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agosto 11, 2018

Scott McCloud, professor ou criador

"The Sculptor" (2015) é a primeira grande obra de ficção de Scott McCloud, que apesar de ter tido uma breve passagem pela ficção nos anos 1980 se tornou, ao longo das últimas três décadas, no mais respeitado teórico do meio de banda desenhada (BD). Autor de três obras obrigatórias para quem quer que pretenda estudar o meio — "Understanding Comics" (1993), "Reinventing Comics" (2000), e "Making Comics" (2006) —, palestrante nas mais reputadas empresas internacionais, desde a TED Global à Google e Pixar, assim como universidades, do MIT a Stanford, ganhador de imensos prémios por todo o seu trabalho de desconstrução da BD. McCloud é não apenas reconhecido pelo seu trabalho, mas também por tudo o que deu à banda desenhada no modo como tem contribuído para a afirmação da mesma fora do seu próprio nicho. Por tudo isto, uma obra sua de ficção não poderia deixar de ser recebida com gigantescas expectativas. O que é que o maior teórico do meio teria para nos oferecer? Demorei a lê-lo, apesar de o ter comprado quando saiu, muito porque percebi que as expectativas estavam demasiado altas, e as primeiras resenhas davam conta do gorar das mesmas. Li-o agora, passados três anos e já sem expectativas, posso dizer que cumpre, mas talvez porque me tenha interessado mais em compreender a diferença entre o professor e o criador.

Os três livros de não-ficção de Scott McCloud

Sobre o livro em si, apenas breves notas. No aspeto formal, McCloud nada arrisca, cumpre com o que de mais conservador podemos ter no meio, o que é em parte uma das grandes decepções da obra, tendo em conta tudo o que sempre defendeu quanto à renovação da BD. No campo das ideias McCloud não surpreende, mas leva-nos consigo, dá-nos a mão e deixa-nos ver o seu mundo, colocando no papel muito de si, do seu íntimo e do seu mundo. Os seus desaires, ânsias, desejos, medos e vertigens estão ali bem plasmados. Será fácil aos criadores, de qualquer arte, reverem-se no personagem principal, e o mais interessante é que apesar de nos apresentar o drama do criador artístico, McCloud foge totalmente ao cânone dos seus objetivos, algo que se liga claramente à sua concepção do mundo, e se podendo parecer vazio em certos momentos, acaba sendo o mais brilhante e relevante de todo o livro pela sua originalidade. E no entanto, apesar de conseguir criar algo particularmente interessante, não deixa de apresentar um trabalho com imensas fragilidades, nomeadamente no campo do storytelling, mesmo seguindo uma fórmula conservadora para o fazer, o que acaba sendo uma decepção.

Capa de "The Sculptor" (2015)

George Bernard Shaw cunhou uma das frases mais célebres da história sobre os teóricos e professores, "Quem pode, faz. Quem não pode, ensina." (1903), e que acabou passando a provérbio sob a forma ligeiramente adulterada: "Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina.". Esta visão da realidade poderia ser aqui facilmente evocada, já que McCloud apesar de reconhecido como um grande professor de BD, parece não conseguir depois na prática dar asas àquilo que define e defende quando passa ao ato de criar. Será então McCloud, e a grande maioria dos professores, como eu, meros frustrados das profissões de que falam? Mas como é que alguém que se torna respeitado mundialmente pela forma como desconstrói uma arte pode "não poder" ou "não saber" dessa arte? 

A resposta encontrei-a num outro provérbio, de autor anónimo, apesar de erradamente surgir na net associado a Aristóteles: "Quem sabe, faz. Quem compreende, ensina.". E é exatamente isto, é absolutamente isto que temos em McCloud, alguém que compreende o meio como nenhum outro, não faz, antes ensina a fazer. Claro que isto não resolve a questão, porque se compreende como pode não saber?

Para responder a isto tenho de ir um outro conceito, o do "conhecimento tácito", definido por Michael Polanyi em 1958, que nos diz que "podemos saber mais do que aquilo que podemos dizer", e desse modo defende que existe muito conhecimento que não pode ser descrito, ou ensinado de forma alternativa à mímica, experiência e tentativa e erro. Os exemplos clássicos são o andar de bicicleta, tocar piano ou simplesmente martelar um prego. Estes casos envolvem competências que não podem ser aprendidas através da escrita ou qualquer meio que não seja a experiência concreta das suas ações. O processo de aprendizagem decorre por meio da incorporação somática, e uma vez apreendido não se torna por isso mais fácil de explicar.

Painel de Scott McCloud de "Understanding Comics" sobre a abstração da realidade.

E é isto que aqui temos. Na verdade não é possível explicar ou ensinar, de forma explícita, o processo criativo por detrás de qualquer arte. O que se pode fazer é abrir janelas para esse processo, nomeadamente desconstruir o processo, as suas perspectivas, os conceitos e objetivos, o resto advém pelo fazer, imitando e experimentando. Não estou a dizer que não se podem treinar pessoas, claro que podem, é isso que fazem os professores de instrumento musical, os treinadores de qualquer desporto, ou aquilo que os antigos mestres faziam nas guildas de cada profissão. Mas estes não fazem discursos sobre as qualidades do desporto ou instrumento, estes mostram como fazer, e atuam modelando o fazer com indicações diretas sobre a ação, em busca do que consideram o caminho a seguir. Tudo isto é limitado à ação, mas no mundo complexo de hoje não chega agir, a não ser que se seja uma estrela incontestável, é preciso compreender a ação e a razão da mesma, é preciso elaborar sobre a mesma, é preciso competências reflexivas sobre o meio em que se trabalha. Um artista não vive do que faz, vive do que consegue vender. Por isso precisa de aprender mais do que a simplesmente fazer, precisa de se compreender a si e aos outros, e para isso precisa de compreender aquilo que faz.

Página de "Understanding Comics" em que McCloud explica a economia do storytelling.

Ora para compreender aquilo que se faz não chega ter treinadores, são precisos professores, pessoas capazes de desconstruir a ação em blocos de informação e de exprimi-los num modo que seja entendida pelos outros. Não é alguém excelente a fazer, para o ser teria de dedicar todo o tempo a fazer em vez de passar todo o tempo a tentar compreender. No fundo, o professor tem de ser alguém excelente a desconstruir a realidade e a transformá-la em algo a que todos os outros possam mais facilmente aceder. O professor abre novas janelas sobre o trabalho dos outros ajudando todos os envolvidos a compreenderem melhor o que fazem e porque o fazem. É este o papel do professor, é isto que McCloud faz de modo brilhante nos seus livros de não-ficção.

Para terminar, e porque me envolvi pessoalmente acima no texto, tenho de deixar a minha visão particular do tema. Cresci a amar cinema, via muitas horas, entre os 12 e os 15 anos, passei fins-de-semana completos encerrado em salas de vídeo a ver filmes, em cada fim-de-semana conseguia ver entre 5 a 10 novos filmes, ao que se acrescentavam os 2 filmes semanais em sala de cinema. Antes de ter condições para começar a fazer cinema, comecei a ler sobre cinema, não só as revistas da altura — Premiere e Cahiers du Cinema, etc. — mas também obras de teóricos da arte — Mitry, Bazin, Sadoul, Metz, Henri Agel, Eduardo Geada, etc. Quando finalmente tive a minha primeira câmara pelos 17/18 anos fiz muitas experiências, mais tarde cheguei a fazer alguns filmes com colegas, mas quando olhava para trás, nada do que tinha feito me satisfazia (algumas obras ainda estão online). Preferia as obras dos meus colegas, sentia que eles eram melhores que eu.  Eu sabia o que queria, tinha a noção teórica do que queria criar, mas não chegava lá. Hoje sei que não chegava lá porque precisava de ter experimentado mais, fazer, fazer, fazer, mas também sei que aquilo que falhou foi precisamente a motivação para continuar a fazer. O que eu gostava verdadeiramente era de desconstruir as obras, de as desagregar em elementos, de as autopsiar em busca de respostas e razões para o que de novo e original cada autor conseguia apresentar. Apreciar o modo como conseguiam reinventar-se a cada nova obra, como conseguiam superar os limites estabelecidos e surpreender-nos, tentar compreender como isso contribuía para a criação de novas formas de fazer, novas formas de compreender a realidade, novas formas de dar significado ao que somos. Porque a criação artística não é mero ato criativo, no meu modo pessoal de encarar a arte, a criação objetiva sempre à expressão humana, e fazê-lo de um modo diferente implica abrir novas potencialidades expressivas ao ser humano. Por isso sempre me movi pela compreensão do processo criativo e seus aspetos de inovação e originalidade, e talvez por isto tenha acabado por me tornar professor e não cineasta!

julho 29, 2018

Leitura armadilhada

"Catch-22" avança com uma premissa de excelência que é um conjunto de regras que se definem como paradoxo lógico. Neste paradoxo temos uma lógica para a ação que é definida por regras que se opõem e que por isso impedem a ação de decorrer. Exemplificando, o protagonista, Yossarian, quer deixar de fazer missões aéreas enquanto em guerra, para o que precisa de ser declarado insano pelo médico da companhia, contudo esta declaração só pode acontecer a pedido do próprio, ora se o soldado está em condições de fazer um pedido de avaliação de insanidade, não pode estar insano, logo não pode deixar de fazer as missões como pretende. Esta armadilha de regras está presente naquilo que no livro é conhecido por artigo nº22 do código militar, e que define a lógica subjacente à vivência em tempo de guerra que Joseph Heller procura trabalhar ao longo de todo o livro, e no fundo conduzir à sua conclusão maior, de que as guerras são em si mesmo paradoxos de lógica.


