, e que já estava desactualizado. Resumindo, para Rose Avatar filme terá tido sucesso porque inovou imenso na tecnologia 3D, como no jogo se limitaram a usar tecnologia preexistente, o jogo não vendeu (!!!) Então mas não passou páginas e páginas a falar de Cameron, o mago criador de universos ficcionais? Não esteve páginas e páginas a falar no poder mágico do transmedia, que contamina tudo à volta? Então e no final do capítulo é que se lembra de falar da tecnologia?

A verdade é que devia ter parado de ler logo no início quando Rose diz que “estamos perante a emergência de uma nova forma narrativa que é nativa da internet”. Que obsessão e ao mesmo tempo limitação. Quer-me parecer que o otaku aqui é Rose, que se deixou inebriar pelo “poder” ou “encanto” da rede, capaz de tudo transformar e tudo resolver. E o mais ridículo é que Rose até fez um pequeno esforço para ir lá atrás perceber que o seriado é algo que vem de há muito, não é nenhuma novidade, quando fala do exemplo de Dickens que seguia as reacções das pessoas para ir transformando as histórias que contava nos episódios seguintes do seu romance “The Pickwick Papers” (1836), tal como sempre fizeram todos os contadores de histórias. A internet não inovou nada aqui, aliás bastante antes desta, já no Brasil os guionistas seguiam a audiometria da TV para gerir as histórias da novela das 20h. Quanto ao transmedia surgir nos anos 1970, o que dizer dos parques temáticos da Disney surgidos nos anos 1950? E o que dizer de toda a tradição secular transmedia operada pelas religiões para controlar e manipular o seu grupo de seguidores?

Este livro é um amontoado de nada, nada de novo é dito, e quando se aventura a elaborar, é para cair em banalidades e falsidades. O próprio nome do livro é um autêntico engodo, verdadeira estratégia marketeer, fazendo uso de um conceito amplamente usado no contexto das tecnologias de realidade virtual, para falar de transmedia. Pelo meio vai falando atabalhoadamente de videojogos, dos blogs e do “revolucionário” twitter, chega até a falar do Holodeck. Mas o que me parece é que Rose está acima de tudo interessado em oferecer consultoria às grandes empresas de produção de conteúdos, e daí que o transmedia seja algo muito mais palpável e fácil de prometer. Aliás o nome em francês do livro é muito mais correcto e digno do que o logro do título original, simplesmente “Buzz”.

Existe aqui um deslumbramento com o potencial da internet, e o facto do seriado se ter tornado mainstream na televisão com “Sopranos” (1999) ou “Lost” (2004), mas isto foi há mais de 10 anos. Rose não diz nada que vá além, ou sequer se aproxime daquilo que Steven Johnson já disse em “Everything Bad Is Good for You” (2005) a propósito da evolução da narrativa na televisão. Aliás foi em 2006 que escrevi um artigo sobre estas mesmas questões "Television Drama Series’ Incorporation of Film Narrative Innovation: 24". Vir dizer que a não-linearização da narrativa no cinema, como acontece em “Inception” ou “Pulp Fiction”, aconteceram por influência dos videojogos é de uma ingenuidade, ou melhor falta de visão cultural atroz. Quanto a tudo o resto que nos é dito, nada é acrescentado a “Convergence Culture: Where Old and New Media Collide” de Henry Jenkins. E ainda que eu tenha reservas quanto ao trabalho de Jenkins, que também tem vindo a dirigir-se para os domínios do branding e marketing, o seu cuidado nas afirmações que faz coloca-o num patamar completamente diferente do sensacionalismo bruto de Rose.
“a new type of narrative is emerging — one that’s told through many media at once in a way that’s nonlinear, that’s participatory and often game-like, and that’s designed, above all, to be immersive.”
Esta afirmação é a síntese do que Rose pretende apresentar com o livro, é uma síntese bem escrita, que à superfície é coerente e parece espelhar a realidade do momento. Mas não passa de um conjunto de ideias colocadas num mesmo cesto com o objectivo de se tornarem atractivas, mas essencialmente incapazes de responder aos reais desafios da narrativa e storytelling da atualidade, menos ainda aos anseios das empresas a quem Rose espera vender os seus dotes. Rose promete a essas empresas a solução para todos os seus problemas, que passa por deixarem de criar spots publicitários de tv, deixarem de criar longas ou livros, para se apostar tudo na criação de “universos ficcionais” espartilhados e participativos. Passa a interessar apenas o franchise, a propriedade intelectual por detrás da história, que por sua vez se encarregará de gerar todo um mundo de oportunidades comerciais, nomeadamente através dos batalhões de "otakus" na rede dispostos a trabalhar de graça para passar a palavra.

