dezembro 20, 2019

“Eliza”, a IA como psicoterapia

O melhor de “Eliza” é sem dúvida o enquadramento da história que conta, centrada nos problemas da Inteligência Artificial e da quebra da privacidade, apresenta um novo ângulo da discussão, o potencial da IA como suporte à saúde mental, partindo da premissa: e se todos pudéssemos ter acesso a sessões de psicoterapia com IA? É um tema que poderíamos ver no mundo de “Black Mirror”, além de bastante atual, não apenas pela recente grande evolução da IA, mas por todos os desenvolvimentos tecnológicos que vêm sendo introduzidos na área da saúde. “Eliza” parte desta aparente atualidade, mas vai além, lança ideias para um futuro próximo e questiona-nos sobre um dos maiores flagelos das sociedades desenvolvidas: a doença mental.
Sendo um jogo interativo, as dúvidas emanadas do uso da tecnologia, a diferença entre humano e tecnologia no suporte aos humanos acaba surgindo como centro das nossas escolhas, do mundo em que acreditamos ou desejamos acreditar. Será uma máquina mais eficaz na leitura dos problemas que assolam as nossas mentes, os nossos Eu? Será a máquina mais objetiva e concreta, capaz de desafiar as nossas constantes dúvidas e incertezas? Poderemos confiar nas propostas de uma máquina imparcial?

“Eliza” apresenta várias propostas inovadoras, desde logo a ideia do Proxy. As consultas de psicoterapia não funcionam apenas numa relação humano-máquina, mas são mediadas por um outro humano que serve apenas de veículo à IA. Neste sentido destaca, desde logo, a necessidade do outro, a necessidade de sentir o conselho emanado por um igual, e não uma mera máquina que não poderá nunca sentir a dor do humano. Um outro ponto imensamente interessante acaba surgindo a partir das lutas empresariais e detém-se sobre a questão do sofrimento e da sua necessidade para a nossa felicidade. Filosoficamente falando, poderemos ser felizes se nunca nos sentirmos infelizes, se deixarmos de sentir a dor?

Enquanto videojogo é ficção interativa suportada por uma boa camada de ilustração gráfica, sem movimento nem animação, ou seja, uma “visual novel” ou história visual interativa. Como tudo se move ao redor da história e dos diálogos, a elevação da experiência assenta no texto e nas nossas decisões, relevando para segundo plano a componente audiovisual. Em termos de narração interativa, podemos dizer que temos um bom trabalho, embora sinta que o seu forte é mesmo o enquadramento da história, ficando as nossas decisões demasiado presas ao mero progresso narrativo.
Interessante foi perceber no final dos créditos que o jogo surgiu como fruto de uma residência artística interdisciplinar de Matthew Seiji Burns em Inglaterra, tendo eu depois percebido que Burns é também o co-criador do belíssimo "The Writer Will Do Something" (2015).

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