dezembro 06, 2013

"Brothers: A Tale of Two Sons" (2013)

Uma experiência sublime! Ao terminar o jogo, senti um frisson tocar-me o coração, e uma lágrima saiu. Sem dúvida um dos jogos mais emocionais que alguma vez joguei. Resolvi então aprofundar a razão deste sentimento, descrevendo o design por detrás do jogo, num artigo para a revista VIRAL.


Podem ler "Interatividade expressiva no storytelling de 'Brothers'", artigo completo online. Vale a pena ainda visitar a página do fotógrafo Dead End Thrills com arte do jogo.

dezembro 05, 2013

Entrevista sobre o livro "Videojogos em Portugal"

Dei uma entrevista para a revista Eurogamer Portugal a propósito do livro "Videojogos em Portugal. História, Tecnologia e Arte". Nesta falo um pouco do livro, do processo da escrita, dos objetivos, do público alvo e de alguns dos problemas da criação de jogos em Portugal. Podem ver aqui.

dezembro 04, 2013

Portal 2, problemas da narrativa com primeira-pessoa

Portal 2 (2011) é o sucessor de um dos jogos mais inventivos da primeira década de 2000. Em 2007 a Valve lançava Portal com uma mecânica completamente nova, a arma de portais. Portal 2 pega na mecânica e mantendo-a no centro transforma-a profundamente com a adição de novos elementos que permitem além do portal, a propulsão, a repulsão, o aumento de velocidade, ou a criação de pontes aéreas. Portal 2 apresenta assim um conjunto de mecânicas bastante mais evoluído capazes de estabelecer puzzles bastante mais intrincados e estimulantes que no primeiro episódio.



Mas Portal 2 não é feito apenas de design de jogo, a sua componente de storytelling foi extremamente desenvolvida. Portal 2 apresenta uma lógica narrativa para introduzir o cenário principal do jogo, e conduz-nos ao longo da narrativa fazendo-nos sentir que contribuímos através da nossa participação para o desvelamento do problema apresentado pela história. Para densificar o sentimento narrativo, Portal 2 utiliza duas estratégias já clássicas, a narração e o companheiro de viagem. Ao longo do jogo a história vai sendo dramatizada pela voz de um narrador explícito, que é depois ainda complementada pelos monólogos do nosso companheiro de missões (Wheatley/Glados). A história em si não inova no género da FC, mas o toque de humor e a introdução de alguns elementos inesperados como a troca de identidades dos nossos companheiros faz com que a experiência seja bastante refrescante.

É muito interessante perceber que apesar de Portal 2 se ter originado e centrado no design acabou sendo o seu lado narrativo a conferir-lhe a maior aclamação crítica com vários prémios. Na verdade, a história é responsável por nos manter interessados ao longo de toda a experiência, já que o design é incapaz de se apresentar como uma experiência global. Assim, e apesar da aclamação universal, julgo que é inevitável apresentar vários problemas em Portal 2.

Podemos dizer que o macro-flow de Portal 2 é totalmente desenhado pela narrativa, ficando o design quase resignado ao micro-flow. Ou seja, apesar daquilo que nos move globalmente ser um objectivo narrativo e de design, escapar do interior de uma fábrica em colapso, esse objectivo acaba sendo mais estabelecido pela necessidade narrativa do que pela necessidade do design.

Explicando melhor, quase todo design de jogo está focado nos puzzles de cada sala ou nível. Se inicialmente as várias salas se interligam, porque apresentadas como um caminho evolutivo de aprendizagem e teste do nosso personagem, quando entramos no segundo terço de jogo, percebemos que não há ali mais nada para nós neste campo, a não ser uma sucessão de salas com diferentes puzzles para resolver. E é aqui que o jogo perde o encanto. Cada sala assume-se como uma folha em branco que temos de resolver para avançar para a seguinte, sem ligação com a que acabámos de fazer, nem com a que faremos a seguir. As mecânicas são uma delícia, mas deixamos de jogar pela história, deixamos de jogar pelo objectivo global do videojogo, e passamos a jogar para resolver os puzzles apenas e só.

