The Fountain (2006), de Darren Aronofsky
Fortemente vaiado nas press presentation dos festivais de Veneza e Cannes de 2006 ao mesmo tempo que era aplaudido com ovações de 10 minutos de pé nas sessões públicas seguintes. Poderíamos estar face a mais um dos típicos objectos da industria americana, do filme fácil com pouca consistência que facilmente apela ao público e afasta os críticos da área. Contudo parece-nos que estamos perante um daqueles raros artefactos que contraria este cenário. The Fountain enfrentou vários problemas , desde uma produção longa de 4 anos, à desistência de Brad Pitt do papel principal (substituido por Hugh Jackman) por desacordos criativos.
Estes problemas facilmente poderiam, e de certa forma fazem-no, liquidar um filme. Como muitos outros filmes que enfrentaram problemas de produção (ex: Apocalypse Now, Legend, Waterworld) a recepção torna-se complicada porque os rumores na imprensa são muitos e qualquer pequeno detalhe que o filme apresente menos conseguido, ou diferente, é automaticamente remetido para problemas de produção. Os críticos vão ver o filme, já imbuídos de espírito de busca dos defeitos da produção, e para mostrar trabalho agarram-se aos mais ínfimos detalhes.
Assim, sendo um objecto complexo, acima de tudo, porque muitos dados são apenas referenciados de modo implícito e nem todos os efeitos são consequências de causas previamente apresentadas. Tendo em conta o modelo popular de tradição narrativa de grande causalidade, seria de esperar que o filme obtivesse fracas audiências, e talvez por isso o filme tenha sido lançado em grande parte do mundo directamente para dvd, não lhe sendo dado espaço para se expor e defender. No entanto e de modo bastante surpreendente a sua nota na IMDB é um 7.7 para 18 mil votantes, o que representa uma popularidade e aceitação bastante altas por parte do grande público.
Sobre o filme em si, é mais um objecto estranho, ao qual Aronofsky já nos habitou. Esteticamente diverge dos anteriores filmes, mas a verdade é que até agora não temos uma linha que defina a estética deste autor. O fio de ligação que podemos encontrar aqui é dependente das temáticas abordadas que se relacionam sempre com as capacidades cognitivas excepcionais dos personagens, alteradas pela genialidade, drogas, ou busca da transcendência temporal. Do ponto de vista estilístico, o que define Aronofksy é o seu afastamento da convencionalidade imagética, desde o preto e branco com sabor a película desboroada (Pi, 1998), à saturação de cores vivas com grande granulação (Requiem for a Dream, 2000), chegando a The Fountain, 2006 com uma forte pastelização de tom creme, de toda a superfície, mantendo o grão. Talvez que o grão seja o elemento mais consistente da sua estética. Um gosto pessoal, ou simplesmente um artificio para demonstrar o quanto a realidade não nos chega de modo puro por via dos sentidos.
Quanto à temática, responsável por grande parte da celeuma. A fonte aparece-nos como um manifesto em defesa da morte como salvação do amor e da continuidade da relação entre seres humanos. Nesta mensagem, muitos críticos, principalmente americanos, viram uma mensagem que poderia fortalecer o espírito dos mártires terroristas, qualificando o filme como uma "flatulent dissertation on the benefits of dying" (Hollywood Reporter). Discurso que podemos ver como oriundo de uma ala ocidental e conservadora, condicionada pela igreja, em defesa da vida a qualquer custo. Por mais interessante que a ideia possa parecer, é também estranho defendermos o seu contrário, pois à partida faria pensar no que estamos verdadeiramente a fazer "aqui". Aliás, isto faz parte de todo o discurso existencial do periodo de transição da adolescência para a vida adulta, muito bem representada no filme de Linklater, Before Sunrise, 1995.
Já aqui dissemos em post anterior, sobre o filme AI, que a possibilidade da nossa evolução enquanto cyborg ou máquina completa em vez de corpo, sem morte à vista, deixa de fazer sentido viver. Porque razão fazer o esforço, continuar a puxar um fardo indefinidamente. E a mesma questão se aplica à discussão de Richard Dawkins no seu ultimo livro God Delusion, 2006, quando rebate toda e qualquer possibilidade de existência do supranatural, afirmando-se como um ser completamente agnostico- ateu. Mas se somos apenas matéria, se somos apenas carne, tecidos, moléculas e atómos qual é então o objectivo de tudo isto? Não defendendo de forma alguma aqui uma concepção de um Intelligent Design suportado pela complexidade irreduzível que nos lembra apenas a propalada indivisibilidade do átomo. Mas é necessário acreditar que existe algo para lá da natureza que os nossos métodos permitem detectar, o que de uma forma fácil pode ser compreendido se atentarmos às limitações que a nossa capacidade de visualização e até interpretar possui no caso prático da abordagem de um mundo limitado a três planos ou dimensões para além dos quais nada conseguimos percepcionar. E este exemplo do modo de visualização limitada às 3 dimensões ganha maior peso, não com a nossa impossibilidade de visualizar uma quarta ou quinta dimensão, mas sim com a enorme dificuldade que a nossa cognição atravessa para provocar um acto de simples imaginação dessas outras dimensões.
Sobre estas discussões, Aronofsky puvilha todo o filme com o angustiante binómio ideológico: religião ou ciência. Quando no presente, Thomas um cientista, procura um modo de travar o cancro da mulher que avança muito rapidamente, defende, que "death is a disease and there is a cure”. Mostrando claramente o quanto a ciência pode tornar-se ridícula nos seus desejos de tudo conhecer e tudo obter por intermédio do método experimental, explicável física, química ou matematicamente. Pelo lado da religião apresenta-nos um personagem que se converte a uma espécie de religião oriental que acredita na vida como uma mera passagem e em que tudo é impermanente, apresentando a morte apenas como um estágio normal, retirando-lhe toda e qualquer concepção obscura, propalada pelas religiões ditas ocidentais.