abril 21, 2020

“Devs” (2020)

Alex Garland deu-nos anteriormente o livro “The Beach” (1996), depois escreveu os filmes de “28 Days Later” (2002) e “Sunshine” (2007), o videojogo “Enslaved: Odyssey to the West” (2010) e o guião para “Never Let Me Go” (2010). Em 2014 fez direção pela primeira vez com “Ex Machina” e novamente em 2018 com “Annihilation”. Todas estas obras, sem exceção, possuem em si uma parte do talento de Garland. Mesmo em adaptações como “Never Let Me Go” do nobel Kazuo Ishiguro,  ou “Annihilation” de Jeff VanderMeer é possível sentir um pulsar que nos transporta até ao universo particular de Garland. “Devs” (2020) não é diferente, antes pelo contrário, é puro Garland estendido por 8 episódios, 6 horas de experiência audiovisual. Depois de começar, somos enredados numa trama de ficção-científica que cruza todos os nossos dilemas com as grandes empresas tecnológicas atuais e o desenvolvimento de um conceito hipotético que atiça a nossa curiosidade a ponto de só conseguirmos descansar nos créditos do último episódio.
O conceito apresentado é distinto, surpreende-nos e puxa pela nossa imaginação, contudo pouco depois percebemos como é posto em prática, o que o sustenta, no caso o determinismo, e começamos aos poucos a desligar por via de alguma descrença, mas Garland antecipa claramente isso e traz para a discussão a antítese do multiverso. Somos assim brindados com várias discussões instigantes sobre ambas as possibilidades e acompanhamos as mesmas até ao final. Não posso dizer que seja totalmente inovador, além do choque entre as ideias, muitas dessas têm sido amplamente discutidas, tanto nos diferentes media — livros, jogos e filmes — como na Física e Filosofia ao longo de séculos.
Provavelmente existe aqui a funcionar todo uma arte própria de Garland, tanto no domínio da escrita como no domínio do universo atmosférico da série que se edifica em cenários, música e fotografia absolutamente graciosos. Não posso dizer o mesmo das interpretações que têm momentos muito bons, mas apresenta também alguns momentos mais fracos. No entanto, a série consegue elevar-se a um nível de erudição raramente visto em televisão e manter a atração audiovisual intacta.

Deixo duas estrofes do poema "Aubade" de Philip Larkin, recitados por um dos personagens, já perto do final, que espero que sirvam para vos abrir o gosto e instigar a ir ver a série.
“I work all day, and get half-drunk at night. 
Waking at four to soundless dark, I stare. 
In time the curtain-edges will grow light. 
Till then I see what’s really always there: 
Unresting death, a whole day nearer now, 
Making all thought impossible but how 
And where and when I shall myself die. 
Arid interrogation: yet the dread
Of dying, and being dead,
Flashes afresh to hold and horrify.” 
 
The mind blanks at the glare. Not in remorse  
—The good not done, the love not given, time  
Torn off unused—nor wretchedly because  
An only life can take so long to climb 
Clear of its wrong beginnings, and may never;  
But at the total emptiness for ever, 
The sure extinction that we travel to 
And shall be lost in always. Not to be here,  
Not to be anywhere, 
And soon; nothing more terrible, nothing more true. 


       excerto de "Aubade" (1980) de Philip Larkin

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