Podemos dizer que se retirássemos a narrativa e os personagens, Portal 2 não seria muito diferente. Claro que não teríamos os momentos cómicos, nem teríamos a progressão narrativa, mas continuaríamos a ter os mesmos puzzles, e continuaríamos a escapar de um espaço que nos aprisionava. Mesmo os puzzles de tão elaborados, acabam por nos retirar alguma liberdade de ação no mundo, porque para muitos deles apenas uma única e específica sucessão de passos e ações pode conduzir-nos à resposta.

É-me inevitável comparar Portal 2 com ICO. Pode parecer algo estranho, mas é inevitável comparar os objectivos centrais em ambos, escapar de uma fábrica gigante, e escapar de um castelo gigante. Ou seja, o ponto de partida para o design espacial de ambos os videojogos foi concebido da mesma forma. O problema é que a comparação termina aqui. Em ICO os espaços estão desenhados para que a sua inter-relação seja percepcionada, não apenas do ponto de vista visual e de atmosfera, mas também do ponto de vista do design de navegação. Os espaços agem uns sobre os outros, não apenas tornando possível o acesso entre os diferentes espaços, mas criando interdependências entre os mesmos. O nível de detalhe colocado no design de espaço de ICO comparado com Portal 2, é assombroso. Claro que além do espaço, e apesar de ICO ter sido feito 10 anos antes, a IA colocada na personagem que nos faz companhia consegue ser mais evoluída do que aquela que está colocada no companheiro em Portal 2. Isto tem implicações profundas no desenvolvimento da relação entre jogo e narrativa.

ICO (2001) e Portal 2 (2011)

Para fechar deixo aquele que é para mim um dos maiores handicaps atuais do género de ação-aventura, o uso da primeira-pessoa. Os problemas que derivam desta opção são mais do que muitos, no entanto os estúdios continuam a assobiar para o ar e a fazer de conta que não se passa nada. Para começar, nunca vejo a protagonista de Portal 2, a heroína com quem é suposto eu identificar-me e criar empatia. Ou seja, não se consegue criar qualquer empatia com alguém que só vejo de vez em quando no efeito de espelho dos portais. Aqui a história perde todo o potencial que poderia advir da situação de se estar preso naquele espaço. Em segundo lugar, a estética visual fica profundamente limitada a um ângulo de visão único sempre com a mesma abertura de campo, esteja num sala pequena, ou numa sala enorme (Zagalo, 2007, página 149). Em terceiro lugar, sempre que preciso de correr ou de saltar com precisão, tenho de o fazer através de tentativa-e-erro já que não consigo ter a menor noção proprioceptiva do meu corpo no ambiente virtual. Se virar a câmara para ver onde estão os meus pés, percebo que eles não existem.

Eu percebo que para os estúdios seja muito mais barato e simples fazer FPS, mas é tempo de nós os consumidores exigirmos mais. Chega de aceitar algo que está demonstrado ser um buraco sem fundo de problemas. Aliás não tive ainda coragem de explorar Bioshock Infinite (2013), exactamente por causa disto. Se quiserem ler mais sobre esta problemática aconselho o artigo de Jack Monahan, que agradeço ao Pedro Neves a partilha.

dezembro 03, 2013

Entrevista com Bruno Telésforo, e a pós-produção das Aranhas Gigantes

Há duas semanas correu na rede um pequeno filme que mostrava aquilo que parecia ser uma invasão de aranhas gigantes na cidade de Lisboa. O filme fazia-se passar por um noticiário de televisão recorrendo mesmo a um pivô reconhecido da televisão nacional (João Moleira). No final os espectadores descobriam que nem as aranhas nem o noticiário eram verdadeiros, já que não passavam de elementos de uma campanha de marketing montada para anunciar o lançamento do terceiro volume de “As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça & Pizzaboy” (2013) de Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa.


