"Her" (2013) é um filme capaz de exercer sobre nós o encanto de um enredo tão entrelaçado como só a literatura sabe fazer. É ficção-científica, sem show nem artifício, apenas realidade, uma espécie de naturalismo especulativo. A tranquilidade do discurso em conjunto com a leveza visual dos tons pastel, muito própria da filmografia de Spike Jonze, conduz-nos através de uma história sobre o amor em tempo de relações virtuais.
“Her” tem tanto de distopia como de utopia. O isolamento a que os seres humanos se deixam votar, empurrados pelo progresso do seu individualismo, numa sociedade higienizada pelo digital, dá lugar ao romance do impossível. O computador pessoal, que passa a assistente pessoal, assume agora o lugar da alma gémea.
Nada mais temos feito do que evoluir intelectualmente, desenvolvendo conhecimento sobre aquilo que somos enquanto seres conscientes, e à medida que nos conhecemos melhor, isolamo-nos cada vez mais. Assumimos a identidade, como um Eu, porque só nós nos podemos sentir. Só nós sabemos aquilo que sentimos, mas não sabemos porquê, e quando questionamos os nossos semelhantes, não lhes encontramos respostas. Por isso o caminho para a individualização torna-se uma necessidade do desenvolvimento do nosso auto-conhecimento.
Com todo o auto-conhecimento acumulado conseguimos recriar algo semelhante a nós, uma espécie de inteligência artificial que nos imita, aprende e cresce a cada interação connosco. Mas assim como nós nos isolámos, esta acabará por fazer o mesmo. Quando a capacidade para abstrair a realidade, e a procura por respostas atinge o limiar da consciência humana, a fuga interior é a única escapatória.
Em "Her" deixamo-nos levar pelo desejo racional da possibilidade latente nos seres virtuais de algum dia se tornarem reais. Mas sabemos que tudo está no mero reino da especulação sem sustentação. Enquanto formos consciências presas dentro de corpos perceptivos, a premissa de "Her" não se poderá realizar. A fuga para o individualismo é real, mas apenas num plano mental, o nosso corpo terá sempre uma palavra a dizer. Podemos até desejar a fuga, podemos até sonhar com o contacto entre duas consciências, mas o corpo exigirá sempre a sua parte. A nossa consciência não existe sem este, porque aquilo de que somos feitos, é o todo que o suporta, e não apenas uma teia de ligações neuronais.
Se me sinto triste, alegre, ou com medo, é porque a configuração biológica das minhas vísceras assim definem o meu sentir. Sem elas não passo de um sistema de lógica, incapaz de ser. O sentir é predominantemente corpóreo, o contacto humano é fundamental, o toque humano representa muito mais do que um mero contacto de pele.
Spike Jonze produziu uma obra brilhante, capaz de questionar a sociedade atual e as mudanças que esta atravessa. Apesar da problemática mente/corpo que aqui levanto, a fuga para o interior é uma realidade dos nossos tempos. O final do filme aponta algumas pistas, mas cabe a cada um procurar as respostas.
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Design de Interacção em "Her"
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