novembro 20, 2021

Flores para Algernon

"Flowers for Algernon" é um clássico consagrado da FC, escrito por Daniel Keyes em 1966, a partir de um conto seu escrito em 1959. As questões centrais são excelentes: tanto no domínio da medicina — cirurgias de otimização das funções cognitivas — para as quais ainda não temos respostas; como no domínio dos seus efeitos no campo psicologia social — o impacto do QI na relação dos indivíduos com a sociedade. Mas se as questões científicas são trabalhadas a um nível elevado, a narrativa fica bastante aquém, diga-se que seguindo a tradição de muita FC dos anos 1950. Por exemplo, apesar de entrarem vários outros personagens, nomeadamente pais e irmã, todos parecem estar ali meramente como adereços no suporte ao protagonista, tornando tudo menos real e menos humano. De qualquer forma, é um livro pequeno, que se lê muito rapidamente e que nos provoca a reflexão.

O QI é, mais ainda hoje numa sociedade de informação, visto como uma das características mais importantes no ser-humano, essencial para o sucesso e realização de cada indivíduo. Nesse sentido, a apresentação da possibilidade de elevar o mesmo acaba a tocar numa espécie de desejo interior de quase todos os humanos, o que permite ativar enorme curiosidade pela história. Por outro lado, Keyes, sabendo desse desejo quase compulsório, opta por construir uma história na qual demonstra como o ser-humano não é apenas, menos ainda só, aquilo que o seu QI indica.

Na história, Charlie é um homem dotado de um QI abaixo da média, 68, a quem uma equipa médica propõe realizar uma operação para se transformar numa pessoa "normal". A operação transforma-o num génio. A exposição escolhida por Keyes é bastante particular, já que surge na forma de auto-relatórios do paciente sobre a evolução da sua condição. Os relatórios oferecem a particularidade de demonstrar na qualidade da escrita, a progressão do QI. Para além disso, dão-nos acesso direto ao sentir Charlie, antes, durante e depois do procedimento médico. São esses relatórios que nos vão leva a compreender como sente alguém com diferentes QI, e como a sociedade o olha diferentemente também em cada momento.

Nota-se uma particular atenção de Keyes à evolução médica, secundarizando tudo o resto, o que poderia não ser tão problemático, se a secundarização não viesse minada de alguns traços grosseiros de caracterização e ausência de contexto. Começa com a família de Charlie que é apresentada de forma profundamente grotesca, criando-me muitas reservas de credibilidade, mesmo para os anos 1960. O mesmo acontece com as diferentes mulheres que encontra quando vai para NY; assim como a crítica à academia que poderia ter sido mais enriquecida; ou ao uso de abordagens psicológicas ao desenvolvimento das modificações do protagonista — nomeadamente a sua alteração drástica de dócil para hostil — sem o devido suporte. Ou seja, tudo parece ser importante para demonstrar que existe progresso ou transformação, mas falta todo um estudo bastante mais aprofundado das várias dimensões do personagem e dos potenciais efeitos para suportar o seu design ao longo de todos aqueles eventos.

Do meu lado, a história envelheceu mal. Tivemos muitas outras histórias sobre o tema com muito maior atenção ao detalhe. A psicologia evoluiu muito o seu conhecimento sobre o modo como funciona a cognição. E as relações humanas ganharam muito mais espaço na FC. É um livro com uma premissa que continua relevante, mas a sua apresentação talvez já só seja relevante para um público jovem.


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