Na rede, o filme foi um sucesso gigantesco conseguindo mais de 2 milhões de visualizações nos vários canais em que foi mostrado. Por outro lado nos media, o filme foi amplamente discutido pelos problemas deontológicos que levanta, nomeadamente no campo das fronteiras entre jornalismo e publicidade. Não vou entrar nessa discussão porque apesar de conceder que elas foram aqui ultrapassadas, depois de analisado bem o filme vemos que o foram mas de uma forma bastante atenuada. Nesse sentido considero toda esta discussão uma hipocrisia, já que estas fronteiras vêm sistematicamente sendo ultrapassadas no nosso país, sem nunca se ver quaisquer responsáveis ou instituições da área fazerem algo para verdadeiramente procurar pôr cobro ao "vale tudo".


Assim o que me interessa é apenas e só discutir o filme em si, nomeadamente o seu trabalho de pós-produção, dada a sua enorme qualidade. O trabalho que foi realizado pela empresa nacional Irmalucia Visual Effects teve como responsável, para as áreas de animação, modelação, composição, rotoscopia e mattepainting, o Bruno Telésforo e foi com ele que estive à conversa.

Antes das perguntas, dizer que o Bruno Telésforo (30, Cascais) adora videojogos e foi por causa destes que se inscreveu num curso de animação 2D/3D de 2 anos na ETIC, tendo depois seguido para a licenciatura em Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona. Este seu percurso fez então com que desviasse o seu interesse dos videojogos para o campo dos Efeitos Visuais (VFx). Este seu desvio acaba por não o ser propriamente, já que entra em sintonia com a atual convergência que se vive entre o cinema e os videojogos. Vejamos então o que nos disse o Bruno.

1 - Que software foi utilizado para modelar as aranhas, e depois para a composição? E as imagens reais foram registadas com que máquina?
:: As aranhas foram modeladas, animadas e renderizadas em Autodesk Maya, a composição foi posteriormente feita em Adobe After Effects. A cãmara usada para captar as imagens foi uma Canon C300. Trabalhamos em HD 1080p.

2 - Quanto tempo levou o trabalho de pós-produção e como é que foi realizada a comunicação com o realizador Filipe Melo?
O período de pós-produção levou pouco mais de um mês entre toda a equipa da IrmaLucia. A execução da pós-produção de imagem estendeu-se por todo esse mês, sensivelmente. Durante esse período trabalhámos sob as indicações do realizador Filipe Melo. Os visionamentos com o realizador foram regulares, permitindo "desbloquear" certos aspectos criativos avançando na direção certa.

3 - O modelo de aranhas foi baseado numa espécie real ou é uma mistura de espécies, quais? 
:: O modelo das aranhas foi baseado numa tarântula comum. Adaptámos a cor do pêlo e usámos tamanhos diferentes para criar variações dentro da espécie. Podem parecer todas iguais, mas existem diferenças. Era esse o objectivo, que nenhuma em especial chamasse à atenção mas que houvesse espaço para variações.



4 - Temos apenas um modelo clonado, ou foram feitas várias com diferenças?
:: Tínhamos uma aranha principal que usámos várias vezes ao longo dos planos do filme e com ela também criámos algumas variações a nível do pêlo e do tamanho. No último plano vemos melhor a diferença de escalas.


5 - Como é que foi feito o processo de composição da iluminação? Foram feitas compensações na correção de cor para facilitar a composição, de que forma? 
:: As aranhas foram renderizadas em Autodesk Maya com "fake HDRI" extraído do plano original. Assim, simulámos a iluminação real na aranha que nos ajudou a integrá-la com o plano de imagem real. A sua iluminação é adaptada plano a plano e depois a iluminação é corrigida e “nivelada” ao longo dos planos.
Sim, houve compensações no final do filme nomeadamente na última sequência do filme: houve uma maior intervenção a nível de luz/cor para reforçar o aspecto dramático da história. Grande parte dos planos tiveram também o céu alterado para criar melhor a transição para a última sequência do filme.