Não discordando em nada, admirando a premissa e a sua aplicação ao cenário de guerra, assim como estimando a enorme qualidade da escrita e estrutura apresentadas pela obra de Heller, é com muita pena que chego ao final apenas com a racionalização do que li. Ou seja, não senti o universo nem os seus personagens, os seus problemas não me tocaram, nem me demoveram. Li o livro até ao final porque me obriguei, porque é um livro extremamente citado, referenciado em dezenas e dezenas de listas, e por imensas pessoas que respeito, e por isso senti que poderia acontecer alguma espécie de revelação mais perto do seu desfecho. Na verdade pouco mais acontece, sim há um pouco mais de comoção, mas o livro é isto, e no meu caso nunca senti qualquer vontade de virar páginas, nunca senti que queria saber mais sobre Yossarian.

Sim, a guerra é algo sem sentido, obtusa, não existe qualquer lógica que se lhe aplique, está errada do início ao fim. E até podia dizer que por isso julgo que é algo contra o qual devemos lutar com maior sensibilização dos leitores, mas estaria a incorrer em erro. Não foi por isso que não me liguei, não senti qualquer menosprezo de Heller por quem teve ou tem de combater em guerras, antes senti uma elevação acima do quotidiano daquilo que as guerras criam, e uma tentativa de compreender algo que não é compreensível, tornando mesmo a premissa de "Artigo 22" extremamente significante. Contudo, e apesar de reconhecer tal, reconheço-o apenas no seu racional.

Dito isto, poderia ter lido um livro não-ficcional sobre o tema, filosofando sobre a problemática, e talvez me tivesse aproximado mais. A opção de seguir pelo humor, a sátira, não funcionou comigo. Senti-me a olhar para algo vazio. Teria preferido um conto sobre o assunto, que me pudesse dar a compreender o ardil, e não tivesse exigido tantas horas para oferecer o mesmo que tinha oferecido ao fim de 100 páginas. Dito isto, e porque não quero que esta análise sirva para demover alguém de ler uma obra que continua sendo tão amada, passado mais de meio-século, recomendo que leiam o primeiro terço do livro, se não sentirem qualquer ligação, então podem encostar, não vai acontecer nada de muito diferente depois disso.

julho 16, 2018

A diferença, sempre a diferença

Foi há mais de uma semana que terminei esta primeira obra de Morrison — “The Bluest Eye” (1970)— mas ainda não tinha encontrado o mote para escrever sobre a mesma. Hoje, ao reler algumas passagens, confrontei-as com o espetáculo “Nanette” (2018) de Hannah Gadsby, sobre o que aqui tinha ontem dado conta, e senti um arrepio. O livro é de 1970, mas está tudo ali, não que não hajam obras anteriores, mas com esta força literária, capaz de colocar o dedo na ferida da discriminação, não existem muitas. As razões não são apontadas por Morrison, mas por Gadsby, porque quanto mais vamos interiorizando e compreendendo a sociedade que criámos, mais nos vamos dando conta dos papéis dominantes do homem, do hetero, e do branco. As maiorias dotadas de força, física ou política, nunca se coibiram de a usar, e esse é o mal que nos assola, o da incapacidade empática.


O cerne da história de Morrison assenta numa menina negra, de um bairro americano pobre, que tinha um desejo: ter olhos azuis. Morrison diz-nos no prefácio que este desejo lhe foi relatado por uma amiga de infância, e que foi algo que a perseguiu durante anos. Assim aquilo que é colocado a jogo não é mais do que a vergonha do ser. A vergonha da cor dos olhos, da cor da pele, de Pecola que se junta à vergonha da homossexualidade de Hannah Gadsby. Porque quando crianças, cresceram ambas envolvidas num ambiente de ódio e raiva contra aquilo que eram, e como diz Gadsby isso deixa marcas, podemos reconstruir-nos mas não podemos apagar-nos. Como é possível tanta violência, nem falando de adultos, contra crianças, apenas porque são diferentes?

De Morrison conhecia “Beloved” (1987) que entrou diretamente para as minhas melhores dez leituras de sempre. Não posso dizer que “The Bluest Eye” vá para além, é uma primeira obra e o tema repete-se, a pobreza e a sexualidade das mulheres negras, mas e porque haveria de mudar? Quantos escritores temos a falar da realidade destas mulheres negras? Para não falar da realidade das mulheres. O tempo vai passando, fala-se muito, surgem movimentos feministas, mas continuamos a viver num mundo completamente feito de produção cultural masculina, branca e hetero. Precisamos de muitas mais Morrison e mais Gadsby, porque precisamos de compreender que o mundo não é feito de uma massa única, somos todos tão diferentes sendo tão iguais. De que adianta proclamar o humanismo se ele parece condicionado à partida por um modelo único de humano?

Sobre a escrita de Morrison, tenho pena de não vos poder oferecer uma análise mais sentida. Li “Beloved” em português e aí pude experienciar a beleza da sua poética, dos seus ritmos e fluxos sintáticos que envolvem o significado daquilo que se vai dizendo. “The Bluest Eye”, incompreensivelmente não está traduzido para português, como não estão outras obras desta autora, que ganhou um Nobel em 1993. E eu questiono-me, como é possível que uma autora ganhadora de um Nobel não tenha toda a sua obra, ou pelo menos as suas grandes obras traduzidas para português? Só isto devia ser suficiente para acender os nossos alertas para tudo o que disse nos parágrafos anteriores.

No entanto, como diz Gadsby, também não quero terminar numa nota negativa, nem fazer de tudo no mundo uma inevitabilidade da nossa irracionalidade. Não creio em mandamentos que nos vendem alguns arautos de que tudo é mesmo assim, pegando por exemplo em Jordan Peterson que para nos convencer do status quo usa a armadilha da vida como um caminho de sofrimento, tão cara às religiões seculares. Prefiro evocar Fred Rogers, e o seu discurso em defesa do seu programa educativo na televisão pública americana, em que disse:
"Isto é o que eu faço. Eu ofereço uma expressão de atenção todos os dias a cada criança, para a ajudar a perceber que ela é única. Eu termino o programa dizendo: 'Tu fizeste deste dia um dia especial, apenas por seres quem és. Não há ninguém em todo o mundo como tu e eu gosto de ti tal como és.' E eu sinto que se nós, na televisão pública, pudermos deixar claro que os sentimentos são mencionáveis e geríveis, que teremos contribuído para uma melhor saúde mental.” Testemunho de Fred Rogers perante o Senado dos EUA, 1 de maio 1969 [vídeo].

julho 10, 2018

A homeostase como base do todo, do Big Bang à IA

Sou grande admirador de António Damásio, aliás muito daquilo que é a minha paixão pela investigação científica devo-a a ele, em particular ao seu primeiro livro “O Erro de Descartes” de 1995. Depois disso fui seguindo a sua investigação e entrevistas e lendo todos os seus livros, mas à medida que os anos se foram passando os seus livros foram perdendo chama, muito por se repetirem, por tentar de formas distintas dizer aquilo que já tinha dito antes ainda que sem qualquer preocupação de olhar para o lado e procurar incorporar o que outros académicos iam também dizendo e fazendo. Por isso no ano passado quando saiu “Estranha Ordem das Coisas” não corri a comprar, tinha pensado mesmo passar, até que li as palavras de Leonard Mlodinow, “Quase um quarto de século após o erro de Descartes, Antonio Damasio consegue novamente.” Senti-me obrigado a ler o livro, tinha de saber o que tinha Damásio encontrado de novo para nos dizer. Em poucas palavras: confesso a desilusão, ainda que continue sendo um grande comunicador.

"A Estranha Ordem das Coisas" (2017) António Damásio

“A Estranha Ordem das Coisas” pode dividir-se em três partes fundamentais: a primeira em que surge aquilo que considero ser a inovação, deste livro de Damásio, o modo de olhar para o conceito da homeostasia; a segunda em que somos trucidados pela enésima vez a propósito da diferença entre emoção, sentimento e consciência; e a terceira na qual Damásio procura sair do seu território, abraçando a história e a tecnologia para fazer uma leitura da sociedade atual e futura, acabando por descarrilar totalmente. Esta última parte não surpreende, desde o início que Damásio é acusado de ignorar a psicologia e a sociologia. Para ele tudo começou por ser explicável apenas com base na neurologia e na filosofia, com o tempo abriu-se à biologia e às artes, contudo não chega, nem dá conta do conhecimento já existente sobre o humano. Neste livro tudo isto é ainda mais gritante já que ele deixa de se focar nas estruturas de suporte ao humano, para se focar naquilo que motiva o humano e na sua produção de cultura.

