agosto 15, 2020

Minha Ántonia (1918)

Foi o meu segundo livro de Willa Cather (tinha lido "A Casa do Professor") e foi mais uma excelente leitura. A autora possui uma forma particular de dar a ver, sentimos ao lê-la como se estivéssemos diante de uma tela em movimento, em que tudo acontece num tempo específico próprio da ficção contada, delimitada pelo que a autora quer dizer e mostrar. Nem sempre a emoção segue o brilho da poética escrita, mas isso é assim porque Cather claramente restringe a emocionalidade. Facilmente poderia dramatizar e elevar o sentido de tragédia, mas não o faz por opção, procurando manter assim a sua tela delimitada e oferecendo-nos um recorte muito particular de uma época e lugar.

Este trabalho de Cather juntamente com "Butcher's Crossing" de John Williams levaram-me a conhecer um Oeste americano muito diferente daquele que tinha aprendido a amar em criança vendo filmes intermináveis de cowboys. São duas janelas muito distintas sobre um mesmo território e conjunto de pessoas, mas que se complementam na perfeição.

Planícies do Nebraska, para onde migraram muitos europeus da Escandinávia e da Rússia

Deixo um excerto brilhante:

"Anos mais tarde, quando os dias de pastagem a céu aberto tinham terminado e a erva vermelha fora sistematicamente lavrada até quase ter desaparecido da pradaria; quando todos os terrenos se encontravam vedados e as estradas deixaram de ser completamente desorganizadas e passaram a seguir os limites estabelecidos entre os terrenos, a campa do Sr. Shimerd continuava lá, rodeada por uma vedação de arame já meio frouxa e com uma cruz de madeira pintada de branco. Tal como o meu avô previra, a Sra. Shimerd nunca chegara a ver as estradas passarem por cima da cabeça dele. A estrada que vinha do norte curvava ligeiramente nesse lugar a este e a estrada que vinha do oeste desviava-se um pouco para sul; pelo que a campa, com a sua vegetação vermelha alta que nunca era cortada, mais parecia uma pequena ilha; e no lusco-fusco, sob uma Lua Nova ou um céu estrelado, as estradas de terra costumavam parecer pequenos rios cinzentos fluindo ao largo da mesma. Aquele lugar comovia-me e era o meu sítio favorito em toda a região. Encantava-me a superstição obscura, a intenção expiatória que colocara a sepultura nesse lugar; e acima de tudo adorava o espírito que não pudera cumprir a sentença — o erro da definição dos limites dos terrenos, a clemência das brandas estradas de terra ao longo das quais as carroças com destino a casa ribombavam depois do pôr do sol. Estou certo de que nunca um condutor cansado passara pela cruz de madeira sem dizer uma prece por quem ali dorme."

Willa Cather (1918) “Minha Antonia” P.85


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