janeiro 27, 2012

Estrangeiros (2012), estranhezas do absurdo

Né Barros na introdução do seu novo espetáculo de dança contemporânea, Estrangeiros (2012), estreado ontem à noite em Guimarães (CEC 2012), fala-nos da inspiração em O Estrangeiro (1942) um dos livros mais importantes de Camus, aonde ele espelha toda a essência da sua visão do mundo e da vida, definida pelos críticos como "a filosofia do absurdo".

"No seu deferir, estas figuras são deslocações ora de clichés de identificação ora de estranhezas genuínas comportamentais." Né Barros

O estrangeiro de Camus movimenta-se por entre o mundo de forma inconsequente, sem rumo nem sentido. Transborda da prosa a sensação de total estranheza face ao quotidiano, ao circundante e ao chamado real. E é isso que vemos na nova obra de Né Barros, uma demonstração contínua do absurdo do movimento do corpo, da total estranheza que percorre os movimentos menos familiares, aqui fortemente explorados. Os atores desdobram-se, transmutam-se, encolhem-se, esticam-se, em poses invulgares que despertam os nossos sentidos, e nos perturbam, tudo isto a movimentos rítmicos ainda menos comuns, numa espécie de staccatos do movimento corporal.

L'étranger (1946), Albert Camus


Em termos formais posso dizer que por momentos a meio da performance me senti remetido para o universo existencialista de Paris, Texas (1984) de Wim Wenders. Por toda a sua estranheza, também muito camusiana, por todo o isolamento, mas claramente pelos acordes sonoros emanados da guitarra a soar a Ry Cooder. Essa é das particularidades mais interessantes em toda a performance, a força da música, e em particular da guitarra eléctrica.


Paris, Texas (1984), Wim Wenders

O espectáculo abre com seis pessoas em cima do palco, cinco guitarras e um baixo, tocando poderosamente num ritmo hard-rock, os intérpretes (Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro e Pedro Rosa) abandonam as guitarras, mas em palco permanecem ao longo de toda a performance dois músicos (Alexandre Soares e Jorge Queijo). Um guitarrista com uma parafernália de pedais de efeitos, e um baterista, que para além de cuidar de uma caixa de efeitos electrónicos, por vezes toca bateria enquanto com um arco de violino toca guitarra. Por detrás dos músicos corre um panorama que tempos a tempos se ilumina e no qual se projectam traços e riscos interactivos sobre um fundo negro (João Martinho), que vão sofrendo distorções na relação com os performers, ora pela via do movimento ora pela via da voz e choro. Ao longo do espétaculo as cordas vão transmutando-se evoluindo para níveis mais pesados a roçar o trash metal, e a fazer lembrar Metallica dos anos 80, passando depois por momentos de estranheza psicadélica a evocar a ficção científica dos anos 70, progredindo para momentos da mais pura ambiance electrónica, e elevando-se no final sob a melodiosa e fina sonoridade de uma guitarra portuguesa. Tudo isto acompanhado pela projecção visual de formas que seguem interactivamente o que se passa em cena, sempre tudo totalmente envolvido por um desenho de luzes perfeito (Alexandre Vieira).


Nuve (2010), João Martinho Moura

Toda esta formalidade técnico-artistica é servida com excelentes performances de dança do absurdo, fazendo deste espetáculo um momento poderoso, a nível sensorial, capaz de nos envolver e transportar numa jornada existencial.

"Nem sequer tinha a certeza de estar vivo, já que vivia como um morto. Eu, parecia ter as mãos vazias. Mas estava certo de mim mesmo, certo de tudo, mais certo do que ele, certo da minha vida e desta morte que se aproximava. Sim, não sabia mais nada do que isto. Mas ao menos segurava esta verdade, tanto como esta verdade me segurava a mim. Tinha tido razão, tinha ainda razão, teria sempre razão. Vivera de uma dada maneira e poderia ter vivido de outra dada maneira. Fizera isto e não fizera aquilo. Não fizera uma coisa e fizera outra. E depois? Era como se durante este tempo todo tivesse estado à espera deste minuto... e dessa madrugada em que seria justificado. Nada, nada tinha importância e eu sabia bem porquê."
L'Étranger (1942:83) de Albert Camus

