setembro 22, 2007

Imagem e Direitos em Investigação

Depois da discussão sobre direitos de autor levantada, na defesa da minha tese, relativamente ao facto de utilizar um grande número de fotogramas de filmes e videojogos para ilustrar os conceitos estudados, tenho procurado perceber e sedimentar conhecimento sobre a problemática tendo em atenção o enquadramento educacional da dissertação académica. Aliás a questão não surgiu como uma surpresa uma vez que a tinha colocado como hipótese durante a escrita da tese e nesse sentido tinha preparado uma resposta: “Se eu posso, e devo, usar excertos de livros ou papers desde que para tal referencie o nome do autor e o local de onde foi extraído, sem que para isso necessite de dar qualquer satisfação ao autor ou editora, então porque teria de o fazer para o uso de um fotograma de um filme?”

Além de que proporcionalmente, e em termos gerais, um fotograma de um filme representa uma extracção, ainda que quantitativa, bem menor do que um parágrafo de um livro.

90 minutos => 5600 segundos => 129 600 fotogramas
200 páginas => 100 000 palavras => 2000 parágrafos

A problemática é internacional e afecta nomeadamente aqueles que se dedicam à investigação na área dos estudos dos media (cinema, videojogos, publicidade, etc.)

"The legal status of such reproductions of frames has remained problematic. Does the use of a frame enlargement violate copyright? Should the scholar contact the copyright holder to obtain permission to reproduce frames, and, if the firm demands a fee for such permission, does it have to be paid?" [1]

A discussão sobre os direitos intelectuais e criativos tem tido lugar de discussão nos últimos anos em todas as áreas que lidam com a imagem e som, desde a publicidade, ao cinema, música, videojogos, artes ou investigação entre outros. Uma das razões que mais debate e legislação tem feito mover a sociedade é a questão do P2P. A facilidade de empréstimo e troca de objectos que a internet, uma rede tecnologico-social, veio proporcionar fez aumentar exponencialmente o acesso a materiais anteriormente impossíveis por razões de ordem intrinsecamente física. O plástico, o papel, o vinil ou a película deram lugar a meros dígitos em linguagem binária. Mas a esta problemática dedicarei outro texto brevemente e também já prometido anteriormente.

A última edição do Cinema Journal (Winter 2007, 46:2) trás um dossier completamente dedicado à questão do Fair Use e o modo como este se relaciona com o cinema na lei americana. Mas então o que é o Fair Use?

"Fair use" refers to a provision in American law that allows scholars and educators to quote or reproduce small portions of copyrighted works in various media without obtaining permission from the copyright holder. [1]
Na lei americana, United States Code, title 17, section 107 [2], encontramos:

§ 107. Limitations on exclusive rights: Fair use [2]

Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, comment, news reporting, teaching (including multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement of copyright. In determining whether the use made of a work in any particular case is a fair use the factors to be considered shall include —

(1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes;

(2) the nature of the copyrighted work;

(3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and

(4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work.

Apesar de tudo isto e da própria lei não deixar, a meu ver, grandes dúvidas sobre o modo de utilização de obras com copyright a verdade é que muitas interrogações parecem continuar a subsistir. Mas se dúvidas houvesse a legislação americana vai ainda mais longe e criou mesmo uma espécie de exemption ao DMCA que prolifera em vários suportes de media, nomeadamente os DVDs, para todos quantos, como nós, trabalham o ensino dos media.

“1. Audiovisual works included in the educational library of a college or university’s film or media studies department, when circumvention is accomplished for the purpose of making compilations of portions of those works for educational use in the classroom by media studies or film professors.” [3]

De relembrar que esta excepção refere-se apenas à permissão de se poder ultrapassar as protecções, incluídas nos dvds, anti-cópia e não verdadeiramente ao uso dos clips uma vez que esse uso já está regulamentado na lei sobre o Fair use.

O único problema que se pode continuar a levantar está relacionado com a publicação em formato livro, comercializável, dos textos criados pelos académicos. Se em alguns casos as editoras são as próprias universidades e a finalidade da publicação tem apenas um carácter científico e sem fins lucrativos noutros casos esta leitura pode ser menos fácil de realizar. Contudo num relatório recente, realizado por Kristin Thompson para a Society of Media Studies, existe uma recomendação assente em jurisdição americana que aponta todo o trabalho académico como passível de ser regulamentado pela lei do Fair use mesmo quando publicado em editoras com fins meramente comerciais.

