"Encruzilhadas" de Jonathan Franzen surge seis anos após o seu último romance, e só por isso torna-se imediatamente digno da nossa atenção e interesse. Tenho muita dificuldade em seguir autores — literatura ou cinema — que lançam obras novas todos os anos, não por não conseguir acompanhar, mas porque não acredito que alguém tenha algo de novo, com substância, para dizer todos os anos. O real requer contemplação, indagação, questionamento e maturação. Escrever por escrever, produzir texto, pode servir para distrair os leitores, mas dificilmente oferece mais do que isso. Nesse campo concreto, "Encruzilhadas" não desilude, e mostra Franzen ao seu melhor nível.
Somos introduzidos a uma família Americana nos anos 1970, aparentemente tradicional, com 4 filhos. Um na Universidade, outra a preparar-se para ingressar, outro no liceu, e o mais novo no 2º ciclo. O contar da sua história é feito de modo intercalado e temporalmente não-linear. Vamos sendo introduzidos ao subúrbio em que vivem, enquanto vamos sendo servidos com capítulos intermédios que dão conta das histórias de vida de cada um. Vamos percebendo os problemas que cada um atravessa, as suas ansiedades, culpas, medos e esperanças. Neste sentido, é um romance psicológico, muito focado no modo como cada um se revê no seio de um sistema social, a família. Mas também como esse sistema social os pressiona, não apenas internamente, mas externamente pela sociedade em que estão inseridos. Não entro no núcleo interior para que o possam desvelar completamente na vossa leitura. Assim, do lado externo temos um conjunto de grandes temas que envolvem todo o livro, desde a relação dos Americanos com os nativos do continente até à religião, com o pai a ser pastor duma daquelas congregações religiosas do interior americano, num tempo em que nada tinham que ver com a política. Nada é nunca visto, nada é muito estranho ou produz comportamentos muito esotéricos. O relevante não está aí, mas antes no modo como todo esse envolvimento vai esculpindo cada uma daquelas peças de uma família, e como cada um luta por se erguer no seio de um conjunto de valores e morais.
Franzen disse numa entrevista que tinha adorado a saga napolitana de Ferrante especialmente pelo modo como esta tinha pegado em pessoas comuns e tinha criado um romance intemporal. Foi isso que procurou fazer aqui. Nada aqui é transcendente e no entanto tudo aqui é próximo e distante simultaneamente. Percebemos os dilemas que cada um vai vivendo, identificamos por vezes com um, outras vezes com outro, mas todos tem problemas, não existem seres perfeitos, tal como não existem no real.
Se tudo parece Franzen, senti que a escrita de Franzen se alterou. É menos trabalhada, menos virtuosa (ver análise de "Liberdade"). Talvez possa dizer menos exibicionista das qualidades do autor. Contudo, aqui e ali podemos vislumbrar partes dessas qualidades, contidas sim, mas no seio do sistema escrito que agora nos apresenta. De certo modo, Franzen parece querer neutralizar a escrita para deixar ver melhor aquilo que conta.
Por fim, este é apenas o primeiro tomo de uma trilogia que se espera que nos dê a ver a família Hildebrandt, ou o que restar dela, a chegar aos anos 2020.
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