6 - No plano final os helicópteros resultam muito bem, mas as colunas de fumo apesar de aproximadas na cor ao céu, parecem menos reais, alguma explicação?
:: As colunas de fumo passaram por várias fases de desenvolvimento até chegar a este ponto. Quem trabalha em 3D ou VFX sabe que integrar simulações de substâncias orgânicas é ainda uma coisa complicada de "vender" ao espectador. Isto porque dependem em grande parte de um detalhe ínfimo e uma escala gigante para parecerem realistas ao olho comum. São simplesmente coisas que fogem ao "natural", por isso são elementos difíceis de tornar credíveis com recursos limitados, sejam eles tempo ou capacidade de hardware. É algo que todos nós sabemos por instinto e experiência, e no “mundo” das imagens geradas em computador tornar algo visível e plausível é por vezes um desafio técnico e criativo.
Quando vemos, por exemplo, fumo ou água realista nos blockbusters que estamos habituados a ver, são fruto de um grande investimento em recursos técnicos e financeiros. A dificuldade está na escala que tínhamos que representar, porque quanto maior a escala do fumo, mais complexa é a simulação. Mas creio que dentro das nossas capacidades e limitações o resultado ficou bastante credível e cumpre o objectivo. Excelente trabalho do Luís Martins, residente na Irmalucia, que desenvolveu e integrou os efeitos de fumo na última sequência.


7 - Qual foi o plano mais complicado de criar, e porquê?
Pessoalmente foi o plano final. A intenção era criar destruição localizada ou que pudesse ser justificada pela ação das aranhas. Foi o plano mais elaborado de todo o filme e certamente foi o que teve mais atenção. Era preciso "encher" o plano com elementos para caracterizar a ação e a dificuldade era não "perder" tempo em coisas que não tivessem tempo para ser vistas. Foi então preciso sugerir linhas de olhar ao espectador e concentrar aí os nossos esforços de trabalho. Foi o plano que teve mais elementos conjugados e por isso mais tempo de render e “footage” para compor. Mesmo assim, pessoalmente, foi o plano que deu mais gozo por ter que destruir os prédios e sujar paredes. Idealizar e desenvolver estas situações foi algo que me deu bastante entusiasmo. O plano da queda da aranha foi também trabalhoso: foi complicado acertar a escala da aranha com as pessoas e fazer a rotoscopia das pessoas individualmente.


8 - O que te parece o desenvolvimento da área de composição 3d em Portugal?
:: Hoje conseguimos ver bons exemplos nacionais de bons profissionais na área de Visual Effects para Cinema e Televisão. Temos resultados e qualidade que já fazem frente a grande parte de produções internacionais, no entanto a produção nacional é ainda parca.  O desenvolvimento na área de composição que acontece em Portugal tem vindo a aumentar na última década, mas ainda assim, e comparando com a produção internacional, a  produção nacional é ainda diminuta. Consequentemente, as produtoras optam por recorrer a orçamentos baixos, que destabilizam o mercado para as "casas de pós-produção" já estabelecidas, no entanto exigem uma qualidade exemplar à semelhança da produção internacional.
É necessário apostar em projetos nacionais e em profissionais certificados que tenham já demonstrado capacidade evolutiva no mercado audiovisual atual, competitivo e em constante mudança.
Quanto à formação, há muito mais opções do que havia quando comecei, mas continua a ser pouca a formação especializada e de qualidade. Por outro lado, há cada vez mais autodidatas devido à quantidade de pessoas interessadas em Visual Effects e a pouca disponibilidade financeira no geral. Em Portugal é normal a formação nesta área basear-se em conhecimento técnico mais generalista nas várias ferramentas e técnicas em vez de ser especializado apenas numa área só, como acontece na produção internacional de qualidade.


Para quem quiser saber mais sobre o Bruno, aqui fica o seu portfólio
Behance / Vimeo e o LinkedIn.

dezembro 02, 2013

O que é o Neorealismo?