Começando pelo melhor, a primeira parte do livro, Damásio discute e aprofunda as implicações do processo de homeostase na criação e manutenção de vida. A leitura recua milhões de anos, vai ao nível celular, e Damásio, por meio da biologia e muito habilmente, dá conta do modo como terá surgido vida neste planeta, e como o processo evoluiu por longos milhões de anos até chegar ao homo sapiens. Para Damásio a homeoestasia é uma necessidade da célula que busca não a mera estabilidade, mas o estado mais conveniente em cada momento para continuar a viver. Damásio diz mesmo que o equilíbrio completo não existe, já que de um ponto de vista termodinâmico só a morte o poderia garantir. Ou seja, a célula determina sempre o seu estado em função da otimização dos recursos de energia disponíveis e da garantia de manutenção futura da própria vida, isto porque a célula não vive numa ilha isolada, mas está em permanente interação com a realidade que a rodeia. Neste sentido a homeostasia funciona como um ‘drive’ interno, ou seja, a motivação para a vida, que se propaga depois a todos os restantes mecanismos biológicos.
"Homeostasis refers to the fundamental set of operations at the core of life, from the earliest and long-vanished point of its beginning in early biochemistry to the present. Homeostasis is the powerful, unthought, unspoken imperative, whose discharge implies, for every living organism, small or large, nothing less than enduring and prevailing. The part of the homeostatic imperative that concerns 'enduring' is transparent: it produces survival and is taken for granted without any specific reference or reverence whenever the evolution of any organism or species is considered. The part of homeostasis that concerns 'prevailing' is more subtle and rarely acknowledged. It ensures that life is regulated within a range that is not just compatible with survival but also conducive to flourishing, to a projection of life into the future of an organism or a species." (p. 25)
Esta abordagem é-me particularmente útil porque há um anos no meu trabalho sobre emoções nas artes interativas me apercebi que não seria possível dotar um ser humano de emoções nulas (0,0), que o facto de se estar vivo obriga a uma emocionalidade contínua. Assim como é impossível não comunicar, é impossível não sentir emoção. Na altura propus o gráfico abaixo, no qual defendia que a nossa emocionalidade tende para a tranquilidade, o que não seria neutra, mas antes “natural”, ou seja, tal como a homeostasia um modo de garantir a manutenção ótima da experiência humana. Ora esta abordagem aqui proposta por Damásio vem responder e dar força a esta visão. Por outro lado, e isso é mais interessante no livro, explica o modo como a vida é regulada, e a razão porque nunca paramos de evoluir, porque estamos em constante mutação e progressão, ainda que de um modo lento, imperceptível ao nosso olhar quotidiano. Diria que o livro vale só por esta primeira parte, e muito.

Gráfico retirado do meu livro de 2009, Emoções Interactivas, do Cinema para os Videojogos, p. 300.

Entrando na segunda parte, Damásio pega na sua abordagem tripartida da experiência humana — emoção, sentimento e consciência —, e tendo já dedicado livros completos a cada uma destas camadas, vai mais uma vez discutir aquilo que as separa, as suas funções, motivações e riquezas. Diga-se que senti neste livro uma maior tendência para discutir o facto dos sentimentos serem dotados de consciência. Não que isto não tivesse sido já dito, mas foi um pouco como se Damásio tivesse a necessidade de afirmar o estado evolutivo e grandioso dos sentimentos, como se eles fossem não apenas neurologia mas também cultura. Ora, e concordando com esta leitura de Damásio, não é de todo possível aceitar que o faça apenas com base na sua estrutura biológica, relegando todo o trabalho secular da psicologia.

Ou seja, Damásio assume o seu trabalho científico de análise e busca do modo como geramos emoções, sentimentos e consciência, assente em sistemas de imagiologia entre outras ferramentas, o que me parece bem. Contudo para compreender e interpretar aquilo que vai descobrindo serve-se apenas da sua intuição e da arte, aliás como ele diz "Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre, respondo: na minha área, é Shakespeare". Ora aqui temos um problema grave, que é o de assumir a sua subjetividade como passível de leitura do humano. Ou seja, Damásio apesar de não seguir nada das teorizações da psicanálise, acaba, no entanto, seguindo o seu método, analisando-se a si mesmo para compreender e interpretar os dados que vai recolhendo na sua investigação. Ora se temos uma ciência chamada Psicologia é exatamente para refutar essa abordagem subjetiva e psicanalítica. Aquilo que os maiores psicólogos têm feito não é dar nomes espetaculares às estruturas mentais, mas tem antes sido desenvolver métodos complexos para estudar e compreender como funciona a consciência, os sentimentos, os desejos, as motivações, no fundo todo o aparelho cognitivo. Damásio ignora deliberadamente trabalho fundamental de colegas como Nico Frijda ou Lisa Feldman Barrett, autoridades no campo da emoção e cognição, ou o trabalho seminal de Deci e Ryan no campo da motivação, ou de Daniel Kahneman e Amos Tversky no campo do comportamento. Ao ignorar tudo isto, não só ignora colegas, como se afunda em teorizações pouco credíveis.

Mas eu vou ainda mais longe, Damásio não só ignora a psicologia como ignora a primatologia, a ciência que vem estudando o comportamento nos primatas, para não falar da própria etologia, isto no sentido em que o autor obsessivamente coloca o humano numa dimensão paralela, diferente e única, às restantes cadeias animais. Se pensarmos no trabalho de Jane Godall ou Konrad Lorenz, ou se pensarmos nos avanços mais recentes proporcionados por Frans de Waal em redor dos processos de empatia. Ou se pensarmos apenas nos modos como os bonobos se aproximam de nós, ou das capacidades imensamente avançadas apresentadas por espécies não-mamíferas como as aves (especialmente os corvos), teremos de conceder que a nossa especificidade é bem menor, e que só continua a ser amplificada por causa do nosso viés subjetivo, o que como já vimos em Damásio é bastante acentuado.

Mas não é apenas no exterior de nós mesmos, é também no interior. Damásio fala continuamente no corpo, mas à semelhança do que faz com o Humano, vive obcecado com o cérebro. É nele que concentra praticamente toda a sua investigação, deixando de fora áreas que têm evoluído, como por exemplo os estudos sobre o sistema nervoso do intestino. Há anos que nos fala do corpo, da visceralidade da emoção, do sentir nas vísceras, mas descobrir que os nossos intestinos possuem uma enorme camada de neurónios, que é onde 90% da serotonina (neurotransmissor da boa-disposição) está alojada, que são autónomos na gestão das suas necessidades, tanto face ao cérebro como aos sistemas de homeostasia do nosso corpo, devia fazer-nos refletir mais. Damásio fala bastante do modo como nos tornamos espécies dotadas de sistema nervoso, como ele é responsável pelo sentir e pelo ser, como só o sistema nervoso pode mapear o real e construir os sentimentos internos, e no entanto fala tão pouco da medula espinal, e nada diz sobre os intestinos que albergam 5 vezes mais neurónios que a medula.

Obviamente que Damásio não pode falar de tudo, a consciência é complexa e toca em tudo. Por outro lado, escrever livros, uns atrás dos outros, quase repetindo os argumentos que desenvolveu há 25 anos não ajuda muito. Era expectável que alguém tão interessado na emocionalidade e cognição humanas fosse alargando as dimensões da sua análise, albergando trabalho que vai sendo feito com recurso a conhecimento construído durante décadas ou séculos. Recusar-se a fazê-lo, optar em sua vez por citar constantemente filósofos com dois ou mais séculos, pode até dar um ar clássico e intelectual às observações, mas serve apenas uma comunidade leiga. Por isso não admira as críticas que os seus livros vão sofrendo no meio académico.

Por fim, na terceira parte do livro, entramos numa etapa nova de Damásio, embora mais uma vez muito colada ao seu trabalho anterior, ao que tinha juntado a biologia do primeiro capítulo e as artes, para assim discutir o humano e a máquina, motivado pelas assunções apresentadas por Harari em “Homo Deus” (2017). Antes de discutir em detalhe, começar por dizer que Damásio comete um erro gritante nas suas tentativas de interpretar e especular sobre tecnologia, quando não separa a evolução e progresso do humano da evolução e progresso da máquina. Ou seja, aquilo que as máquinas poderão vir a ser não depende daquilo que o humano poderá vir a ser. Sei bem que Damásio está muito ligado a Descartes, e por isso não poderia deixar de combater o mesmo, nomeadamente o seu “Demónio Génio”, aquele criador de ilusões que enganava os nossos sentidos, que viria depois a evoluir para uma outra teorização, a do cérebro numa jarra imaginando a realidade, e que chegou aos nossos dias como a possibilidade de fazer upload da nossa mente para um sistema informático. Tal como Damásio, considero esta hipótese não remota mas impossível porque estapafúrdia, e apoio completamente Damásio neste seu sentimento de afronta face às teorizações que se vão fazendo neste campo, nomeadamente no campo do transhumanismo, ou das hipóteses de se fazerem transplantes da cabeça para outros corpos. A razão porque isto não faz sentido foi já discutida acima. Não somos apenas um cérebro, porque o nosso cérebro não detém uma base de dados daquilo que somos, ele depende do resto do corpo para compreender a realidade, está ligado a todo o mapa nervoso que percorre o corpo, no qual se sustentam as imagens da realidade, e que uma vez quebradas deixarão cair a consciência de si.

O problema de Damásio é pegar nesta abordagem e assumi-la como única, e pior assumi-la para atacar algo que vem sendo cada vez mais aceite por todos os que trabalham no domínio da cognição, pois Harari não é de todo o seu primeiro proponente, e falo do facto de Harari propor analisar o humano como conjunto de algoritmos, como um algoritmo complexo no meio da equação do cosmos. Damásio defende que não, demonstrando claramente não perceber o que é um algoritmo. Para o efeito escuda-se na complexidade biológica do ser humano, nas intermináveis interações biológicas, desde o plano atómico, ao celular, e a todos as camadas que se lhe vão sobrepondo até que a vida emerge. Ou seja, para Damásio a vida não é um algoritmo, porque é algo mais complexo do que um algoritmo.

Isto é tão vazio a ponto de levar Damásio a contradizer-se no seu próprio livro, da primeira parte para a terceira parte. Ou seja, Damásio esforçou-se por encontrar e conceber  o conceito da unidade mínima que nos dá a vida, o processo de homeostase, e no entanto no fim do livro refuta-o. Porque vejamos, o que é a homeostase se não um algoritmo por excelência, um "conjunto de operações" ou regras, bem definidas e delineadas por Damásio, para dar conta do modo como a vida não se limita ao equilíbrio, mas procura ir além, para o que precisa de regras, de um algoritmo. Ou seja, é o próprio Damásio que abre o livro apresentando o algoritmo mais aprimorado daquilo que significa vida, e no final, por incompreensão da ciência exterior ao seu trabalho, contradiz-se.