“The case of trade presses publishing scholarly and educational film books is less clear. There has been no clear test of whether fair use applies in such cases as well. So far, however, the courts do not seem to assume that all such publications are "commercial" and hence not serious scholarship. (See Maxtone-Graham v. Burtchaell, 803 F. 2d. 1253 [2d Cir. 1986], cert. denied, 481 US 1059 [1987].) It would appear that the fair-use provision favors all scholarly and educational publications, albeit more strongly in the case of nonprofit presses.” [1]

Não existindo regras definidas para o número de fotogramas a extrair, o relatório refere que:

“At twenty-four frames per second, a ninety-minute feature would consist of around 129,600 frames; it seems possible that even the reproduction of a hundred frames (less than one tenth of 1 percent) would be considered too small a portion to be infringing on copyright protection.” [1]

Finalmente e tendo em conta que o investigador não tem como propósito fazer dinheiro com o uso dos fotogramas, relativamente à 4ª clausula do Fair use parece-me de grande relevo o parágrafo que se segue.

“A copyright holder suing an author on the grounds of copyright infringement would have to show that, under the fourth provision quoted above, the author's illustrations had harmed the 'potential market for or value of the copyrighted work.' (..) indeed, it can be argued that scholarly and educational publications that discuss films and use frame illustrations arouse interest in the original film and hence act as a form of publicity.”[1]

Aliás veja-se o que se passa com os livros, são as próprias editoras a enviar cópias aos professores para que estes utilizem os seus livros e dessa forma façam “publicidade” dos mesmos nas suas aulas e investigação. Diga-se também em boa verdade que "até ao dia de hoje não existiu qualquer processo levantado por produtora, distribuidora ou detentor dos direitos contra livros académicos ou de investigação que tenham feito uso de fotogramas sem autorização" [1].

“If film scholars were to be denied the right to reproduce frames from and photographs relating to films, their ability to enlighten readers about the history and aesthetic qualities of motion pictures would be severely diminished. ”[1]

Como exemplo do que Kristin Thompson aqui refere e para terminar em defesa do Fair use ao nível académico e ao nível internacional, veja-se os dois fotogramas que se seguem e agora imagine-se o que seria trabalhar conceitos fílmicos como o expressionismo ou a cinematografia virtual recorrendo apenas a meras descrições textuais das obras referenciadas por estes dois fotogramas.

Das Cabinet des Dr. Caligari de Robert Wiene (1920)

The Matrix Revolutions de Andy e Larry Wachowski (2003)


[1] Report of the Ad Hoc Committee of the Society For Cinema Studies, "Fair Usage Publication of Film Stills
[2] USA Copyright Law
[3]
Electronic Frontier Foundation

setembro 21, 2007

prémios Flash

A ferramenta Flash, de ano para ano tem vindo a aumentar as suas potencialidades e neste momento já não faz qualquer sentido pensar-se em Macromedia Director. Aliás até mesmo a funcionalidade 3d que estava restrita ao Director parece querer dar um ar da sua graça por intermédio da Papervision 3d que recebeu há dois dias o prémio da conferência/festival Flash Forward 2007 em Boston. Aqui ficam todos os premiados:

Art: Creep
Cartoon: Congo Windfall
Commerce: Nike Air
Experience: Get the Glass
Game: CDX
Instructional: BrainPOP
Motion Graphics: Adobe: The Creative Mind
Narrative: NFB – Filmmaker in Residence
Navigation: Lab | Mathieu Badimon
Online Application: Try on a Floor
Original Sound: Move the Crowd
Technical Merit: Finetune Player Collection
3D: Papervision3D
Typography: Javier Ferrer Vidal
Video: Toyota Yaris Virtual Test Drive
People’s Choice: 30 Shorts in 30 Days

Destaco os vencedores das categorias: Game, Narrative, Motion Graphics e claro 3d.

Interface de decisão narrativa do vencedor da categoria de jogo CDX que pretende actuar mais sobre as questões emocionais da decisão do que propriamente sobre o conteúdo do que se decide, um pouco à semelhança do que acontece em Fahrenheit mas sem o factor tempo.


setembro 20, 2007

Silent Hill Zero

Foi disponibilizado no Tokyo Game Show 2007 o terceiro trailer do novo Silent Hill, uma prequel desenvolvida para PSP. Graficamente e passados os tempos de adaptação à plataforma parece começar-se a aproveitar as boas capacidades gráficas da consola portátil. Silent Hill Origins é um exemplo disso, com um excelente trabalho de criação atmosférica ao qual se junta a música que parece continuar a ser uma aposta forte da Konami para esta série. Para uma análise geral do TGS07 até agora aconselho uma visita à Kotaku.