Tudo isto não passa de um conjunto de intenções, acima de tudo de um bom discurso de marketing. Porque os “universos ficcionais” com esta capacidade de se tornarem centros aglutinadores são raros, a grande maioria apenas cria a ideia, limitando-se depois a impingir um amontoado de produtos paralelos, que já não são fruto criativo da narrativa, mas antes fruto estratégico de merchandising. E esses, assim como surgem, rapidamente desaparecem. Criar uma boa história continua a ser algo bastante complexo, muito longe de poder seguir uma mera formula criativa com garantias de sucesso. O cerne de todo este problema é que para que um “universo ficcional” se crie, nos moldes que Rose deseja, é preciso primeiro criar uma história que funcione, e é isso que Rose aqui ignora por completo.

Para fechar e em jeito de provocação, pergunto, se o mundo é agora totalmente participativo graças à internet, e se tudo pode ser explorado por via das maravilhas do transmedia, sendo a base do presente e futuro de toda a produção de conteúdos, porque é que Rose escolheu um dos meios e modelos (o livro) mais antigos para contar a sua história?

março 13, 2014

Narrativa e Motivação, "Bioshock Infinite" (Parte II)

Depois de ter analisado o tema e arte de Bioshock Infinite trago agora uma análise sobre o design de jogo e de narrativa. Bioshock Infinite soube trabalhar muito bem a gratificação narrativa com um final de jogo intensamente compensador. A impressão muito positiva criada no final conseguiu optimizar toda a experiência do jogo, isto porque as memórias de uma experiência estão mais ligadas aos momentos intensos e essencialmente ao modo como terminam.



Em termos de história partimos da ideia básica de “salvar a princesa”, mas à medida que avançamos percebemos que a premissa não passou disso mesmo, de um motivador. Bioshock Infinite apresenta uma das narrativas mais elaboradas que podemos encontrar nos videojogos, não sendo fácil de seguir, já que se socorre de uma não-linearidade à lá "Inception" (2010) permitida por uns portais de tempo, as “lágrimas” os "rasgões". Apesar da complexidade, o jogador acaba sendo conduzido pela mão, e apesar de nunca chegar a compreender plenamente tudo, tal como em Inception, aos pouco vai percebendo que foi enganado e instrumentalizado. Toda esta confusão narrativa bem balanceada contribui para que no último quarto do jogo a história atinja um clímax raramente visto em videojogos, permitindo uma total imersão no imaginário narrativo, ganhando-se apenas aí a compreensão do que representou aquela viagem. Se o jogo nos envolveu e conduziu por meio da visceralidade visual, a última hora é inteiramente liderada pela narrativa, que toma o controlo total da acção e gratifica intensamente o jogador por ter persistido e ter levado a aventura até ao final.

Para tudo isto contribui a IA de Bioshock Infinite, nomeadamente de Elizabeth da qual falei aqui antes. Embora tenha a dizer que Elizabeth desenhada quase 10 anos depois de Alyx (Half-Life II , 2004) ou 12 depois de Yorda (Ico, 2001) não conseguiu tocar-me tão profundamente como estas. Sinto Elizabeth demasiado distante, o facto do jogo ser em primeira-pessoa não ajuda, mas por isso mesmo no seu desenho deveriam ter sido incluídos olhares directos para nós, mais incisivos, como acontecem com Alyx. Sem corpo, resta-nos o olhar para criar a sensação de conexão humana, a empatia, algo que não se cria apenas com a forma e o diálogo. Depois julgo que o desenho do seu comportamento, nomeadamente em momentos de luta poderia ter sido desenhado de forma a criar maior proximidade, as ajudas dela são interessantes, mas no final do jogo sente-se a mecânica e perde-se a química. 