Mas fosse o problema apenas este, e nada mais diria, o problema é que não é apenas a definição da vida como algoritmo, apesar de ser por aí que decide atacar Harari. Na verdade Damásio fica imensamente aquém das capacidades especulativas de Harari, o que me levou a refletir sobre o porquê, e acabei por concluir que tem que ver com o mundo científico de que ambos partem. Damásio parte do conhecimento da biologia, da máquina orgânica, enquanto Harari parte da História, da maquinaria social. Damásio procura perceber como é que poderemos algum dia criar inteligência artificial, enquanto Harari olha para a curva de progresso da invenção humana para chegar às suas conclusões. Ou seja, Damásio está focado no mero progresso da biologia, e por isso considera tal impossível, já Harari está focado no progresso das máquinas, do quanto evoluíram no sentido de nos imitar. Trago aqui à colação, um texto que escrevi aquando da minha leitura de "Musicophilia" (2007) de Sacks:
“No fundo, somos tecnologia construída a partir de tecidos orgânicos, que evoluíram ao longo de milénios de anos permitindo que a complexidade de armazenamento de informação na nossa cabeça se complexificasse a um tal ponto levando a que esta própria complexidade fizesse emergir em cada um de nós, personalidades com traços próprios. Mas no fundo não passamos de máquinas biológicas com data de validade inscrita à nascença. Aliás nesse sentido, se algum dia viermos a perceber o que faz despoletar a emergência do ser no nosso cérebro, poderemos simular isso em computadores, e a partir daí seremos obrigados a respeitá-los tanto, como respeitamos hoje qualquer outro ser humano. Talvez Kubrick e Spielberg (AI, 2001), tivessem razão, e daqui a 10 mil anos já não existiremos por cá enquanto máquinas biológicas, mas antes como resquícios esquecidos em pequenos robôs.” Zagalo in VI, 2011
Aquilo que Harari apresenta em “Homo Deus”, é isto mesmo, a visão de um pós-humano. Não vamos evoluir para o ponto de sermos carregados para o ciberespaço, mas vamos criar algoritmos capazes de pensar como nós pensamos, porque não somos sequer a única espécie capaz de pensar neste planeta. Porque e apesar de concordar que a componente emocional e de sentimento é extremamente relevante, a verdade é que é o próprio conceito, revolucionário de Damásio, da homeostase que nos vai fazer chegar lá. Porque a máquina não precisa de ter o mesmo leque de emoções que nós detemos. A máquina desenvolverá outras, porque a máquina desenvolverá as suas necessidades a partir da sua homeostase, e esta fará emergir a sua sede de sobrevivência, e dessa as suas emoções, ou não. E este não é o que mais nos entusiasma, porque a máquina, com todo o seu poder de processamento a sua memória infinita, e acima de tudo interligação a todo o conhecimento existente, registado e em tempo real (aquilo que hoje chamamos de big data e machine learning) poderá desenvolver todo um novo sistema de processamento da realidade, para além da nossa compreensão.

Damásio pode dizer que não interessa nada a capacidade racional das máquinas, porque elas não sentem, mas eu digo, no momento em que as máquinas começarem a criar, a desenvolver as suas próprias obras, sem estarem dependentes das obras humanas, ações significantes sobre a realidade, não mais as poderemos descartar como meras ferramentas. Não interessará nada saber se sentem a beleza ou o poder daquilo que criarem, interessará antes reconhecer que aquelas criações não são nossas e são fruto de uma entidade autónoma, e que essa entidade não é descartável, tal como hoje não são descartáveis os animais. Claro que durante muito tempo tenderemos a descartar estes feitos, tal como ainda hoje fazemos com os animais, porque se protegemos os cães e os gatos, não protegemos da mesma maneira as formigas ou as abelhas, para não falar das vacas e porcos, ainda que sobre estes últimos recaiam uma necessidade fisiológica da nossa parte. Mas o que dizer dos nossos jardins zoológicos, continuo sem esquecer a última vez que fui ao de Lisboa, há cerca de 10 anos, e espreitei para dentro da zona fechada em que eram mantidos os gorilas, e vi os seus olhos olharem para mim, o estremecimento que senti nunca mais me abandonou. Mas e todas as outras espécies que não detém fisionomias similares, que nós não compreendemos o que pensam ou sentem?

Porque seguir Damásio é seguir a ideia de que a vida só vale quando se sente, e se sente com a força da consciência, da intelectualidade, mas a vida não é só cultura humana, nem é só sentimento, a vida que surgiu num big bang há milhões de anos, era, aqui sim Damásio, homeostase, não era sentimento. É nessa homeostase que acredito, na capacidade criadora, de manter vivo hoje e avançar para o amanhã, e nesse plano estamos ao nível dos animais, assim como um dia as máquinas estarão para além de nós.

julho 01, 2018

Coetzee com Dostoiévski

Cheguei a "O Mestre de Petersburgo" (1994) quando procurava livros sobre São Petersburgo, tendo-me surpreendendo imenso com a descoberta, pois um livro sobre um dos maiores expoentes da literatura escrito por outro grande escritor, entretanto nobilizado, só poderia ser uma grande obra. Não posso dizer que tenha ido além do que conhecia de ambos, mas também não desiludiu propriamente. Senti mais Dostoiévski, apesar de escrito por Coetzee em jeito expiatório, mas isso provavelmente deve-se mais ao facto de conhecer melhor a obra de Dostoiévski.


O texto fala-nos de um Dostoiévski que volta a São Petersburgo, estando a viver em Dresden, para dar conta do funeral do seu enteado, Pavel (enteado verdadeiro). A morte do enteado acaba por estar ligada (imaginado por Coetzee) a alguns personagens revolucionários reais (Sergey Nechayev), conhecidos da história da Rússia e dos livros de Dostoiévski (principalmente "Demónios"). Passamos assim algumas semanas na companhia do escritor enquanto este deambula pela cidade na tentativa de compreender o que terá acontecido ao seu enteado ao mesmo tempo que vai lidando com os seus demónios internos.

Este resumo da trama torna-se imensamente relevante já que ele responde à resposta porque Coetzee (1940) escreveu este livro. O seu filho Nicholas, morreu com 23 anos (1989), aproximadamente a idade do enteado (no livro) de Dostoiévski, 5 anos antes da publicação deste livro. Ou seja, temos Coetzee claramente à procura de respostas dentro de si mesmo, a escrutinar-se, a tentar compreender o que sente, porque sente, como responder a tão grave tragédia, aquela porque nenhum pai deveria passar. Por outro lado, Dostoiévski (1821-1881) não perdeu o enteado, mas perdeu dois filhos, Sonya à nascença (1868), e Alexey com 3 anos (1878) que muito o fez sofrer e o fez mesmo passar algum tempo num convento em busca de respostas. Mais razões pelas quais Coetzee se interessaria por Dostoiévski não são fáceis de descortinar, até porque Coetzee raramente fala, e menos ainda explica as suas obras, mas existe uma nota de uma entrevista que é central para compreender este livro:
“Toda autobiografia é um contar de histórias, toda a escrita é autobiografia. [A escrita autobiográfica é] um tipo de auto-escrita em que nos sentimos obrigados a respeitar os factos da nossa história. Mas quais factos? Todos os factos? Não ... Escolhemos os factos na medida em que eles se encaixam no nosso propósito evolutivo.”  (Coetzee, 1992, fonte)
Por outro lado, a razão porque Coetzee escolhe para pano de fundo o cerne da obra "Demónios" (1872) é bastante menos clara, e menos ainda a razão porque se foca no capítulo censurado da obra, que podemos ler na edição portuguesa, da Editorial Presença, ainda que como anexo. Para mim resulta claro que Coetzee está a tentar entrar na mente do maior psicólogo da literatura em busca de algum tipo de autoterapia, mas pergunto: porquê de forma desviante? Existirá uma sede de mal quando o mal nos bate a porta?

junho 30, 2018

O que Gostaríamos de Ver quando Lemos

"O Que Vemos Quando Lemos" (2014) é um livro interessante mas que tem de ser lido com muito espírito crítico, algo que não me parece ao alcance dos alunos do 9º ano, a quem o livro é recomendado em Portugal. A razão não se reduz apenas à falta de suporte científico para o que se vai debitando, mas agudiza-se com a forma desprezível como olha para essa cientificidade, assumindo a perspectiva do autor como perspectiva de verdade. Ou seja, afirmando o meramente anedótico ("eu acho que é assim", ou "eu vejo assim") como prova de realidade igual para todos. O melhor do livro é mesmo o facto de ser ler em pouco mais de duas horas, por isso não se perde demasiado com a sua leitura.