Mais um trabalho brilhante de Kogonada sobre a linguagem cinematográfica, desta vez a propósito daquilo que define a estética da corrente neorealista dos finais dos anos 1940. Kogonada faz aquilo que considero ser a verdadeira arte de análise cinematográfica, centra-se na forma, centra-se nas imagens, e procura perceber como o autor comunica. O facto de o fazer por meio de ensaio audiovisual permite-lhe chegar aonde a crítica em formato de texto não consegue, por mais adjectivação que glose.


Neste ensaio de cinco minutos Kogonada realiza uma comparação minuciosa da montagem de um filme de Vittorio De Sica, criador do mítico Bicycle Thieves (1948), com a remontagem do mesmo filme, por David O. Selznick, produtor de Gone with the Wind (1939). O filme em questão é Terminal Station (1953, 89 minutos) de De Sica, tendo a remontagem para o mercado de hollywood por Selznick, recebido o nome Indiscretion of an American Wife (1953, 72 minutos). Ambas as versões podem ser encontradas no mesmo dvd da Criterion Collection.

Kogonada realizou este ensaio para a britânica Sight & Sound, procurando dar resposta à questão, o que é o neorealismo? E essa resposta podem encontrá-la no seu ensaio, de uma forma muito serena, clara e objectiva. No final fica ainda a reflexão inevitável sobre o poder da montagem.

What is neorealism? (2013) de  Kogonada

Fica o link para outros artigos aqui escritos sobre trabalhos de Kogonada, e o link para a sua página pessoal.

dezembro 01, 2013

Filmes de Novembro 2013, e a linguagem de Hollywood

Como estamos no fim do ano é natural que tenha passado grande parte do mês a ver quase só filmes de 2013, e por isso talvez também não me espante ter tantos filmes com notas médias. Uma grande parte do cinema atual apresenta elevada qualidade técnica, mas quando chega à questão da contribuição original espalha-se. É comum ouvir dizer que quem quer originalidade hoje tem de recorrer às séries de TV. Não concordando totalmente e aceitando que se encontra aí muito trabalho interessante, a verdade é que de cada ano apenas alguma obras serão recordadas, as restantes servem apenas para entreter o tempo.

"Uma História de Amor e Fúria" (2013) de Luiz Bolognesi, Brasil

The Great Gatsby surpreendeu-me, um filme que nem queria ver, acabei deslumbrado mais uma vez pela genialidade de Luhrmann, o cineasta mais barroco de que há memória. Por sua vez o Brasil presenteou-nos com uma magnífica longa de animação, que nos conta a história do Brasil, desde o passado ao presente, projetando o futuro próximo, tudo num raio de 600 anos. Estreou em Portugal no Cinanima 2013, e é um dos trabalhos obrigatórios deste ano.

Quando falava da competência técnica de Hollywood, referia-me a trabalhos como "Hunger Games", "Man of Steel", "After Earth", "Star Trek" ou ainda "Jobs", "Disconnect" ou "Killing Season". Nada podemos repreender a estes filmes, a não ser a falta de identidade, de visão pessoal, de autoria. Todos estes filmes são obras coletivas de grande feito. Todos eles falam de assuntos, uns mais outros menos, relevantes. Mas todos eles falam da mesma forma, como se as ideias tivessem sido passadas por um filtro de homogeneização, capaz de eliminar as especificidades, diferenças e estranhezas. No final temos uma espécie de hambúrguer com garantia de qualidade alimentar, mas que sabe igual, seja comido em Lisboa, Paris ou Hong-Kong.

No meio de tudo isto, a minha maior desilusão foi mesmo para Jobs (2013), o filme que nunca devia ter existido. Sendo uma biografia, pedia-se que estivesse à altura do biografado. Se Jobs fosse vivo tudo teria feito para impedir que este filme alguma vez fosse exibido! Não por maltratar a sua imagem mas pela incapacidade de retratar tanto a pessoa como os seus feitos. Demasiada ligeireza e superficialidade. Um filme sem ângulo nem perspectiva, sem qualquer noção do que quer dizer, limitando-se a meia dúzia de notas de rodapé.