Pausch na sua última conferência

Randy Pausch deu a sua última conferência na Carnegie Mellon University (CMU) há dois dias, a qual pode ser visualizada em vídeo a partir do seguinte endereço. Nesta conferência Pausch faz uma reflexão sobre a evolução da sua carreira e principalmente sobre o modo como modelou toda a sua vida em busca da realização dos sonhos, daí o nome Really Achieving your Childhood Dreams. Pausch é um dos mais importantes académicos americanos a trabalhar na área do Entretenimento Digital ou Computing Entertainment consultor da Google, da Walt Disney Imagineering ou Xerox Palo Alto Research Center entre outros assim como membro do Editorial Board dos journals Presence: Teleoperators and Virtual Environments, ACM Interactions ou ACM TOCHI. Criador da famosa plataforma de desenvolvimento de histórias digitais para crianças sem conhecimentos de programação, Alice, e co-fundador do importante Entertainment Technology Center (ECT) da CMU. O ECT é hoje responsável pela plataforma Alice que está prestes a ver a sua versão 3.0 integrada com o artwork de Sims 2 e é ainda responsável pela também excelente plataforma Panda 3D originalmente criada pelos engenheiros de parques de atracções da Disney, os imagineers. Pausch foi ainda o criador da cadeira Building Virtual Worlds da CMU.



Pessoa de grande actividade, vontade e fé nos seus objectivos, foi-lhe diagnosticado recentemente um cancro terminal e mesmo parecendo estar bem de saúde tanto mental como fisicamente como ele faz intenção de fazer passar nesta conferência a verdade é que já não terá muitos mais meses de vida, daí também a razão da importância desta conferência. Fica aqui então a sua última grande contribuição para o conhecimento numa área emergente e ainda à procura de afirmação no seio da academia.

setembro 19, 2007

carreira na indústria

Mais um livro sobre a área de videojogos publicado pela Games Press e gratuito, à semelhança de Videogame Marketing and PR e The Videogame Style Guide and Reference Manual. Get Rich Playing Games é um livro dedicado a quem procura trabalhar na área e desenvolver uma carreira de sucesso seja em: ART * DESIGN * PROGRAMMING * DEVELOPMENT * ANIMATION * MANAGEMENT * PUBLIC RELATIONS * AUDIO * MARKETING * PUBLISHING * JOURNALISM * TESTING * SALES. Título a piscar ao marketing barato e a deixar antever que o livro não deverá ser uma obra de referência. Contudo do que pude ver muito rapidamente, julgo que o mais interessante poderá ser o apontar de algumas regras básicas para quem quer verdadeiramente aventurar-se neste mundo. Apesar das regras aqui apresentadas serem grandemente influenciadas pelo modo de trabalhar das casas que produzem títulos AAA. A outra parte interessante são as entrevistas a figuras como Shigeru Miyamoto, Sid Meyer, Will Wright, John Romero, Scott Miller, Trip Hawkins entre outros. No entanto aviso já que estes nomes aparecem mais como um bom factor promocional do livro do que propriamente pela mais-valia que trazem ao livro em si.

setembro 18, 2007

google powerpoint

A Google tinha já feito circular o rumor, mas o rumor tornou-se realidade e foi hoje disponibilizado o Google Presentation. Basta aceder ao Google Docs para ver. Agora é possivel trabalhar completamente online: processamento de texto, folhas de cálculo e apresentações. Qual o interesse disto? É enorme, principalmente no que toca ao trabalho colaborativo como se pode ver no vídeo em baixo produzido pela Google mas também nas questões de compatibilidade de plataformas e mobilidade. Ou seja posso aceder e editar um mesmo documento em qualquer máquina desde que esta tenha um browser. Desde o normal PC ao Mac até aos telemóveis ou consolas de jogos portáteis (PSP) incluindo os PDA. A verdade é que o Office Mobile desenvolvido para Pocket PC pela Microsoft não permite ainda hoje editar os ficheiros do Powerpoint, permite apenas a sua visualização o que é muito pobre. Imaginem o que é ir no avião a ver os slides para uma apresentação e encontrarem um erro. A solução proposta pela Microsoft é que façam um trabalho colaborativo, ou seja, enviem uma mensagem ao colega de trabalho que está no escritório para que este faça a edição do documento numa máquina normal e depois vos reenvie por e-mail. Isto é totalmente contraproducente e ridículo.
View the full presentation, rehearse timings, check the order and any live links you may have in your presentation. E-mail comments back to the team or communicate via MSN Messenger for an immediate response. Your team can e-mail the edited presentation directly to your device. (Microsoft)
Vejam agora a diferença para o conceito proposto pela Google no vídeo.

