“Everybody’s Gone to the Rapture” (2015) é um espaço-história que podemos explorar na primeira-pessoa. O espaço situa-se numa pequena aldeia britânica, nos anos 1980, abandonada à pressa a julgar pelo estado da cidade. À medida que avançamos na exploração vamos encontrando espaços em que luzes dão vida a encenações de grupos de pessoas que conversam entre si, como se estivéssemos a assistir a uma cena passada há não muito tempo. A aldeia é relativamente extensa, dada a reduzida velocidade a que nos deslocamos, mas para nos ajudar na escolha da ordem das casas e locais a visitar, existe uma luz forte que deambula por toda a aldeia que parece querer servir-nos de guia. Podemos encontrar mais diálogos ou monólogos em rádios e telefones perdidos, assim como em certos momentos temos de ativar umas luzes mais fortes que surgem e que nos abrem para mais uma cena de personagens de luz, mais extensa, ou pelo menos narrativamente mais significativa e que nos permite progredir na compreensão do que se terá passado ali.
O cerne de “Everybody’s Gone to the Rapture” é a narrativa, que se desenrola por meio de um enredo duplo, por um lado a descoberta do que terá acontecido na aldeia, por outro as vidas e relações entre os habitantes dessa aldeia. Ou seja, ao longo da progressão na experiência vamos descobrindo o que terá acontecido recentemente ali, assim como vamos ganhando conhecimento sobre as personagens que ali habitavam. No final, os dois enredos enlaçam-se para dar um sentido uno a toda a experiência, despoletando toda uma enorme recompensa pelo investimento realizado na compreensão do universo. Esta técnica do duplo enredo é bem conhecida do cinema, e serve por um lado para manter o espectador mais atento já que temos duas linhas de eventos a surgir em simultâneo, e por outro lado, quando o sentido se fecha na união de ambas as linhas de progressão, o espetador sente uma recompensa maior por dar sentido ao todo. Neste caso, posso apenas dizer que tal acontece, mas não posso entrar no detalhe correndo o risco de destruir essa possibilidade.
Pouco depois de estar em “…Rapture” torna-se inevitável recordar o início de “Village of the Damned” (1960), mas aqui a simulação é ainda mais forte na construção do sentimento de abandono do espaço, a falta de vida sente-se, com a nossa navegação em primeira-pessoa a funcionar na enfatização de todo esse abandono. Em sentido contrário, a performance das personagens que vamos encontrando espalhadas pela vila estão cheias de vida, com diálogos que nos chegam quase apenas por meio de voz, já que a linguagem corporal só por vezes nos é mostrada pelas luzes que constituem os corpos, ainda assim dando conta da idade e personalidade de cada um dos seus habitantes, do quão reais todas elas terão sido.
“Everybody’s Gone to the Rapture” é um jogo sobre o fim do mundo, mas muito diferente daquilo a que estamos habituados a assistir, aliás esse era o objetivo de Pinchbeck:
“We talked about it, and we said, well, what is the important thing about the end of the world? It’s not about cities being consumed in fire. Take the movie 2012 – the whole of California vanishes and you don’t feel a thing, it’s just ridiculous. The apocalypse is about people, and the connections between them. What’s really touching is parents waiting for their kids to come home - and what they’re worried about is that the buses aren’t running, not that the world is ending. It’s the little moments that get you.” [fonte]É isso que vemos, ouvimos e sentimos. O cenário escolhido toca-nos pela beleza, infelizmente não tanto como parece tocar os jogadores britânicos, que revelam sentir um enorme impacto nostálgico ao visitar os vários espaços no jogo. Mas a visualização daquele mundo é suportada por brilhantes dramatizações audio, que só poderiam ter sido conseguidas por atores de rádio, que conseguem fazer-nos sentir mesmo sem ver. Se tudo isto trabalha muito bem na construção do conhecimento dos eventos, toda a banda sonora adicionada ao jogo é imensamente poderosa, trabalhando com música coral que enfatiza o sentimento e conduz as sensações que vamos sentindo na progressão do jogo. Posso dizer que existe algum exagero no recurso musical, já que quase tudo é conduzido por este, o que claramente dá conta das fragilidades narrativas do objeto, muito por lhe faltarem personagens que possamos chegar a conhecer e empatizar completamente.
Trailer de “Everybody’s Gone to the Rapture” (2015) de The Chinese Room
Mas é o no final que tudo se dá, e é poderosamente gratificante, ainda que possamos sentir alguma lógica “new age” em toda a conceptualização da vida e universo, mas a forma como se constrói toda a sequência final é feita de modo gerar arrepios emocionais nos mais sensíveis. Quando tudo começa a fazer sentido dentro de nós, quando as duas linhas de enredo se cruzam e se tornam numa só, quando percebemos o que representa tudo aquilo que experienciámos até ali, dá-se a catarse cognoscente que acompanhada pela banda sonora e imagens finais nos deixa ali colados aos créditos finais, sem vontade de arredar até que o último nome passe...