E é esta constatação de mecanicismo e repetição que me leva ao cerne deste texto para discutir as questões sobre o design de jogo, as opções sintácticas dos criadores para cruzar a narrativa e jogo. Porque mais uma vez tive de sofrer a angústia de me forçar a terminar o jogo, quando já nada em mim o queria fazer. As intermináveis batalhas, tiros e mais tiros, explosões e destruições a roçar o mecânico, repetitivo, vazio de significado ou propósito. Por isso mais uma vez me questionei sobre a dualidade expressiva dos jogos de Acção e Aventura. Daqui lanço várias questões: 

Porque temos de passar todo o tempo a matar? Porque apenas podemos sorver história quando entramos num momento de pausa? Porque não podemos interagir com a história? O que quer dizer interagir com a história? O que diferencia a interacção com a história da interacção com os tiros, as lutas, as mortes? E os tiros e as lutas não fazem parte da história?

No meu livro sobre Emoções Interactivas (2009), apresento um estudo no qual detectamos que a maioria dos jogos prima por explorar emoções negativas ativas - Raiva, Medo, Tensão, Nojo, Stress. Por outro lado no livro “Contagious” (2013) de Jonah Berger, os seus estudos demonstram que estas mesmas emoções são as mais capazes no que toca a conduzir as pessoas a partilharem mensagens online. Daqui podemos entender que uma parte do problema desta discussão assenta numa questão que já tinha levantado antes a propósito da tristeza nos jogos, e que lida com o Paradoxo da Emoção Interativa (Zagalo, 2009:299). Ou seja, para eu agir sobre o mundo, interagir, preciso de ser estimulado a isso, e o que verificamos é que as emoções negativas ativas são as mais eficazes. Já se estimularmos emoções negativas inactivas - Tristeza, Melancolia, Aborrecimento - as pessoas tenderão a não querer interagir.

Isto explica em certa medida porque os jogos tendem a propor-nos o acto de matar, ou  talvez melhor seja dizer, o acto de “não ser morto”. O que nos leva a querer interagir é a tensão criada pela avalanche de inimigos (obstáculos que temos de transpor) atirados sobre nós com o objectivo de nos eliminar. O que nos motiva é não morrer, não perder, para poder continuar dentro da história. O medo de morrer (ex. Medal of Honor) pode ser ainda explorado e potenciado pela raiva do que nos fizeram antes (ex. Max Payne), ou o nojo (ex. Silent Hill).

No fundo os videojogos usam e abusam de todas as formas capazes de nos colocar sobre o fio da navalha do “Game Over” - inimigos, armas, plataformas, etc - sendo o medo de perder que nos mantém ativos, que nos mantém capazes de continuar a apertar botões, a empurrar sticks e a resolver puzzles. Aliás a motivação para a interacção nos videojogos de acção acaba sendo quase sempre feita com base em situações de morte eminente. Ou seja a situação de perda mais grave, no caso de existência de personagens envolvidos numa história.

Mecanicamente esta forma de desenhar um videojogo de acção difere muito pouco da forma como se desenha um qualquer jogo competitivo - futebol, corrida de carros, luta - porque no fundo falamos de mecânicas que motivam os humanos a agir. Se numa corrida tudo fazemos para manter o carro dentro da pista, é porque queremos ter hipótese de chegar ao final. Em Bioshock Infinite tudo fazemos para nos manter vivos, e assim chegar ao final da história. Se no futebol tudo fazemos para defender e marcar golo, é para não perder o jogo, assim como em Bioshock Infinite tudo fazemos para matar todos, para que não nos matem a nós, e não nos façam perder espaço ou itens já conquistados, para ganharmos e podermos continuar a avançar.

Mas aqui estamos apenas a falar das lutas, das batalhas, dos tiros, matar ou morrer, que acabam configurando um dos “modos de jogo” de um videojogo de acção. Porque quando as lutas acabam, iniciam-se diálogos, encontramos notas de leitura, vídeos explicativos que contam o que aconteceu ali, ou seja entramos no chamado “modo história”. E aí desaparece a guilhotina do game over, desaparecendo assim a tensão, consequentemente fazendo-nos entrar no modo relaxe, no modo passivo. Aliás se reflectirem o que acontece quando entramos nas cutscenes (interactivas ou não), é que relaxamos, são momentos desenhados no jogo exactamente para nos permitir respirar da tensão passada nos confrontos de Jogo.