Alguns exemplos
p.26: "Alguns leitores juram que conseguem imaginar os personagens perfeitamente, mas apenas enquanto estão a ler. Eu duvido disso."
Bem, isto é o mesmo que dizer que Nabokov, entre muitos outros sinestesistas, não viam cores ou ouviam sons quando liam letras, palavras ou frases. Ou seja, o autor diz simplesmente: "se eu não vejo, os outros também não vêem."
P.39: “É provável que ouçam a linha (no ouvido da mente) antes de imaginar o personagem. Eu posso ouvir as palavras de Ishmael com mais clareza do que consigo ver o seu rosto. (A audição requer processos neurológicos diferentes da visão, ou cheiro. E eu sugeriria que nós ouvimos mais do que vemos enquanto lemos.)”
Mais uma. Simplesmente porque o autor tem a impressão de ouvir melhor, nada reportando sobre essa diferença, até porque o livro é sobre apenas o que vê, ou melhor sobre o que imagina que deveria ver, esquecendo completamente toda a restante componente sensorial que a experiência de leitura produz no leitor, já avança com afirmações a que liga termos científicos ("processos neurológicos") sem qualquer suporte. Isto faz o livro descer ao nível de texto de opinião de jornal regional.

Frases e problemas como estes são mais do que muitos, e não vale a pena sequer tentar aqui elencar os mesmos. Cada um de nós tem as suas teorias próprias sobre o que acontece dentro de si quando lê, ouve, vê um filme, ou passa por um evento real complexo, mas isso não faz de nós especialistas em linguagem ou neuropsicologia. Mendelsund limita-se a usar do conhecimento disciplinar em Design que possui, diga-se meramente aplicado, para tentar responder ao que acontece dentro das nossas mentes, o que não é muito diferente de alguém tentar retirar uma rolha de cortiça de uma garrafa de vinho com um abre-latas ou abre-cápsulas. Repare-se como invariavelmente Mendelsund vai saltitando entre tópicos altamente complexos e díspares como: memória; cognição; emoção; atenção; imaginação; linguagem; comunicação; a relação entre imagens mentais e imagens físicas; os sons e os cheiros; os filmes, os videojogos e os livros; a narração, a dramatização e a descrição; etc.

O livro parece mais um conjunto de ideias, que não sendo desinteressantes, não vão além da superfície do que se discute. Como se o autor tivesse lido alguns livros sobre o tema, e quisesse converter em texto algumas das ideias que o têm assombrado. E se não tenho nada contra a que cada um o possa fazer, já tenho contra quando o texto tende a tentar passar-se por Estudo ou Investigação, com gráficos supostamente científicos (ver imagem abaixo) ou sendo referido como tal em elogios. Porque nada do que nos diz Mendelsund é novo, ou não foi discutido imensamente, mas mais importante do que isso, não foi verdadeiramente investigado, nomeadamente nas últimas duas décadas com as neurociências e na linguística. Não faltam referências de estudos e trabalhos sobre o tema, e quantos cita ou refere Mendelsund, zero. As únicas referências que Mendelsund vai fazendo, para além dos clássicos da literatura, são a meia dúzia de filósofos. E no final rotula tudo como um estudo fenomenológico e já está. Pois não está, isto é nada. E menos ainda é dar isto a ler aos adolescentes sem os colocar de sobre-aviso sobre o facto disto não ser ciência, disto não passar de uma conversa de café interessante. Mais preocupante ainda quando a editora vai buscar epítetos de um conjunto de amigos do autor e os cola na contra-capa atribuindo uma relevância muito além daquela que o texto merece.

O resultado do suposto estudo de Mendelsund em que este pretende comparar parâmetros como agência e vivacidade das imagens criadas a partir de experiências como: sonho, alucinação, perceção real e imaginação da leitura. Colo-as aqui, apenas para chamar a atenção que estas não possuem qualquer validade.

Para quem realmente quiser saber o que se passa nas nossas mentes quando lemos, deixo aqui algumas leituras, não que existam certezas, mas exatamente por isso é que não podemos simplesmente brincar com ideias como se tudo valesse o mesmo, como se meras opiniões fossem tão relevantes como a ciência, para não falar do desprezo pelo trabalho de tantas e tantos investigadores. Deixo apenas alguns livros de divulgação científica, por ordem de acessibilidade e relevância para o tema, não fazendo sequer menção às centenas de artigos científicos existentes na área.


Bergen, B. K. (2012). Louder than words: The new science of how the mind makes meaning. Basic Books (AZ).

Damasio, A. R. (1994). Descartes’ error: Emotion, rationality and the human brain.

Pinker, Steven (1994). The Language Instinct: How the Mind Creates Language. Perennial.

Damasio, A. R. (2018). The Strange Order of Things: Life, Feeling, and the Making of Cultures. Pantheon.

Eco, U. (1989). Opera aperta. Harvard University Press.

Ahlsén, Elisabeth (2006). Introduction to Neurolinguistics. John Benjamins Publishing Company

Chomsky, Noam (2000). The Architecture of Language. Oxford: Oxford University Press.

Lakoff, G., & Johnson, M. (2008). Metaphors we live by. University of Chicago press.

Bordwell, D. (1991). Making meaning: Inference and rhetoric in the interpretation of cinema. Harvard University Press.

junho 20, 2018

Tess of the d'Urbervilles (1891)

Foi o meu primeiro livro de Thomas Hardy — "Tess of the d'Urbervilles: A Pure Woman Faithfully Presented" (1891) — e era um livro que há muito queria ler, tanto pelos créditos enquanto clássico canónico como pelo tema e abordagem do autor. Posso dizer que as expectativas não defraudaram o prazer da leitura. Apesar de se enquadrar no género reconhecido como romance vitoriano — destinos trágicos com finais felizes — Hardy parece preferir ficar-se pela primeira parte da abordagem. Estamos em Inglaterra, no século XIX, temos mulheres em idades casadoiras que vivem entre a plebe, cientes da sua insignificância, vivendo e trabalhando debaixo de duras condições ditadas por uma pobre ruralidade, quando perseguidas por maquiavéis da luxúria não mais se conseguem libertar das marcas por estes incutidas. A curiosidade era grande também porque o tratamento realizado por Hardy tinha sido, em parte, alvo de crítica pela sociedade de então.

Nastassja Kinski no papel da protagonista Tess, no filme homónimo de 1979 por Roman Polanski.

Tess é a típica menina certinha oriunda de uma pobre família disfuncional, com muitos irmãos mais novos, um pai bêbado e uma mãe desligada. Além de certinha era bonitinha, o que proporcionaria a ideia de buscar um bom casamento que levasse à retirada da pobreza de toda a família. Contudo Tess não era dotada da ausência afetiva que caraterizavam o pai e a mãe, e por isso no momento em que o seu íntimo é violado a sua pessoa altera-se para sempre. Olhando a literatura à volta podemos ver como o tema é tão pouco tratado, mesmo secundarizado, tornado menor, e mesmo a própria crítica de então menosprezou este foco. Contudo, e se a violação nos choca, muito mais choca o modo como a sociedade a encara, tanto na privacidade familiar, forçando a aceitação da condição feminina, como pelos restantes membros da comunidade que de forma ultrajante colocam o homem num patamar distinto da mulher em termos da sua sexualidade. E mais ainda me incomoda a leitura quando olhando a partir de 2018, e apesar do caso concreto poder ser visto de forma bastante distinta, a sociedade ocidental continuar ainda assim a olhar diferentemente aos direitos do homem e da mulher no que à liberdade sexual diz respeito. Um homem que tenha tido muitas namoradas é alguém forte, bem posicionado, com capacidade para ter tudo o quiser na vida, já uma mulher que se assuma assim, dificilmente não será rotulada de promíscua, para não usar adjetivos mais abjetos.


Hardy trabalha muito bem o seu objeto, pegando na inocência, integralidade e esforço para dar conta de uma mulher, que como o subtítulo reforça — "Uma Mulher Pura" —, é do mais puro que a natureza nos pode oferecer, confrontando-a com a soberba, a arrogância e o desprezo da restante sociedade. É de tragédia que se trata, e por isso é natural o conflito entre o forte e o fraco, entre o que nunca teve hipótese e está condenado desde que nasceu, e talvez por isso a leitura seja tão envolvente já que nunca nos cansamos de querer saber mais sobre Tess, de desejar que esta consiga de algum modo levantar-se e ganhar o direito a ser quem é. Claro que para tal contribuem não apenas as excelentes capacidades de Hardy na cozedura da trama, mas também a beleza da sua escrita.
“Todas essas jovens almas eram passageiras do navio Durbeyfield – inteiramente dependentes do julgamento dos dois adultos para seus prazeres, suas necessidades, sua saúde e até sua existência. Se os chefes da casa Durbeyfield escolhiam navegar em direção à dificuldade, ao desastre, à fome, à doença, à degradação, à morte, nessa mesma direção eram compelidos a navegar essa meia dúzia de pequenos cativos ainda no ninho – seis criaturas indefesas a quem nunca fora perguntado se desejavam a vida, muito menos se a desejavam em condições tão severas quanto aquelas da indolente casa de Durbeyfield. Algumas pessoas gostariam de saber de onde o poeta, cuja filosofia é hoje considerada tão profunda e confiável quanto pura e alegre sua canção, tira sua autoridade para falar do “plano sagrado da Natureza”.”
A obra vale claramente pelo retrato social que dá da época, do modo como coloca lado a lado vários conceitos e ideias de um tempo distante e nos questiona não apenas sobre o que já fomos como sociedade, mas também sobre o que ainda mantemos enraizado em nós na atualidade. Existem vários temas, além da sexualidade, a percorrer a obra tais como o determinismo e a liberdade, o modernismo e a industrialização, a religião e o sentido da vida. A obra traça um cenário social realista completo, permitindo ao leitor mergulhar num tempo distinto do seu, e experienciar a realidade e o sentir de quem a viveu.

