As expectativas que tinha a propósito de "A Senda Estreita para o Norte Profundo" (2014) determinaram uma experiência de leitura pouco abonatória. Dois elementos contribuíram para essas expectativas: o prémio Booker que costumo seguir e respeitar; o relato do trabalho violentíssimo a que foram submetidos os prisioneiros da segunda grande guerra pelos japoneses na construção de uma linha de caminho de ferro na Birmânia. Se a escrita pareceu, por vezes, estar ao nível do esperado de um Booker; a história real apresentada pareceu servir ao autor apenas de cenário de fundo ao romancear de amores desencontrados.
Nada conhecia sobre a construção da linha da Birmânia, por isso em parte agradeço a Flanagan os dados históricos relatados. Contudo, e apesar de serem apresentadas algumas cenas violentas, na verdade nunca se chega a sentir a intensidade do que foi construir aquela linha. Não fiquei nada convencido das competências do autor no que toca a descrição do interior humano, do modo como este não só sente, mas também se revê no simples facto de existir. O que Flanagan nos oferece não vai além dos diálogos do cinema clássico de Hollywood (1940-50) sobre a segunda grande guerra, o que sabe a muito pouco. É provável que o facto de ter lido recentemente “The Rape of Nanking” (1997) me tenha tornado bastante mais ciente do quão verdadeiramente violentos foram os japoneses.
Mas tudo se agrava quando secções inteiras do livro são dedicadas a coisas secundárias, nomeadamente Amy, um amor proibido da juventude do protagonista, que nada acrescenta. Este amor não me diz nada sobre quem era, foi ou veio a ser Dorrigo. No entanto, o autor parece acreditar que sim. Se sim, então falha completamente em passá-lo no texto. Por conta disso, muito tive de me esforçar por levar a leitura até ao final.
Depois, os responsáveis japoneses que não são escolhidos em função de nada em particular, mas são simplesmente atirados para o meio da trama, pensando nós que nada de relevante acrescentam, mas que o autor faz questão de nos fazer ver até ao seu desenrolar no pós-guerra. Pretendia dar-nos a ver as diferentes vivências de cada sobrevivente? Mas se eles simplesmente obedeciam ao código, era sobre esse que era preciso falar, e não continuar a insistir em mostrar um conjunto de fantoches que acreditavam, ou pareciam acreditar, na relevância espiritual do seu imperador.
Chega-se ao fim com uma dose de vazio. Os personagens australianos andaram por lá sem acreditar em nada do que faziam. Os japoneses que acreditavam em tudo o que faziam, deixaram depois de acreditar. No final temos um quadro de relatos que não se segura, porque nada daquilo em que se acreditava chega verdadeiramente a ser aflorado em todo o relato, onde apenas os amores e adultérios de Dorrigo parecem ser relevantes.
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