Tenho de dizer que a obra de Roth não se foca concretamente na história alternativa da Alemanha ganhar a Guerra, mas antes na alternativa dos EUA não participarem na Guerra. Mas logo aí acaba por ficar curta a digressão de Roth, já que o enredo acaba por avançar muito pouco. Em termos cronológicos somos encerrados num período de apenas 2 anos, entre 1940 e 1942. Roth foca-se assim mais sobre a possibilidade de um regime fascista poder tomar conta da “Terra da Liberdade”, transportando alguns dos eventos ocorridos na Europa para os EUA.
O livro tem a particularidade de fundir de forma muito rica o real e o ficcional alternativo, no sentido em que todos os intervenientes políticos são figuras reais da história americana, ao que se junta o facto da personagem principal, responsável por relatar o que está a acontecer, ser o próprio Philip Roth, na sua infância, dos 7 aos 9 anos. Ou seja, temos uma história alternativa impregnada de autenticidade vívida. Roth é judeu, nasceu em 1933 em New Jersey, e aí vivia no período relatado. Por isso a leitura ganha toda uma componente, apesar de paradoxal, autobiográfica, uma vez que Roth recorre às suas memórias reais para nos dar a ver o mundo dessa época pelos olhos de uma criança judia. Porque mesmo distante da Europa, seria inevitável para as crianças nos EUA que ouviam os pais comentar o que se passava na Europa, ver os jornais e as notícias nas salas de cinema, e não sentirem o peso dos eventos, da incerteza e nebulosa do que significavam.
Philip Roth com 9 anos, e a sua família: a mãe Bess, o pai Herman, e o irmão Sandy. New Jersey, 1942
O livro é de 2004 mas ganhou toda uma nova proeminência com a eleição de Trump em 2016. Muito sinceramente não vejo grande relação, ainda que o desenho da personagem e da eleição de Lindbergh se aproxime bastante do ocorrido com Trump, são tempos muito distintos, e na verdade são pessoas também muito distintas. É verdade que dá conta de alguma presciência por parte de Roth, mas mais relevante que isso, dá conta da sua enorme capacidade de observação e análise da sociedade Americana, da compreensão do que a move.
Como se não bastasse, a escrita de Roth é, como sempre, irrepreensível e puro deleite. Não sei como o consegue, nem como trespassa a barreira da tradução, mas ler, palavra atrás de palavra, atrás de frase, é um pouco como seguir o ritmo de um rio de água fresca em pleno verão escaldante, e de vez em quando pousar a mão sobre a frescura da água para sentir o interior de cada personagem.
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