setembro 16, 2007

emoção da voz

A voz humana é constituída por dois elementos distintos, o conteúdo semântico (o que é dito) e a prosódia afectiva (como é dito). Ou seja é possivel dizer exactamente a mesma frase com prosódias distintas que permitem facilmente ao receptor perceber o estado emocional ou o valor significante que deve ser atribuído à interpretação do texto.

Neste sentido a Psychology Today fala-nos dos resultados dos estudos realizados por Sandra Trehub da Universidade de Toronto sobre a relação vocal entre progenitores e filhos. Referido como um descoberta, os resultados não surpreendem.
Sandra Trehub, Ph.D., of the University of Toronto, recorded mothers and fathers singing to their babies and to an empty room. Though the parents were told to make the second rendition as similar to the first as possible, others listening to the tapes could easily distinguish the two. "The parents tried to duplicate their performance to their infants, and they weren't able to do it," Trehub says. It seems that most parents, especially mothers, have a special "lullaby voice" that they use in singing to their babies: high in pitch and slow in speed. The voice is partly a product of the emotion parents feel for their child—emotion that provokes involuntary changes in facial expression and body posture, which in turn affect the sound of the song. To evoke such a response, the baby must actually be present: "The expressiveness of this voice can't be faked," says Trehub.
Digo que não surpreendem, porque tal como Trehub refere aqui e esta conclusão é suportada por variadíssimos outros investigadores da emoção desde Paul Ekman a Antonio Damasio, a emoção não é passível de simulação. Por isso as expressões faciais podem ser tão úteis na descoberta da verdade, porque as emoções funcionam como os espirros, segundo Damásio, não podemos criar um espirro assim como não podemos sustê-lo internamente. Assim cantar com uma determinada expressividade requer que a emoção esteja lá, e o problema é que não está. Talvez se no estudo tivessem pedido aos pais, para em vez de simular, pensar no filho profundamente e cantar sonhando com ele, talvez o timbre se aproximasse um pouco mais.

Não quero dizer que a descoberta é inócua, porque ela vem também reforçar a questão do vinculo progenitor-cria e colocar a nú os fortes laços emocionais que nos ligam e que permitem que as espécies mamíferas subsistam e sobrevivam num mundo às vezes inóspito.

digital, nos próximos 10 anos

Richard MacManus publicou recentemente uma lista das 10 correntes tecnológicas mais importantes para os próximos 10 anos no seu Read/WriteWeb. Publico aqui esses 10 tópicos porque estou bastante de acordo com a sua visão e porque eles se enquadram perfeitamente no quadro das linhas de apoios que a Comissão Europeia (EC) pretende ver aprofundadas no âmbito do FP7 Framework Programme, área das Information and Communication Technologies (ICT). Neste quadro a EC definiu as linhas como challenges e foram definidos sete para a área de ICT.
Vejamos agora as 10 correntes delineadas por MacManus,

1. Semantic Web: In a nutshell, the Semantic Web is about machines talking to machines. It’s about making the Web more ‘intelligent’, or as Berners-Lee himself described it: computers “analyzing all the data on the Web – the content, links, and transactions between people and computers.”

2. Artificial Intelligence: In the context of the Web, AI means making intelligent machines. In that sense, it has some things in common with the Semantic Web vision.

3. Virtual Worlds: Second Life gets a lot of mainstream media attention as a future Web system. But at a recent Supernova panel that Sean Ammirati attended, the discussion touched on many other virtual world opportunities.

4. Mobile: In 10 years time there will be many more location-aware services available via mobile devices; such as getting personalized shopping offers as you walk through your local mall, or getting map directions while driving your car, or hooking up with your friends on a Friday night.

5. Attention Economy: The Attention Economy is a marketplace where consumers agree to receive services in exchange for their attention. Examples include personalized news, personalized search, alerts and recommendations to buy.

