Carlos De Carvalho (38), é francês, filho de portugueses, nascido em Lille, França. Fez a sua formação de base numa escola de artes belga, a Saint Luc de Tournai, na área de ilustração e design gráfico (7 anos) e depois terminou a sua formação, em cinema digital (2 anos), na Supinfocom, Valenciennes, França. A sua recente curta de animação "Premier Automne" (2013) ganhou 15 prémios, em festivais um pouco por todo o mundo, de Tokyo a Buenos Aires.
Assim que vi a sua nova curta, “Juste de l’eau” (2014) quis imediatamente conversar com o Carlos. Porque se já tinha ficado imensamente impressionado com Premier Automne, agora parecia-me que as dimensões técnica e estética tinham atingido todo um novo patamar. Por isso trocámos várias ideias, e aqui fica o resultado dessa conversa.
1 - De onde veio a ideia para “Juste de l’eau”?
:: Para mim "Juste de l’eau" é um bom resumo do meu trabalho. O meu trabalho é muito baseado na interpretação que o espectador possa fazer dele. Responder cabalmente a essa pergunta seria como congelar a história do filme. Direi apenas que existe alguma da minha fantasia na ideia de que sou de Portugal, e muito do meu amor por este país.
2 - Como foi financiado o filme?
:: O filme é inteiramente auto-produzido, eu sozinho durante um mês de pré-produção, e depois três meses de produção com uma equipa de 6 pessoas.
3 - O estúdio JeRegarde é um estúdio independente, como é que vocês financiam o vosso trabalho?
:: Je Regarde é um coletivo que reúne muitos artistas de diferentes origens. Como Masanobu e Shino que trabalham e vivem no Japão, ou Andrea que vem de Itália. Os restantes membros são franceses. O financiamento dos nossos projetos é altamente variável. Por exemplo, "Premier Automne" recebeu apoio financeiro por parte das autoridades e de assistência a nível local e nacional (CNC).
No entanto, "Juste de l'eau", não teve qualquer apoio financeiro. Aconteceu tudo muito rápido. E a obtenção de subsídios é um processo muito longo e tedioso. Por isso alguns projetos podem ser montados sem financiamento por causa da flexibilidade e velocidade a que decorrem.
4 - Como está a produção de animação em França para jovens criadores? É um país que apresenta boas oportunidades a quem quiser deslocar-se, para aí fazer uma carreira?
:: Embora a obtenção de financiamento seja um processo longo e tedioso, em França temos um dos melhores sistemas de financiamento para curtas-metragens. Não acho que seja a melhor a pessoa para responder à pergunta sobre a vinda de criativos para França. O que posso dizer é que há um montes de oportunidades, porque França é neste momento o terceiro maior produtor de animação do mundo. Além disso, as escolas da área, pela qualidade da sua formação ganharam uma reputação internacional, exemplos como Supinfocom, Les Gobelins, La Poudrière...
5 - A julgar por um filme tão próximo de Portugal, gostarias de viver e trabalhar em Portugal?
:: Sim, se surgir a oportunidade, será um prazer viver e trabalhar em Portugal.
6 - Em termos estéticos, e percebendo que é uma marca de algumas animações tuas, o que buscas com aquele efeito de centrifugação da imagem? É apenas um efeito visual, ou tem algo mais subjacente?
:: A minha abordagem não é reproduzir a realidade, mas antes garantir a maior distância possível. Eu procuro todos os meios possíveis para extrapolar e expandir o meu universo, sem me fixar no realismo. Essa liberdade, e despreendimento, torna o meu trabalho muito mais fácil, pelo menos para mim. Estas perspectivas amplificadas, permitem-me colocar as minhas linhas de força onde quero, a fim de compor as imagens como pretendo.
7 - No teu filme anterior, "Premier Automne" essa técnica não está presente porquê?
:: "Premier Automne" é essencialmente um mundo vegetal em curva. A característica visual é principalmente sobre o fundo negro que absorve leves toques de vegetação. Este é um universo introspectivo e espectral. As perspectivas distorcidas são mais facilmente adaptadas às linhas retas como linhas de edifícios. Por outro lado, cada filme tem sua própria identidade e espero desenvolver um novo estilo visual para cada novo projeto.
8 - O que quer dizer o ganso morto nas costas do pequeno porco?
:: A primeira vez que vemos o personagem principal, parece que enfrentamos um anjo. O contra-campo corrige a percepção deste porquinho para nos mostrar um animal morto. Eu gosto deste contraste. Ajuda a diferenciá-lo dos outros porquinhos, e a tornar visível ao espectador a representação da sua alma morta. Também é importante para simbolizar o que leva da vida, e no final a esperança.
9 - Que técnicas e tecnologias foram utilizadas para a criação do filme?
:: Os personagens, as caravelas, e a água é tudo em 3D, feito com Softimage. O resto é feito a partir de ilustração 2D, com muita composição em After Effects. Tentamos otimizar o trabalho, há coisas que são mais rápidas em 3D, e por vezes outras são mais rápidas em 2D.
10 - Qual foi a cena mais complicada de compor?
:: Todas as cenas de multidão foram bastante complexas. Houve muita animação para gerir e colisões a serem evitadas.
11 - Existe algum detalhe técnico que te deixe particularmente orgulhoso neste filme?
:: Embora o plano seja muito curto, fiquei muito feliz com o resultado da dança dos porcos casados que se transformam em monstros. Esta foi uma técnica que eu gostaria de ter desenvolvido e ampliado ainda mais. Para mim o 3D é muito rígido, por isso quis encontrar alternativas para que os personagens pudessem evoluir na sua aparência.
12 - Qual é o futuro desta curta? Vais enviar para Festivais, TV, etc?
:: Sim, é isso. Embora eu ache que a prioridade desta curta-metragem continue a ser a Web.
13 - E tu, como vai ser o futuro, que projectos novos tens?
:: Fazer curtas-metragens é caro. Eu não posso fazer isto por tempo indeterminado, por isso preciso de alternar com encomendas da publicidade. Sobre os meus projetos futuros, tenho um monte de ideias que gostaria de desenvolver, mas uma coisa de cada vez.
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