O filme de Jobs é um bom exemplo do atual paradigma de Hollywood. Todos têm que entender tudo o que se passa no ecrã, seja em Madrid, São Paulo ou Moscovo, seja canalizador, futebolista, ou informático. Dada a complexidade de explicar aquilo que preocupava Jobs no seu trabalho a não especialistas em design de interação e tecnologia, foge-se disso, e introduz-se apenas e só as suas relações humanas. Mas como estas são um dos seus piores legados, elas aparecem de forma avulsa na tela, como se se quisesse falar delas, sem verdadeiramente falar delas. É isto o cinema de Hollywood hoje. Não interessa nunca o assunto, sejam as alterações climáticas em "Day After Tomorrow" seja um meteorito que se aproxima da terra em "Armaggedon", seja a fome e a revolução em "Hunger Games". Os produtores de hollywood assumem, e talvez com razão, que a grande maioria não vai entender do que se está a falar e por isso centram-se apenas e só sobre as relações humanas, sobre aquilo que é familiar e compreensível por todos, seja de que estrato for, país, ou profissão. E é por isso que no final não sobra nada, para além do discurso de consumo rápido sobre os valores culturais da família "ideal" de classe média americana.

xxxx À Velocidade da Inquietação 2012 António José de Almeida Portugal [Análise]

xxxx Uma História de Amor e Fúria 2013 Luiz Bolognesi Brasil

xxxx The Great Gatsby 2013 Baz Luhrmann Australia

xxxx Mud 2012 Jeff Nichols USA


xxx The Hunger Games: Catching 2013 Francis Lawrence USA

xxx After Earth 2013 M. Night Shyamalan USA


xxx Europa Report 2013 Sebastián Cordero USA

xxx Star Trek Into Darkness 2013 J.J. Abrams USA

xxx Man of Steel 2013 Zack Snyder USA

xxx Jobs 2013 Joshua Michael Stern USA

xxx The Internship 2013 Shawn Levy USA

xxx Disconnect 2012 Henry Alex Rubin USA

xxx Zozo 2005 Josef Fares Sweden


xx Killing Season 2013 Mark Steven Johnson USA

xx Adore 2013 Anne Fontaine USA

xx Starlet 2012 Sean Baker USA

Para ver as notas dadas nos meses anteriores podem seguir a etiqueta FilmeMês. Para acompanhar as notas que vou dando ao longo do mês, ou ver a listagem de notas dos últimos anos, podem visitar a minha folha de notas online.

novembro 27, 2013

A Singularidade da Linguagem dos Videojogos

Há um ano o Portal de la Comunicación InCom da Universidade Autónoma de Barcelona convidou-me para escrever uma lição sobre os videojogos para o seu portal. Aceitei de imediato, mas demorei imenso tempo para escrever essa lição. Não queria que fosse apenas mais um texto, porque não era um texto de blog nem de revista, era algo bem mais longo e aprofundado, mas também não era um texto científico, tinha de ter um caráter pedagógico. Por isso questionei-me bastante sobre o modo como o deveria abordar. Se pelo lado geral de jogo se pelo lado da narrativa, se pelo lado dos aspectos de criação ou pelo lado da análise, se por uma vertente mais conceptual ou mais histórica.


Ou seja, as possibilidades eram muitas, e acabei fazendo o que me foi saindo para o papel das várias vezes que me fui questionando sobre o esqueleto do artigo. Julgo que o resultado final vem de encontro a muito do que faço neste campo, concretiza e ajuda-me a definir alguns dos conceitos sobre o que é este meio. Assumo o recorte da narrativa, porque assumo o posicionamento de que um jogo é antes de mais uma experiência de comunicação, entre um autor e um receptor, e que daí resulta a transmissão de uma ideia. Abrir esta abordagem aos jogos não-narrativos teria obrigado a uma construção completamente diferente, muito mais suportada na psicologia e menos na comunicação.