6. Web Sites as Web Services: Major web sites are going to be transformed into web services - and will effectively expose their information to the world.

7. Online Video / Internet TV: This is a trend that has already exploded on the Web - but you still get the sense there’s a lot more to come yet. It’s fair to say that in 10 years time, Internet TV will be totally different to what it is today. Higher quality pictures, more powerful streaming, personalization, sharing, and much more - it’s all coming over the next decade. Perhaps the big question is: how will the current mainstream TV networks (NBC, CNN, etc) adapt?

8. Rich Internet Apps: As the current trend of hybrid web/desktop apps continues, expect to see RIA (rich internet apps) continue to increase in use and functionality.

9. International Web: As of 2007, the US is still the major market in the Web. But in 10 years time, things might be very different.

10. Personalization: Personalization has been a strong theme in 2007, particularly with Google.


setembro 14, 2007

da escola de artes visuais

A School of Visual Arts de Nova Iorque colocou 3 excelentes filmes de promoção num channel do Youtube - SVAmograph. Os filmes reportam aos portfolios de motion design dos anos 2005, 2006 e 2007 cada um com cerca de 40 minutos. São verdadeiros momentos de delícia criativa para os olhos.

Deixo aqui apenas o trailer-convite.

Parabéns, Hype!

Ontem quando voltava da UM fiz a minha paragem habitual na estação de gasolina da A3 à chegada ao Porto para abastecer a minha dose de Coca-cola Zero e jornais/revistas. Ao passar os olhos pelas habituais revistas encontrei a imagem de um ZX Spectrum destacado numa capa de uma revista. Por momentos pensei, deve ser um qualquer número especial dedicado a jogos retro ou ao revivalismo eighties, e na verdade tanto uma coisa como outra já pouco me diz. Mas voltei a olhar e vi a imagem de Nariko num canto o que me fez pensar que não podia ser uma revista muito retro, uma vez que Heavenly Sword ainda nem saiu. Ao pegar na revista vi o selo MyGames.pt e fez-se luz, seria uma nova revista editada pelo portal de jogos do Nelson Calvinho de que se tem falado e pelo qual andava à espera de notícias. Mesmo assim fiquei reticente, ainda por cima, a revista com dvd estava embrulhada em plástico e não podia ver o seu aspecto interior mas foi quando reparei que estavam algumas abertas ao lado e que se vendiam também em separado do DVD. Peguei numa dessas e quando folheei a minha reacção foi simplesmente, HEY!!! Senti que tinha nas mãos algo com qualidade, sem ter ainda nessa altura a mínima noção dos conteúdos e de quem os escrevia. A paginação e o papel foram um argumento suficiente para me convencer (para além de tratar de videojogos). Comprei a que tinha o DVD, apesar de ser muito céptico em relação a DVDs de revistas.

Em relação à capa, reconheço agora que foi uma escolha determinada pelo tipo de imagem que se pretende passar e não para a venda facilitada. Isto porque esta capa poderia ter uma apelatividade completamente diferente se trocássemos a personagem de Heavenly Sword pelo ZX Spectrum. Várias revistas de jogos o fizeram, incluindo a Edge, que utilizou o magnifico artwork que se pode ver abaixo. Não posso deixar de referir aqui o belíssimo site que a Sony dedicou ao jogo vale a visita.

Por falar em Edge tenho a dizer, que se respira Edge ao longo da Hype!, mas não só julgo que estamos perante uma revista que respira referências internacionais tais como a Joypad francesa como se sente um forte trabalho de investigação feito a partir das revistas online, Kotaku ou Gamespot. Tanto pela qualidade da paginação, do grafismo, da diversidade de crónicas, da qualidade dos correspondentes (incluindo um ex-director da Edge) como pela quantidade de informação. A Hype! É verdadeiramente uma revista sobre a Videogame Culture bem distante das actuais revistas à venda em Portugal. O facto de a Hype! se apresentar como um conceito original e não se ter rendido à simples tradução/localização de uma revista estrangeira é para mim motivo de grande carinho. Sabemos que Espanha optou por lançar uma mera tradução da Edge à semelhança do que se passou em Portugal com a Premiere, FHM, Stuff ou GQ que apesar de terem redacções portuguesas se socorrem em primeiro lugar das máquinas de marketing internacionais e por conseguinte de todo o brand marketing internacional que isso lhes aporta e que vai muito além da qualidade, ou falta dela, das redacções de cada país.

