julho 23, 2018

5 anos depois

Voltei a "The Last of Us" (2013), rejoguei o jogo completo, algo que há anos e anos não acontecia, e tenho de dizer que a experiência foi tão, ou mais, intensa que a de há 5 anos. Reli agora o que escrevi na altura e nada se alterou, nem tão pouco o jogo foi ultrapassado por qualquer outro. Entre as duas experiências li "A Estrada" (2007) de Cormac McCarthy, uma das principais influências de "The Last of Us" (TLOUS) e tenho de dizer que Neil Druckmann ombreia com McCarthy, bastante mais do que a adaptação cinematográfica homónima de John Hillcoat, mesmo não lhe sendo tão fiel.


Não vou realizar qualquer análise ao jogo porque como já disse, o que escrevi há 5 anos mantém-se tudo, mas quero aproveitar estas linhas para enfatizar algo que nessa altura louvei mas julgo não ter sentido tanto como desta vez, falo dos personagens. Os personagens são a essência da literatura, ela melhor do que qualquer outra arte consegue dar-nos a conhecer quem se nos apresenta, porque nos permite entrar nas suas mentes e escrutinar o que pensam em cada momento. Contudo, como sabemos do cinema, é possível chegar a muito disso pelo que estes decidem fazer em cada momento, e os videojogos não são exceção. Sendo o videojogo muito mais extenso que o filme, passamos muito mais tempo na sua companhia, temos mais oportunidades para ir conhecendo aqueles com quem seguimos na narrativa. E TLOUS aproveita bem as mais de 20 horas que o jogo requer da nossa atenção, criando situações, atividades e escolhas que se vão desenrolando num modo imensamente rico no que toca a expressividade dos personagens. Quando disse acima que Druckmann ombreia com McCarthy era especialmente por esta riqueza narrativa, de situações que nos permitem entrar de forma tão profunda no sentir dos seus personagens.

O personagem principal Joel não é nenhum santo, apesar de começar como um simples pai de classe média americana, com um conjunto de valores iguais a tantos outros, o confronto com o apocalipse transforma-o completamente, algo a que assistimos logo ao abrir do jogo, e o resto do jogo acaba sendo toda uma travessia em busca do Eu perdido de Joel, o que abre espaço constante para a luta moral interior, entre os resquícios da bondade de outro tempo e a violência própria do novo tempo. Diga-se que TLOUS é bastante violento, não sendo mais que "A Estrada", mas por ser mais longo, faz-nos sentir mais vezes essa violência. Por várias vezes questionei-me que não era precisa, e que estaria a ser gratuita, mas saindo da redoma da minha segurança sei que não, tal com McCarthy também sabia.

Este desfiar moral sobre a identidade de Joel está presente até ao fim e é mesmo a chave para explicar o final narrativo mais surpreendente de sempre dos videojogos. As opções apresentadas são: salvar a humanidade ou salvar uma adolescente com quem se desenvolveu uma relação de pai e filha. A decisão é um dilema filosófico sobre o sentido utilitarista da vida, em que nós como jogadores não participamos, mas que define por completo a jornada encetada com Joel, servindo de chave para compreender de onde se parte e onde se chega. Nós não somos Joel, mas Joel pode ser todos nós. Druckmann obriga-nos a refletir sobre algo que McCarthy acaba, em parte, descartando, as relações humanas. No fundo, só investimos tanto na nossa sobrevivência por causa dos outros como nós.



Veremos o que "The Last of Us II" tem para nos oferecer.

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