O texto para já está em português, julgo que é intenção do portal depois proceder à sua tradução. Aqui fica a referência completa, e o link,

Nelson Zagalo, (2013), La singularidad del lenguaje del videojuego, in Portal de la Comunicación InCom, Universidad Autónoma de Barcelona, ISSN 2014-0576

Somos animais sociais, antes de sermos racionais

“The Social Animal: The Hidden Sources of Love, Character, and Achievement” (2011) de David Brooks é um livro sobre a revolução científica que decorre há quase duas décadas na ciência, e que procura dar conta da importância dos aspectos sociais e emocionais dos indivíduos, alertando para o enviesamento que a sociedade comete quando apenas valoriza os aspectos da racionalidade.


Brooks é um jornalista, e colunista de política do NYT, não é um académico. Este seu livro é um trabalho de reflexão que à semelhança de Malcolm Gladwell, e outros, se serve de resultados de estudos académicos para desbravar alguns caminhos que preocupam a sociedade na atualidade. Brooks é um divulgador, é alguém que escreve bem e torna o difícil em algo fácil de ler e compreender. Assim para apresentar alguns dos avanços na ciência atual, nomeadamente das neurociências e ciências sociais, Brooks criou dois personagens fictícios que acompanha desde que nascem até que se reformam, ao longo do livro. Deste modo cria a metáfora perfeita para que o leitor se identifique e aproxime de cada um dos pontos em discussão, quase não se apercebendo que a história daquele casal é apenas o meio escolhido pelo autor para transmitir factos e reflexões sobre algo maior.

O livro é muito fluído, e de rápida leitura, ainda assim nem sempre bem conseguido. Existem partes em que se sente claramente o despejar de dados e estudos, por outro lado noutras partes sente-se que os personagens são meros fantoches para fazer avançar os dados que se pretende. Ainda assim em termos de storytelling Brooks consegue um trabalho de excelência, nomeadamente a parte final do livro, quando já estamos tão próximos daqueles personagens, que mais parecem sermos nós próprios ali retratados, somos levados e conduzidos por toda uma força emocional e dramática muito bem executada pelo autor. Dá vontade reler a parte final e saborear.

Aliás, dividindo o livro em três partes, temos uma primeira expositiva do que interessa à discussão, onde percebemos do que se está a falar e de um modo interessante. Depois temos uma segunda de desenvolvimentos e passagem de informação mais mediana, e que podemos encontrar em outros livros mais bem trabalhado e com maior conhecimento de causa (ex. Kanehamn, 2011). Finalmente a terceira parte arranca deixando para trás o carácter de divulgação para nos levar totalmente adentro do drama e novelo do enredo. Fica aqui um dos primeiros parágrafos que introduz ao que vem Brooks,
“We have inherited an image of ourselves as Homo sapiens, as thinking individuals separated from the other animals because of our superior power of reason. This is mankind as Rodin’s thinker—chin on fist, cogitating alone and deeply. In fact, we are separated from the other animals because we have phenomenal social skills that enable us to teach, learn, sympathize, emote, and build cultures, institutions, and the complex mental scaffolding of civilizations. Who are we? We are like spiritual Grand Central stations. We are junctions where millions of sensations, emotions, and signals interpenetrate every second. We are communications centers, and through some process we are not close to understanding, we have the ability to partially govern this traffic—to shift attention from one thing to another, to choose and commit. We become fully ourselves only through the ever-richening interplay of our networks. We seek, more than anything else, to establish deeper and more complete connections.” (p.12)
Aliás neste sentido, existe um parágrafo no final desta primeira parte do livro a propósito da educação e das escolas, que me parece fundamental referir aqui, e partilhar. Aliás partilhei-no facebook assim que o li, e partilho-o de novo porque nunca é demais repetir. A ideia de que a escola é o centro da inteligência, dos exames, do estudo, dos livros, do aprender factos é aqui colocada em cheque, e exige-se de nós todo um outro posicionamento face ao que a escola se supõe ser,
"high school was structured like a brain. There was an executive function—in this case, the principal and the rest of the administrators—who operated under the illusion that they ran the school. But down below, amidst the lockers and in the hallways, the real work of the organism took place—the exchange of notes, saliva, crushes, rejections, friendships, feuds, and gossip. There were about 1,000 students and therefore roughly 1,000 x 1,000 relationships, the real substance of high-school life.
The people in the executive suites believed that the school existed to fulfill some socially productive process of information transmission—usually involving science projects on poster boards. But in reality, of course, high school is a machine for social sorting. The purpose of high school is to give young people a sense of where they fit into the social structure. " (p.85)
Brooks define assim a escola e vai mais longe acusando a política e os responsáveis de nunca terem verdadeiramente procurado entender o que é o ser-humano, olhando apenas às métricas e quantificações para desenhar e aplicar leis,
“Since 1983 we’ve reformed the education system again and again, yet more than a quarter of high-school students drop out, even though all rational incentives tell them not to. We’ve tried to close the gap between white and black achievement, but have failed. We’ve spent a generation enrolling more young people in college without understanding why so many don’t graduate.