Depois das primeiras impressões devo dizer que gostei bastante de ler o editorial, sente-se que existe ali uma enorme vontade de 'fazer', parabéns Calvinho e já agora deixo aqui o meu agradecimento pela referência a este blog. O tempo o dirá, mas julgo que muito difícilment este projecto não vingará, o facto de contarem com Kieron Gillen jornalista de videojogos em revistas como a The Escapist, Wired ou The Guardian, João Diniz Sanches ex-editor da Edge e actual editor da Pocket Gamer, Brian Crecente editor do Kotaku, Brian Ashcraft jornalista da Kotaku e Wired entre outros portugueses como Jorge Vieira, Frederico Teixeira e Gonçalo Brito para não repetir o Calvinho é para mim um forte sinal. Temos ainda o André Carita, autor do blog Pensar Videojogos onde publica bastante e não podia deixar de salientar aqui a minha alegria por me ter deparado com a tira de banda desenhada, Loading, dos amigos Nuno Sarabando (ilustrador) e João Brandão (criativo) que publicaram há uns anos as tiras, Insert Coin, uma série de webcomics sobre videojogos e abriram a mais recente loja especializada em cartoons em Portugal, a Secção 9.

Tira do webcomic Insert Coin de João Brandão e Nuno Sarabando (imagem cedida pelos autores)

Durante imensos anos alguns colegas meus diziam, mas porquê comprar uma revista de jogos quando consegues mais e melhor informação on-line? Bem na verdade, porque gosto de me sentar no sofá e ser conduzido, pegar numa revista pelo início e avançar lendo o que me interessa até chegar ao fim e obter aquela sensação do bem consumado. Nesse sentido posso dizer que as revistas de jogos portuguesas, eram normalmente digeridas em pouco mais de meia hora, o que era frustrante, a Hype foi a primeira revista portuguesa de videojogos, que à semelhança da Edge me fez voltar a ela várias vezes para ler alguns artigos que tinha marcado na primeira leitura.

Não vou entrar no detalhe dos artigos, vou apenas fazer referência à crónica que fecha a revista e que pertence a João Diniz Sanches, ex-director da Edge, e que através da sua crónica traça uma postura tipicamente edgeiana e que se espera, continue a funcionar como a ideologia da revista. Reitero totalmente a posição que o João defende face à polémica Manhunt 2 e sobre a qual deixei o meu contributo aqui no blog já há algum tempo atrás.

Quero dizer ainda que apesar das reticências face ao DVD, gostei bastante dos conteúdos principalmente dos making of dos videojogos, que foi o que verdadeiramente me levou a comprar a revista com DVD. De qualquer modo, se no futuro resolverem dedicar-se apenas à revista, julgo que não perdem nada, primeiro porque sendo mais barata (diferença de 5€ para 3€) mais facilmente se vende e depois porque assim poderão concentrar-se mais na revista deixando os materiais do DVD para conteúdos online e até porque os objectos digitais em suportes físicos são cada vez mais uma miragem do passado.

Depois de tanta coisa boa que aqui referi quero deixar uma crítica e um alerta. Do lado da crítica, peço desculpa à redacção da revista, mas vão ter de arranjar outra pessoa para traduzir os artigos dos correspondentes estrangeiros. A tradução é no geral bastante fraca, primeiro porque não existe um cuidado de adaptação da forma inglesa para a forma portuguesa, ficando muitas vezes a escrita com um trago de português do Brasil derivado do gerúndio muito utilizado pelos americanos e brasileiros e depois e pior que isso é algumas frases que traduzidas literalmente perdem qualquer sentido e que nos obriga a retraduzir para inglês mentalmente para perceber o que é o autor queria dizer. Confesso que por momentos cheguei a pensar que tinham utilizado um tradutor automático, mas isso seria mau demais. Acredito contudo que isto será revisto e que no próximo número terão mais tempo e cuidado com esta área. Quanto ao alerta é para que não descurem o Nível 2, tenho receio que este primeiro número tenha tanta qualidade e seja tão diversificada porque tiveram tempo para coleccionar informação e preparem o formato da revista e que agora obrigados a lançar a próxima revista em menos de um mês ela seja menos relevante que este primeiro número.

Mais uma vez parabéns e bem hajam as pessoas que acreditam em projectos diferentes.