Quanto à edição lida, foi a da editora brasileira Pedrazul, que apresenta uma muito boa tradução por Luana Musmanno. Fica registado o meu espanto sobre a ausência de uma tradução portuguesa, passados mais de 125 anos. Será o tema pouco bem-vindo por cá?

junho 06, 2018

The Arts and the Creation of Mind (2002)

O meu interesse neste livro estava relacionado com o tentar descobrir mais sobre modo como as artes moldam o nosso pensar e contribuem para a nossa experiência do mundo. Se é verdade que fala disso, fala muito mais das artes no percurso escolar, e a partir do meio do livro foca-se claramente na importância das artes nas escolas básicas e secundárias o que acabou por afastar o meu entusiasmo. Não advém daqui qualquer problema, e é mesmo um assunto que precisa de ser discutido, até porque em Portugal temos imensa falta de artes nas nossas escolas, mas não era o que esperava do livro, menos ainda com este título.



Por outro lado, e como várias vezes citado ao longo do livro, este acaba devendo bastante a John Dewey, por isso talvez eu tivesse tirado mais do livro se não tivesse lido antes as duas principais obras aqui citadas, “Experience and Education” (1938) e “Art as Experience” (1934). E no entanto, agora ao reler as minhas análises de ambas as obras, acabo a compreender o que se passou, já que não é diferente do que se passou aquando da leitura dos dois livros de Dewey. Ou seja, a parte relacionada com a experiência da arte e o pensar da arte enquanto atividade e experiência humanas, apresentadas na obra “Art as Experience”, e que neste livro de Eisner surgem nos primeiros três capítulos, são bastante interessantes, abrem-nos os horizontes, ajudam-nos a compreender mais e melhor os universos e domínios da arte e da estética, assim como o que está em jogo nos processos criativos. Já a segunda parte do livro, mais focada na educação, acaba por se aproximar do livro “Experience and Education”, que já aquando da sua leitura me tinha queixado pela falta de metodologia, falta de suporte empírico, tudo demasiado assente em evidências anedóticas e pessoais, o que não deve ter lugar num livro académico.


Neste sentido, tenho de apontar um dos mais problemáticos pontos defendidos pelo livro, em termos científicos, e que tem que ver com a transferência de conhecimento. Existe uma certa ideia, nomeadamente no campo das artes, mas em quase todas as disciplinas, de que o conhecimento que se apreende ali serve muitas outras áreas. Isto no fundo é uma forma de fazer valer as nossas áreas, de as tornar mais relevantes do que a miríade de outras áreas que existem e que não têm espaço para ser introduzidas nas escolas. Aliás, em redor dos videojogos têm sido imensos os estudos a tentar defender esta ideia da transferência de competências. O problema é que tal não acontece (saber mais). Aquilo que eu aprendo como pintor pode servir-me para qualquer outra atividade de construção de imagem gráfica, mas não vai servir para qualquer outra atividade fora desse domínio. Não é por se ser pintor que a pessoa é melhor a detetar padrões de xadrez, de radiografias ou mesmo dos tipos de movimento em animações, o conhecimento é aplicado em cada área e requer muitos anos de investimento pessoal.

Por outro lado, a abordagem apresentada peca por se fechar sobre a forma do processo criativo, e ainda que discuta esse processo como motivado por razões expressivas e de comunicação, nunca se fala da produção de conteúdo. Ou seja, a arte não cria no vazio, ela é antes o método para trabalhar e digerir a realidade, mas para isso requer que o criador conheça essa realidade. Ora um dos grandes problemas que pode acontecer na arte é o de criar virtuosos que nada têm para dizer. Por isso, do meu ponto de vista, faltou focar o domínio da cultura, da sua relevância e ferramentas críticas para ajudar os artistas a desconstruir a realidade e a potenciar o seu pensamento crítico.

Subliminar, mas pouco

não é a primeira vez que aqui trago o trabalho de Leonard Mlodinow, que se tem vindo a assumir como um dos mais influentes comunicadores de ciência da atualidade, contudo o modo como desta vez procedeu ao levantamento do tema acabou por revelar-se, em minha opinião, bastante superficial, desde logo porque não existe qualquer menção ao trabalho mais relevante da área, o de Daniel Kahneman e Amos Tversky.  Ou seja, Mlodinow fala de experiências similares, mas ao não reconhecer o trabalho prévio, acaba por não recorrer a todo um manancial de conhecimento criado nas últimas décadas no domínio da Behavioural Economics, que desde logo fica evidente num título assente num conceito que foi popular há mais de 30 anos mas entretanto caiu em desuso: "Subliminal: How Your Unconscious Mind Rules Your Behavior" (2011).


Mlodinow trata o modo como o cérebro opera a realidade, nomeadamente a relação entre consciente e não-consciente, e como essa constante passagem entre os dois modos produz desvios ou erros nos processos de racionalização. Ou seja, Mlodinow analisa o impacto desses erros de leitura a partir das capacidades dos processos cognitivos de percepção, memória e atenção sobre as relações humanas, ou processos de socialização. Fala-nos assim do modo como lemos e julgamos os outros por meio de generalizações que o nosso cérebro opera para conseguir lidar com a complexidade da realidade. Deixo um excerto que resume os processos descritos:
“We like to think we judge people as individuals, and at times we consciously try very hard to evaluate others on the basis of their unique characteristics. We often succeed. But if we don’t know a person well, our minds can turn to his or her social category for the answers. Earlier we saw how the brain fills in gaps in visual data — for instance, compensating for the blind spot where the optic nerve attaches to the retina. We also saw how our hearing fills gaps, such as when a cough obliterated a syllable or two in the sentence “The state governors met with their respective legislatures convening in the capital city.” And we saw how our memory will add the details of a scene we remember only in broad strokes and provide a vivid and complete picture of a face even though our brains retained only its general features. In each of these cases our subliminal minds take incomplete data, use context or other cues to complete the picture, make educated guesses, and produce a result that is sometimes accurate, sometimes not, but always convincing. Our minds also fill in the blanks when we judge people, and a person’s category membership is part of the data we use to do that.”

junho 03, 2018

Quem matou Roland Barthes?

Arthur Conan Doyle criou a base, Umberto Eco criou o modelo, Dan Brown aperfeiçoou a trama com uma fórmula, Laurent Binet usou a base e o modelo e abusou da fórmula por meio da sátira, e assim criou o thriller intelectual da década, em "A Sétima Função da Linguagem" (2015). Temos crime e mistério com direito a conspirações internacionais criadas a partir de académicos tornados celebridades com teorias de crítica literária transformadas em Santo Graal. Se gostarem de qualquer destes elementos, estarão em casa, já que Binet criou a obra por meio de régua e esquadro, ou seja, tudo está no sítio certo, da estrutura às centenas de referências.

Roland Barthes

Michel Foucault

Diria que é uma obra que apelará a quem investiga as Ciências da Comunicação, nomeadamente a Semiótica e áreas afins como Estudos Culturais e Literários (com os seus pós-estruturalismo e pós-modernismo) dado o contexto que contribui para a criação de infindáveis private jokes das áreas. Claramente que a obra também fala para quem está fora destes domínios, existe uma constante preocupação em generalizar os papéis dos académicos, estereotipando-os para funcionarem como académicos de qualquer área. Por outro lado, as teorias intrincadas dos domínios são sempre apresentadas de modo bastante simplificado por forma a garantir um conhecimento mínimo sobre o que está em jogo. O facto de se laborar por meio da fórmula de thriller e usar uma teoria filosófica como mote, acaba gerando per se uma obra de grande entretenimento, com a vantagem de se poder aprender enquanto nos divertimos, mesmo que a experiência de leitura dos dois tipos de públicos seja bastante diferente.


Falei em centenas, e por isso não posso aqui listar todos os que nesta aventura intervêm, deixo, no entanto, alguns indicadores para compreendermos o mundo-história que se nos apresenta. Do lado dos académicos: Roman Jakobson, Roland Barthes, Michel Foucault, Louis Althusser, Umberto Eco, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Tzvetan Todorov, Julia Kristeva, Jacques Derrida, John Searle, Bernard-Henri Lévy, Noam Chomsky, Paul de Man, Richard Rorty, Camille Paglia, Judith Buttler e Jacques Lacan. Do lado dos políticos, Valéry Giscard d'Estaing e François Mitterrand, e em fundo Ronald Reagan, Margaret Thatcher, Jacques Chirac e João Paulo II. Das artes temos Philippe Sollers, muito presente pela sua relação com Kristeva, Michelangelo Antonioni e Monica Vitti. Por outro lado, são inúmeros os eventos reais chamados para constituir o palco da ação: desde a efetiva morte de Roland Barthes em 1980, motivada por um ridículo atropelamento, às eleições para a presidência da república francesa em 1981, ao assassinato da mulher de Althusser pelo próprio, ao atentado à bomba na estação de Bolonha que matou 75 pessoas em 1980,  até à excelente querela entre Derrida e Searle, ou ainda aos distintos universos homossexuais de Barthes e Foucault.

Binet usa todo este manancial de personagens, espaços e eventos reais para criar uma trama de mistério, partindo do seu ovo de Colombo: “Quem matou Roland Barthes?” Nada melhor do que lançar o mistério sobre algo que aconteceu da forma mais banal possível, e a partir daí dar largas à imaginação, arquitetar, montar e ligar as pontas reais com as imaginárias, criar sentidos, dos velhos fazer novos. No fundo é exatamente disso que fala a Semiótica, a ciência que estuda o modo como damos sentido ao mundo, ou o modo como a comunicação se torna eficaz. Barthes não criou a semiótica, mas foi, e continua a ser, uma das suas grandes referências académicas, juntamente com os fundadores Saussurre e Peirce, e o seu contemporâneo Umberto Eco. Gostei particularmente do trabalho realizado por Binet sobre a teorização das Funções da Linguagem da Jakobson que vai servir de suporte a toda a trama, desde os combates de discursos do Logos Club (segundo o próprio Binet, baseados no "Fight Club" de Palahniuk) à comunicação política das presidenciais francesas de 1981. E ainda no campo político, dizer que foi verdadeiramente premonitório o trabalho de Binet, ao colocar Kristeva como espécie de espiã búlgara, o que viria ser confirmado pela polícia da Bulgária em 2018.

