"The Perfect Police State: An Undercover Odyssey into China's Terrifying Surveillance Dystopia of the Future" (2021) foi um dos livros mais angustiantes que li nos últimos anos e não foi pelo relato de genocídio, que se pode ler noutras obras sobre povos perseguidos, desde os judeus aos curdos passando por regiões inteiras como os balcãs — Sérvia, Croácia, Eslovénia, Macedónia, Montenegro, Bósnia, — ou o Cáucaso — Arménia, Geórgia, Abecássia, Ossétia do Sul, Chéchenia. O que incomoda particularmente no relato sobre os Uigurs, povo do noroeste da China que faz fronteira com a Turquia, é o facto de ser algo que está a acontecer no momento presente. Mas não só, é algo que está a ser perpetrado por um governo do qual não podemos, como aconteceu com outros, arvorar ideias de distância ou desconhecimento, pois somos seus grandes parceiros comerciais. Desde a eletricidade que nos entra em casa, até ao fabrico de uma larga maioria de produtos que utilizamos no dia-a-dia, dos gadgets eletrónicos aos brinquedos que oferecemos às nossas crianças pelo Natal, a relação da Europa com a China é íntima. No entanto, quando se fala do genocídio que a China e as suas empresas tecnológicas, tais como a Huawei, estão a realizar naquela região, a tendência política, mas também dos nossos povos, tem-se manifestado por uma estrondosa indiferença. Mas tal não acontece por falta de evidências, vários órgãos internacionais, da ONU ao Papa, têm feito menção do problema, existem mesmo demonstrações de que temos obrigação legal de intervir! Contudo, nós, todos os que vivemos boas vidas neste velho continente, à custa da mão-de-obra barata da China, viramos a cara para o lado. Diga-se que não muito diferentemente do que fizemos durante a total aniquilação da cultura nativa das Américas, a que juntámos depois a exploração de escravos, de África, para garantir os níveis de produção de riqueza necessários ao sustento dos nossos luxos. Mas os Uigurs não são um povo do passado, o genocídio brutal que afeta uma população com 11 milhões, dos quais mais de 1 milhão se encontram presos nos mais de 200 campos de concentração, não aconteceu há 500 anos, está a acontecer agora, com relatos que remontam pelo menos a 2017, e a ser feito por alguém com quem nos sentamos à mesa todos os dias. Para não olhar apenas ao lado negativo, fazendo aqui mero auto-flagelo, deixo a nota imensamente positiva da primeira viagem de uma delegação da União Europeia a Taiwan ocorrida esta semana e na qual foi dito, de forma bastante sonora, “Vocês não estão Sozinhos”. Sabendo que Taiwan está na lista como próximo alvo a abater pela China, depois do périplo iniciado em Hong-Kong, esperemos que este seja o início de uma mudança profunda da relação da Europa com a China.
Existe uma grande proximidade entre o que está a acontecer na China e aquilo que aconteceu no Holocausto e que assenta numa Sofisticação Tecnológica. Se na Alemanha tivemos câmaras de gás e fornos crematórios usados com metrónomos, na China temos uma perseguição do pensar humano como nunca existiu, graças a uma avançada inteligência artificial que permite captar e interpretar dados de milhares de câmaras e microfones e ligá-los a todas as bases de dados governamentais e privadas do país, adicionando-lhe ainda elementos de catalogação individual que vão do DNA ao timbre de voz e expressões faciais. Não é possível fazer absolutamente nada sem ser vigiado. Quem determina o nosso dia em cada dia é a IA, que por meio de algoritmos tece juízos sobre se estamos a ser mais ou menos bem-comportados e se podemos prosseguir com a nossa vida, ou se estamos a precisar de passar uma temporada num campo de concentração para ser objeto de nova lavagem cerebral. É alucinante. Quando desenvolvemos todas estas tecnologias ambicionámos libertar o humano, e agora estamos a verificar como todas estas podem ser levadas ao extremo oposto e transformar os humanos em seres vegetativos andantes. Isto mesmo diz um dos poucos académicos Uigurs exilado no exterior:
“When I was younger, I gave a lecture at a university, back in China. I said that these technologies will change the world. That nobody can stop free expression, nobody can stop people who want to be free. I spoke this to my students, and I spoke it to my followers. I promised them a better world. But I failed. Our technology did not make us free. We live in a digital prison, even if we live in a world that is free outside, in the physical world. The world that we hoped for, it never came.” Abduweli Ayup in "The Perfect Police State"
Podemos questionar se isto é igual a qualquer outro país, mas a verdade é que ninguém está a salvo de um sistema que passou a reger a sua política por métricas. Os jornalistas que tentaram falar de Wuhan e Covid foram rapidamente encarcerados, mas o polvo não olha ao poder do dinheiro ou dos media, veja-se como, em outubro passado, Jack Ma, o mais brilhante gestor chinês desta era, uma das maiores fortunas do globo, habituado a sentar-se à mesa com presidentes de todo o mundo, desapareceu completamente, abandonando inclusive as redes sociais, depois de ter dado demasiado nas vistas com a sua riqueza, e de ter ousado queixar-se de que a China estava a obstruir a criatividade no país.
Não vou tecer mais nenhum comentário, deixo apenas a ligação para uma entrevista com Geoffrey Cain ao The Diplomat que vos dará uma perspectiva mais concreta do que poderão encontrar no livro.
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