Sight vai muito além do vídeo do Project Glass, em todas as frentes, aqui a tecnologia de interfaces torna-se de uma vez só totalmente invisível, velho sonho de todos os designers deste campo. Tudo está embebido directamente nos olhos das pessoas. E a interface está não apenas em rede, como consegue detectar toda a realidade envolvente, ambiente, objectos e pessoas. Em termos de sistema de interfaces é como se todo o mundo estivesse ligado a uma enorme base de dados, do tipo do Facebook, com todos os descritivos, e nós lhe pudessemos aceder apenas olhando para os objectos ou pensando sobre eles.
Depois no campo do design de interacção, surge então o grande modelo do momento, a gamification. Todas as actividades agora realizadas por cada indivíduo que faz uso do Sight são geradas em função de objectivos concretos, perfeitamente delineados e delimitados, com recompensas claras e identificáveis. Já não fazemos as coisas porque é o nosso dever, ou porque fica bem, ou porque desejamos, mas apenas e só para cumprir missões, conquistas pontos e medalhas, subir na respeitabilidade, ou qualquer outro parâmetro moral que desejemos.
O que temos com esta tecnologia, é o desenvolvimento de toda uma sociedade parametrizada, e etiquetada, disposta em patamares hierárquicos. Porque tudo é parametrizado, e atingível por todos os que cumpram com as regras, a sociedade à partida torna-se mais transparente. Todos sabem o que é necessário para mudar de patamar, o que é preciso fazer, não existem sobressaltos, porque tudo depende do mérito do empenho de cada um. Ou talvez não. Aliás é exactamente com isso que o filme termina, com uma possível fonte de perturbação ou corrupção de todo o sistema.
Para além da possibilidade de corrompimento dos sistemas, existem aqui várias outras questões que me deixaram a reflectir, sendo que a mais relevante parece-me ser a nossa incapacidade cognitiva para lidar com tanta informação em tempo-real. Embora até aqui o filme tente dar respostas ao fazer uso de rotinas de IA que ajudam a tomar decisões, como acontece quando o protagonista usa uma "dating app" Wingman. Ainda assim levantam-se muitos problemas aqui, aliás todo o filme é rico a desafiar-nos.
Quanto ao final apesar de negro, não é propriamente distópico, mas do meu lado é inevitavel olhar de frente para a distopia aqui gerada. O que podemos retirar de Sight é que as tecnologias que criamos se reproduzem e evoluem a um ritmo alucinante, e os nossos corpos, como meras máquinas orgânicas vão mantendo-se muito homogéneas ao longo do tempo. O que me leva ao óbvio, quanto mais a tecnologia evoluir, mais dependente seremos desta para nos movimentarmos no mundo. Quando nos dermos conta, não passaremos de baterias ligados a máquinas em estados de semi-coma, vivendo em mundos de cores e formas. Uma nova explicação para a Matrix?