A obra apresenta-se como um simples thriller satírico, que gera diversão, mas pode facilmente contribuir para abrir portas de interesse para quem está fora do domínio, ou renovar o interesse a quem entretanto as fechou. Binet contextualiza, embora não possa condensar anos de estudo num livro, mas as teorias essenciais e suas metodologias são aqui dissecadas e sempre de forma a garantir a compreensão mais alargada possível. Para muitos do público que trabalham na área, o riso é uma constante, só imaginar cada um destes intelectuais que passámos horas e horas a estudar nas bibliotecas das universidades, agindo como meros mortais, cometendo gaffes, dando-se ao ridículo, cria todo um mundo alternativo ao imaginário por nós fabricado. Por outro lado, é tudo isso que nos instiga a questionar intelectualmente as teorias e o modo como elas vão sendo profusamente aplicadas na construção do texto literário que temos na nossa frente, já que Binet nunca se coíbe de usar na forma muito daquilo que vai discutindo no conteúdo.

Ou seja, se senti ao longo de todo o livro uma leveza, ou superficialidade, na descrição das grandes teorizações, não foi por incapacidade do autor, mas porque a isso este objectivou. Talvez mais do que isso me tenha incomodado uma certa artificialidade discursiva, ou seja, compreender os truques próprios de cada género de romance — policial, histórico, aventura, coming of age — e a necessidade de ir embebendo nestes os diferentes personagens reais, os diferentes eventos ocorridos, criando novas leituras, novos imaginários. É tudo bastante estereotipado, sente-se um certo receio do autor de não ser compreendido, provavelmente pelo facto de estar a falar para dois tipos de público muito distintos, como mencionado acima. No entanto, se todas as peças parecem artificialmente montadas, como que seguindo um manual de Lego criado pelo autor, o manual não deixa de impressionar, não só pelo lastro imensamente largo, mas também pela sua profundidade e complexidade.

Por fim, e agora numa leitura mais distanciada, foi uma surpresa a abordagem escolhida para este livro por Binet. Ao longo do último século fomo-nos habituando a ler e a ver histórias de aventuras que quando se focam na busca de objetos de grande poder, perdidos ou secretos, apresentam invariavelmente duas vertentes: místicos/religiosos — Santo Grall, Pergaminhos, Cidades de Ouro, etc.; e quando se viram para a ciência, seguem atrás do poder transformador das ciências naturais — fórmulas matemáticas, moléculas, radiações, realidades quânticas. Ora esta foi provavelmente a primeira obra, de grande destaque popular, a construir-se sob as teorizações das ciências humanas e sociais. Depois desta, já vimos Hollywood fazer o mesmo com “Arrival” em 2016, com toda a parafernália tecnológica a ser subjugada a uma simples teoria da linguagem, a Hipótese de Sapir-Whorf. Em certa medida, acalento a esperança de ser um indicador do reconhecimento da importância das diferentes ciências. Não existem ciências mais importantes que outras, não podemos compreender o mundo sem a multidisciplinaridade que sempre caracterizou a humildade científica.

junho 02, 2018

Epistemologia pela análise histórica

"A Ordem do Discurso" é um discurso escrito, apresentado por Michel Foucault a 2 de Dezembro de 1970, na sua aula inaugural no Collège de France, entretanto posto a circular na forma de livro pela editora Éditions Gallimard em 1971. A relevância do discurso centra-se na apresentação, de modo sintético, do método de chegada à verdade eleito por Foucault, apresentando as razões e raízes para o mesmo. Foucault apresenta-se como devedor de Jean Hyppolite no que ao método concerne, sendo que a sua chegada ao Collège de France acontece pela morte de próprio Hyppolite, no ano anterior, tendo Foucault sido eleito para ocupar a sua cátedra, Histoire de Pensée Philosophique, com a nova designação de Histoire des Systèmes de Pensée.


O texto é de difícil leitura, não porque use muito jargão, mas porque Foucault, como tantos outros filósofos, opera o seu discurso sempre em níveis de análise macro, ou seja grandes categorias do real, que para quem não está por dentro de um enorme manancial de contexto, torna difícil compreender em concreto o que é dito, ou seja, estabelecer a ligação entre as categorias gerais e as especificidades diversas que a realidade apresenta. No entanto, e também como sempre nestes discursos, à medida que vamos forçando a nossa entrada na teia, vamos assimilando o comprimento de onda, sendo capazes de nos colocar ao lado do autor e seguir pelo meio da abstração o que está a ser dito. É preciso dizer ainda que o texto, por ter sido pensado para um discurso falado, não poderia, ao contrário do livro, tomar a liberdade de evocar muito do contexto necessário à sua compreensão. Por outro lado, o tipo de audiência esperado para o discurso supostamente estaria na posse de muito desse contexto.

Não me interessa aqui debater em concreto as estruturas do Poder que Foucault encontra estarem a operar na construção dos Discursos, desde logo porque existem pessoas muito mais especializadas na temática que eu, que já fizeram essa desmontagem, apresentando-a de modos muito mais pragmáticos e até visuais. O texto tem sido amplamente usado pelos colegas de Direito e da Medicina para compreender exatamente o poder do discurso em si.

Interessa-me antes focar no método epistemológico que serve de base a essa busca, e que assenta na arqueologia do saber, que no fundo dá conta de uma construção do conhecimento por meio da análise histórica e construtivista dos acontecimentos na realidade, recorrendo a múltiplos processos de operação dos elementos desses acontecimentos na história, pondo em jogo não apenas os eventos mas todo seu contexto social, usando a comparação e a correlação em busca de padrões e categorias de suporte a uma verdade por detrás das ideias. Isto é apresentado e trabalhado por Foucault como base metodológica para a busca da compreensão do poder do discurso.
"As descrições críticas e as descrições genealógicas devem alternar, apoiar-se umas nas outras e completar­ se. A parte crítica da análise prende-se com os sistemas de envolvimento do discurso ; ela visa assinalar e distinguir esses princípios de prescrição, de exclusão, de raridade do discurso. Digamos, jogando com as palavras, que ela põe em prática uma aplicada desenvoltura. A parte genealógica da análise prende-se, pelo contrário, com as séries da formação efectiva do discurso : visa captá-lo no seu poder de afirmação, e não entendo com isso um poder que estaria em oposição ao poder de negar, mas o poder de constituir domínios de objectos, em relação aos quais se poderá afirmar ou negar proposições verdadeiras ou falsas. Chamemos positividades a esses domínios de objectos ; e digamos, jogando segunda vez com as palavras, que se o estilo crítico era o da desenvoltura estudiosa, o humor genealógico será o de um positivismo feliz."  Foucault, O Poder do Discruso (1971)
Concordando totalmente com a epistemologia, sinto no entanto que fica a faltar algo neste método, e não vou fazer uma crítica sobre o estruturalismo ou formalismo do método, mas mais sobre aquilo que me parece ser algo que faltaria aqui para podermos fechar o circuito completo da construção de verdade. Falo em concreto da Interpretação, a mãe da escola de análise crítica, que em face de todos os achados — repetições e diferenças — precisa de dar um sentido aos mesmos. É aqui que tudo se complica, é aqui que a ideologia de cada um acaba por operar inevitáveis distorções da verdade. Repare-se como as categorias definidas por Foucault para a compreensão do Poder do discurso assumem desde logo um posicionamento ideológico — exclusão, controlo ou apropriação. É certo que é de poder que se fala, mas também não é menos certo que Foucault tende aqui para buscar apenas um certo veio de tendências — da opressão e limitação — deixando de fora possibilidades contrárias como a expansão ou até o empoderamento, entre muitas outras perspectivas possíveis.
"Mas nos domínios em que a atribuição a um autor é usual — literatura, filosofia, ciência — vemos que essa atribuição não desempenha sempre o mesmo papel ; na ordem do discurso científico, a atribuição a um autor era, na Idade Média, indispensável, pois era um indicador de verdade. Considerava-se que o valor científico de uma proposição estava em poder do seu próprio autor. Desde o século XVIII que esta função se tem vindo a atenuar no discurso científico : já não funciona senão para dar um nome a um teorema, a um efeito, a um exemplo, a um síndroma. Em contrapartida, na ordem do discurso literário, e a partir da mesma época, a função do autor tem vindo a reforçar-se : a todas essas narrativas, a todos esses poemas, a todos esses dramas ou comédias que circulavam na Idade Média num anonimato mais ou menos relativo, a todos eles é-lhes agora perguntado (e exige-se-lhes que o digam) donde vêm, quem os escreveu ; pretende-se que o autor dê conta da unidade do texto que se coloca sob o seu nome ; pede-se-lhe que revele, ou que pelo menos traga no seu íntimo, o sentido escondido que os atravessa ; pede-se-lhe que os articule, com a sua vida pessoal e com as suas experiências vividas, com a história real que os viu nascer. O autor é o que dá à inquietante linguagem da ficção, as suas unidades, os seus nós de coerência, a sua inserção no real." Foucault, O Poder do Discruso (1971), análise histórica do papel do Autor
Já agora, e mais próximo do meu trabalho, esta tem sido a abordagem seguida por David Bordwell ao longo dos anos na sua análise do discurso cinematográfico, a que ele deu o nome de "historical poetics". Ou seja, a busca-se compreender o sentido no cinema por meio da análise da variação estética no tempo. Como dizia acima, não se trata de uma abordagem meramente formalista, porque não se limita a estudar o filme enquanto objeto plástico, a análise procura quantificar e realizar amostragem histórica, mas procura compreender como essa funciona em termos cognitivos junto dos espectadores.