The failures have been marked by a single feature: Reliance on an overly simplistic view of human nature. Many of these policies were based on the shallow social-science model of human behavior. Many of the policies were proposed by wonks who are comfortable only with traits and correlations that can be measured and quantified. They were passed through legislative committees that are as capable of speaking about the deep wellsprings of human action as they are of speaking in ancient Aramaic. They were executed by officials that have only the most superficial grasp of what is immovable and bent about human beings. So of course they failed. And they will continue to fail unless the new knowledge about our true makeup is integrated more fully into the world of public policy, unless the enchanted story is told along with the prosaic one.” (p.10)
E é exactamente isto que Brooks se propõe fazer com este livro, ajudar a re-contar a história daquilo que somos, sob ângulos cientificamente informados. Apesar de muito daquilo que é dito aqui poder ser encontrado em vários livros recentes, é importante continuar a batalhar nesse sentido, a discutir o nosso interior, para que não se fixem os objectivos das sociedades humanas apenas sobre aquilo que é exteriorizável e quantificável.

novembro 25, 2013

Gravity e o poder do transmedia

Acabo de ter uma experiência profundamente reveladora daquilo que é um objecto transmedia e do seu poder emocional. Aningaaq (2013) é uma curta-metragem realizada por Jonás Cuarón, filho de Alfonso Cuarón o realizador de Gravity (2013) [análise]. Ambos tinham colaborado na escrita de Gravity, e agora Jonás apresenta-nos uma curta que expande uma cena concreta do filme, o momento em que a Drª Ryan Stone tenta comunicar com a Terra e apanha alguém que não percebe inglês.



Aningaaq é uma curta que ganha leituras adicionais para quem viu Gravity, assim como Gravity ganha depois de vermos Aningaaq. Apesar de não precisarem um do outro, a sua junção na nossa cabeça, cria um novo espaço narrativo que multiplica e aprofunda os sentidos de ambas as obras. Ou seja, é como se Gravity fosse uma base narrativa de partida capaz de garantir elos de coerência narrativa aos objectos que a ele se ligam.

Esteticamente ambos os objectos seguem uma estilística semelhante, optando por se cruzar apenas ao nível do som. Nem em Gravity vemos Aningaaq, nem em Aningaaq vemos Gravity. Estamos em pontos geográficos distintos, com atmosferas totalmente distintas, é apenas a voz e o som que une os dois filmes. Do processo de ligação racional entre os dois artefactos, passamos rapidamente à ligação emocional quando sentimos a música de Steven Price que nos atira experiencialmente de volta para o universo de Gravity. Ou seja, apesar de ambos procurarem a sua individualidade e autonomia, existe uma umbilicalidade muito grande entre os dois, que praticamente os torna num só. E é isto para mim o transmedia, a capacidade para gerar uma multiplicidade de dimensões, a partir de novos objetos, mantendo uma identidade narrativa coesa e una.

Aningaaq (2013) de Jonás Cuarón