Mas isto quer dizer que as histórias não podem gerar tensão? A questão que se deve colocar, é se as histórias conseguem gerar suficiente tensão para nos fazer agir fisicamente? Mentalmente sabemos que é suficiente, adoramos cinema e séries, sendo que o género mais popular é o Drama e não a Acção ou Horror. As histórias motivam-nos a agir mentalmente, apenas lançando problemas e questões que procuramos resolver mentalmente. Mas serão então, simples questões, suficientes para nos fazer agir fisicamente?

Talvez. O género específico de Aventura Gráfica viveu disso apenas. Myst (1993) não tinha mortes, nem tiros, não tinha sequer game over! O que nos motivava a agir era o mesmo que nos motiva a agir num livro ou filme, a busca de respostas às interrogações que o jogo nos colocava. Mas sabemos bem como as Aventuras Gráficas são menos dinâmicas que a Acção/Aventura. Mas será que tem de ser mesmo assim? Será que não conseguimos criar condições de perda como os inimigos ou o cair de plataformas, para avançar uma história de forma dinâmica?

Não julgo que nos falte descobrir um graal como continuamos a advogar sobre a relação jogo/história nos videojogos, julgo que o que é necessário são criadores com capacidade de usar as ferramentas à sua disposição para de modo equilibrado obter o melhor dos dois mundos. Conseguir obter a intensidade das emoções activas do jogo, e fundi-las com as emoções inactivas da narrativa. Temos bons exemplos disto mesmo, e sempre que os re-analiso - The Last of Us - verifico que dependem não de inovação técnica ou tecnológica, mas de Equilíbrio e Balanceamento. Apesar de geralmente encontrarmos o desequilíbrio a tender para o jogo, ou seja a competição com luta, tiros e morte, podemos encontrar o desequilíbrio contrário, em jogos como Heavy Rain (2010) ou Beyond Two Souls (2013), a tender para a história em detrimento do jogo.

Ou seja, respondendo às questões que me lancei quando acabei BioShock Infinite, podemos interagir com a história sim, e os tiros e as lutas podem fazer parte dessa história também, isso só requer equilíbrio por parte dos criativos. Essencialmente evitar prolongar áreas artificialmente apenas porque é possível tecnicamente, as áreas devem durar apenas a duração que a narrativa permitir. Se a narrativa não aguenta mais, e precisam de fazer durar mais o jogo, reescrevam a história, as histórias são tão elásticas como os jogos, basta olhar para o que é feito nas séries de televisão. Elas só precisam que lhe seja garantindo o timing, para que o seu significado tenha valor e compense o jogador. De certo modo talvez esteja a colocar o jogo ao serviço da narrativa, mas a narrativa organiza sentidos, compreensão, o jogo está mais focado em estimular a emoção. Não é por acaso que depois da montanha russa de batalhas Ken Levine necessite de quase uma hora de jogo em modo narrativo para dar sentido a tudo o que vimos, e recompensar os jogadores.


Parte 1 da análise a Bioshock Infinite

março 11, 2014

Criar mundos de ficção

O que é uma história? Como criamos uma história? Como criamos um mundo de ficção? Questões relevantes para quem escreve, desenha ou cria para videojogos, literatura, cinema, televisão, parques temáticos, cenografia, coreografia, etc. o storytelling está hoje por todo o lado, e por isso saber como nos devemos e podemos posicionar no uso das ferramentas narrativas, pode ajudar-nos em muitos momentos da nossa vida expressiva e de interacção com o mundo.


Kate Messner, numa curta mas muito interessante animação, explica de onde surge o poder das histórias, e como se constrói esse poder, por onde se começa a sua estrutura. A explanação está focada apenas no mundo ficcional, não entra na discussão da estrutura narrativa, contudo sobre essa podemos encontrar outras comunicações interessantes como a TED do Andrew Stanton. Assim o que temos aqui em poucos minutos é uma abertura sobre o mundo das histórias, sobre aquilo que as sustenta, aquilo que faz com que a audiência as consiga sentir e compreender, se envolva e se possa recordar no dia seguinte de as ter vivido.

How to build a fictional world (2014) de Kate Messner

"Just like real life, fictional worlds operate consistently within a spectrum of physical and societal rules. That’s what makes these intricate worlds believable, comprehensible and worth exploring…

Authors of science, fiction and fantasy literally build worlds they make rules, maps, lineages, languages, cultures, universes, alternate universes within universes and from those worlds sprout story, after story after story…

Once you know your world, as well as you hope your reader will, set your characters free in it and see what happens."