Temos método, temos uma base de evidência que suporta a verdade apresentada, mas nem por isso podemos relaxar, esquecer que o emissor de verdade, ainda que a partir de evidência, não contaminará ele próprio fortemente essa evidência.

maio 24, 2018

Criança Queimada (1948)

A escrita é simples, direta, sem floreados, limita-se a descrever o que acontece, sem perder tempo com explicações, interrogações ou deambulações. Se o que se descreve contém raiva latente, pronta a explodir no virar de cada página, o como se escreve parece emergir de uma amargura autoral não menos enraivecida, explicando porque se  não "perde" tempo e se ataca sempre o contar e descrever de forma tão direta, com muita ânsia de dizer, de pôr cá fora os mundos e realidades experienciadas, prontamente re-imaginadas. Sobre Dagerman, nada direi uma vez que já disse tudo a propósito do seu "A Nossa Necessidade de Consolo é Insaciável" (1955).

Título original: "Bränt Barn" em sueco. Traduzido para português seria "Criança Queimada".

Lendo sobre Stagerman são muitas as pontas que se tocam com aquilo que se vai descrevendo em "O Vestido Vermelho / Criança Queimada", desde logo se o protagonista tem cerca de 20 anos, o autor tinha na altura 24. E se impressionam imenso as competências literárias com esta idade, explicando o rótulo de génio que na altura lhe foi colado, não deixa de se sentir a imaturidade à flor do que se vai descrevendo, dos sentires ainda em modo eruptivo. Daí que o texto se sinta perturbador com a experimentação dos limiares da moral e do ser, algo a que também não é alheio a escrita escandinava, ou talvez melhor, do frio do Norte, já que por várias vezes Stagerman me recorda David Vann.

O livro, como dito acima, descreve continuamente ação, foca a nossa atenção no desfiar do enredo, e desse modo mantém-nos continuamente interessados e com desejo de regressar à leitura, desde a primeira à última página. Não que se chegue verdadeiramente a passar algo significativo, mas a tal raiva latente é suficiente para continuamente manter a expetativa acesa, e a necessidade de conhecer o que vai acontecer na página seguinte. Dagerman acaba assim trabalhando a sua narrativa num modelo mais cinematográfico, de dar a ver, investindo muito pouco na desconstrução do que se vê. Por outro lado, o facto de tudo se nos ser apresentado de forma lacónica de modo muito claro, mas sem espaços de reflexão, acaba por tornar aquela realidade tão objetiva em algo profundamente abstrato.

Fica-me a dúvida sobre a tradução que é dos anos 1950, e que além de apresentar algumas palavras mais estranhas, como as dezenas de menções a "bulha" de cada vez com significado distinto, me incomodou particularmente pela adulteração do título, algo que é defendido pela tradutora em prefácio, apesar de não apresentar qualquer argumento para o efeito.  Não posso consentir que um tradutor se arvore em autor, que é aquilo que faz quando muda literalmente o título, contribuindo para a re-significação da obra. Em sueco o livro chama-se "Bränt Barn", o seja "Criança Queimada", um título muito mais duro que "Vestido Vermelho", mas também, por isso mesmo, muito mais consentâneo com a forma e ideias discutidas no livro. Por outro lado, o título é mais do que o seu sentido literal, já que ele configura em si mesmo uma metáfora, a "criança queimada" terá receio de se voltar a envolver em experiências próximas das anteriores em que se "queimou", já o vestido vermelho convoca todo um imaginário que só tangencialmente se aproxima do mundo de Dagerman, ainda que pelo meio da história um vestido vermelho surja.

maio 19, 2018

Casei com um Comunista (1998)

Depois da "Pastoral Americana" (1997) era difícil voltar ao mesmo nível, e ainda assim considero que não só o conseguiu como o superou, não neste mas no terceiro volume desta trilogia — "A Mancha Humana" (2000). "Casei com um Comunista" (1998) fica assim com o último lugar do pódio, não deixa de ser um bom livro que nos consegue agarrar mas raramente nos consegue sacudir do lugar. O tema escolhido é profundo, o Macartismo, mas Roth parece mais interessado em circular ao seu redor, oferecendo pouca profundidade sobre os efeitos e impactos do mesmo.


O livro usa como personagem central Ira Ringold, um personagem másculo, enorme, com poucos estudos e comunista. É por meio dele que se fala dos ideias comunistas, e como expectável, as visões são superficiais e acima de tudo carregadas de fé. Do outro lado, está a mulher, estrela de cinema, pouco lhe interessa a política, mas com ela convivem alguns elementos de direita que acabarão a governar o país. Ambos os lados, direita e esquerda, saem representados superficialmente e inconsequentes. Roth está mais interessado nos sentires dos seus personagens do que nas políticas e ideologias que os circundam, o que faria todo o sentido para um escritor reconhecido pelas suas capacidades de dar a ver o interior dos seus personagens.

Ora o problema, para mim, está exatamente nos personagens, nos modelos escolhidos para criar a narrativa, nomeadamente o casal, Ira e Eve. Nenhum deles apresenta qualquer peculiaridade interessante, ou atrativa, o facto de se terem tornado estrelas dos media torna-os ainda mais distantes, pois as suas dificuldades já não são as nossas. São destemidos e arrogantes, ainda que pelo meio Roth vá dando conta das suas fragilidades, mas não o suficiente para criar uma ligação a qualquer um deles. Ou seja, nunca ao longo de todo o livro me interessou o passado nem o futuro de Ira, já não falo de Eve sobre quem praticamente nada acabamos a saber.

Aliás, pelo que entretanto li sobre o livro, parece que Eve Frame terá sido baseada na mulher de Roth, Claire Bloom de quem se separou, de forma nada amigável, em 1995. Depois em 1996 Bloom escreveu uma autobiografia na qual Roth surge de forma pouco abonatória, rotulando-o de misógino. Não sabia disto aquando da leitura, por isso senti que a personagem não estava completa, tivesse sabido disto, e teria retirado toda uma diferente leitura, já que teria podido contextualizar a mesma. Por outro lado, serve também para me dar conta do facto de Roth ter mais do que um objetivo para o tema do livro, e em parte justifica exatamente a razão porque tudo parece tão difuso e com pouca profundidade

Apesar disto, se Roth vai dando conta da essência do Macartismo, assente na traição e acusação, a verdade é que deixa de fora todos os seus efeitos. Terminado o livro poderia levantar-se a questão se teria sido assim tão mau, já que na verdade nenhum destes personagens parece, em momento algum, sentir medo, nem receia ou parece deixar de fazer algo por causa disso. Deste modo perde-se completamente a noção do alcance da traição, do modo como controla e subverte a vida das pessoas, as condiciona e pune psicologicamente.

Talvez se não nada soubesse sobre o Macartismo, tal como nada sabia sobre os atentados à bomba americanos relatados em "Pastoral Americana", talvez me tivesse impressionado mais esta leitura. Mas o Macartismo é algo bastante mais presente, nomeadamente para todos os que se interessam por Cinema, já que Hollywood foi um dos meios mais castigados pelo Macartismo.

A Pintura em Proust

"Paintings in Proust" é, como diz o subtítulo, um "acompanhante visual de Em Busca do Tempo Perdido". Como tal, e depois de uma breve introdução à relação de Proust com a arte, apresenta-nos, capítulo a capítulo, as obras de arte visual citadas ou mencionadas, explícita ou implicitamente, na grande obra que é a "Em Busca do Tempo Perdido". A viagem deve claramente ser feita depois da leitura, não conseguindo, nem tendo essa intenção, criar o impacto da leitura, traz-nos no entanto as memórias da experiência que foi ler o Romance, e por isso acaba por nos tocar, não raras vezes.


Impressionado fiquei por não me ter dado conta aquando da leitura da quantidade de obras citadas. Impressiona porque dá conta de uma faceta, provavelmente necessária em Proust, o seu profundo gosto pela arte fundamental à sua particular sensibilidade para com o detalhe de que se constitui o real visual circundante, e que Proust tanto se esforça por nos fazer ver por meio das suas palavras. Temos desde de esboços e ilustrações a paisagens, cenas e retratos, Proust recorre a todo um imaginário visual fixado, estaticizado, como que para conseguir extrair melhor o sentimento da realidade, que pela sua natureza em constante mutação.

"A Vista de Delft" (1658) de Vermeer

O livro é dos anos 1920 por isso não surpreende que surja muito impressionismo do fim do século XIX, com Monet e Renoir, suportada por muita renascença com Da Vinci, Michelangelo, Botticelli, ou El Greco, tudo muito marcado por uma enorme recorrência aos pintores holandeses, Vermeer e Rembrandt. Sente-se o efeito da viagem que Proust fez a Veneza, a absorção da beleza italiana, mas sente-se também muito do mundo visual que Proust terá visitado muitas vezes no Louvre. O que mais me surpreendeu foi o recurso a alguns realistas russos que claramente terão surgido a partir do seu enorme interesse em Dostoiévski e Tolstói.

"Filósofo em Meditação" (1632) de Rembrandt

Conto voltar a este livro aquando da minha segunda leitura de "Em Busca do Tempo Perdido".