Por isso não basta mestria técnica, que é visível no controlo e restrição irrepreensíveis operados pelo autor sobre um tema por natureza tão gritante, mas é preciso um pouco mais para criar uma obra de excelência.
agosto 09, 2020
O rídiculo do niilismo de Sabrina
Não me surpreende que “Sabrina” tenha sido nomeado para o Man Booker de 2018 uma vez que o seu tom se aproxima de uma corrente artística muito prezada pelas elites das artes, a mesma que nos anos 1990 colocou o cinema independente americano — Jim Jarmusch, Todd Solondz ou Hal Hartley — no topo das preferências de culto, que tende a reger-se pela mestria do minimalismo. Contudo parece-me existir aqui uma diferença particular face ao movimento indie americano, é que esse movia-se por uma particularidade nuclear, o enredo niilista. Ora “Sabrina” é o seu contrário, sim a narrativa é minimal, ajudado em muito pela forma gráfica desprovida de expressividade, sem respostas a oferecer, mas o foco do enredo é bombástico, tocando num assunto do foro profundamente político. Não temos apenas raptos e assassínios, temos teorias da conspiração, fake news, discurso de ódio, militares, governos, famílias disfuncionais, etc. etc.Dito isto, o tema considero-o extremamente relevante, porque altamente atual. Contudo o modo como foi trabalhado, a narrativa produzida, considero-a fraca, para não dizer de mau-gosto. A indiferença é um traço interessante do ponto de vista minimal, mas usado em assuntos que requerem da sociedade uma reação totalmente contrária, de alerta e prontidão, parece-me um tiro completamente ao lado. Obviamente que a arte não tem de ser nenhum manual escolar de literacia dos média, contudo era suposto que a arte funcionasse como alerta, e não que contribuísse para o adormecimento da sociedade face a temas desta relevância. No final de “Sabrina” é inevitável sentir a impotência da sociedade para fazer face aos problemas representados, parecendo advogar-se a mera anuência do mundo apenas porque assim parece ter de ser. O problema é que não estamos a falar de questões existenciais individuais, estamos a falar do foro social, das regras que regulam a convivência em sociedade. Deste modo, parece-me que o autor, e quem o segue, se esqueceu que o processo de civilização é por natureza anti-niilista, sem o que simplesmente não existiria.
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