junho 02, 2018

O Malick de 2017

O cartaz não me disse nada, o título nada disse ("Song to Song"), e a sinopse deixou-me com a certeza de que este filme não era para mim. E no entanto, ao fim de cinco minutos no filme já não consegui mais desligar, nem as pausas que costumo fazer, tão habituais quando vejo cinema em casa, consegui fazer, fiquei ali colado até ao último plano se fechar. Malick sugou totalmente a minha atenção, e se aos quinze minutos só pensava que era mais um filme dele, bom mas apenas mais daquilo a que nos vem habituando, o deslumbrar nunca parou de se elevar com o sentir emanado das imagens, dos atores e dos textos. Intenso, pura emoção cinematográfica, ou simplesmente, uma alegria melancólica.





"Song to Song" (2017) de Terence Malick

Mais do que em qualquer outro filme de Malick a câmara vagueia, sempre sem parar, mas não ilustra, antes nos abre uma espécie de acesso ao fluxo de consciência polifónico criado pelos diferentes personagens que nos permite aceder às suas vidas, passado e presente, alternativas desses e desejos futuros. A câmara está literalmente colada sobre os atores, estamos em constante confronto com os seus olhares, os seus braços e mãos, os seus cabelos, o seus sentires e pensamentos. Malick leva-nos para dentro do interior do humano, e apesar das centenas de locais magníficos mostrados — arquitectura, natureza, muita beleza deste planeta — é no ser humano que acabamos a focar-nos, como se tudo o resto não passasse de cenário, adereço. É o nós, seres como nós, que pensam como nós, sentem o que nós também sentimos, que duvidam de quem são, como nós, e querem descobrir o que são, querem descobrir porque são e o que podem vir a ser. O humano é a constante deste filme, mas talvez possa dizer mais que isso, é a dúvida, a dúvida do que somos. Um fôlego de tristeza perpassa todo o filme, tristeza sem tragédia, uma tristeza tranquila.

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