UPDATE 29 Janeiro 2012:
Adição de fotos do espectáculo de: luisferraz@balleteatro









direcção e coreografia Né Barros
música e interpretação ao vivo Alexandre Soares, Jorge Queijo
intérpretes Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro, Pedro Rosa
arte digital João Martinho Moura
desenho de luz Alexandre Vieira
adereços e figurinos Flávio Rodrigues e Né Barros
produção executiva Tiago Oliveira
parceiro Engagelab, Universidade do Minho
produção balleteatro
co-produção Capital da Cultura de Guimarães 2012, TNSJ

janeiro 24, 2012

Criar videojogos, não se faz a brincar

Não raras as vezes os criadores de videojogos são agraciados com piadas do género, "Trabalhas a fazer videojogos? Haaa então passas o dia a brincar!" Tal é o ridículo que durante muitos anos alguns criadores preferiram não revelar o que faziam à família e amigos, por saberem de antemão que seriam brindados com uma total incompreensão sobre o seu trabalho. Hoje as coisas estão mais leves, a sociedade aceita os videojogos como um produto artístico, que requer trabalho, e alguns sabem que requer bastante trabalho. Apesar de se irem encontrando ainda algumas pérolas.


Mas mesmo assumindo a arte como trabalhosa, talvez não saibam que muitas vezes quem trabalha nesta indústria passa por períodos de trabalho de uma brutal intensidade e complexidade, fazendo desta profissão uma daquelas que mais rapidamente rebenta com os seus trabalhadores causando o chamado burnout. Nesse sentido deixo-vos aqui duas descrições de momentos desses, separados por quase 25 anos a demonstrar que nada mudou em termos de trabalho criativo árduo nesta indústria.


Super Robin Hood (1986)

Philip e Andrew Oliver (1986)


Descrição do tempo passado a desenvolver Super Robin Hood.

"Although we were both filled with enthusiasm to write the game, we only had one computer between us at this point so it had to be shared. We were still working in a bedroom in our parents' house and our schedule was to do programming for 23 hours per day, with two breaks of half an hour to allow it to cool! We worked in shifts for 18 hours per day, seven days a week, eating while we worked. During the periods when we were both awake one had to prepare their code on paper, whilst the other used the computer. It was all worth the effort though because within a month we'd scored our first number one charting game. Following this success Codemasters wanted us to write more games as soon as possible!" [Fonte]



Super Meat Boy (2010)

Tommy Refenes e Edmund McMillen (2010)

Descrição dos últimos 2 meses de desenvolvimento de Super Meat Boy.

"Edmund: These two months were easily the worst months of my life.

The pressure, workload, and overall stress of development was extremely overwhelming. In those two months, neither of us took a single day off of work, working 10–12 hours a day, every day. There was a point at the end of development where I was getting less than five hours of sleep for several weeks. I remember having a breakdown in September where I actually thought I was stuck in some nightmare where I was repeating the same day over and over.

Tommy: Because we were so time-compressed, we were basically developing features during bug checking, which meant every single time I turned on the computer and checked the bug database, the work I did the night before was pretty much rendered irrelevant. I would work and fix 100 bugs in a night and get it down to 50, then wake up the next morning and have 200 bugs to fix.

This lasted for weeks and weeks. I felt sick, angry, and totally stressed. My parents were bringing me dinner because I literally didn't leave the house for those two months. I remember just saying to myself over and over, "Don't die until the game is done," because it was a real concern of mine. I felt miserable, my blood sugar was all over the place, but I absolutely had to press on and crush the bugs as they came up. I don't know if it made me stronger or not... all I know is that somehow I survived!

Edmund: I think both of us were trying to keep from the other just how bad things were getting to avoid stressing the other out any more then we already were.

I had many nights where I would tell my wife that I was done, that I didn't want to make the game anymore, that it wasn't worth it, and that I would gladly bow out and take the loss just to go back to my normal life. She would "talk me off the roof," I'd go to sleep, wake up five hours later, and repeat the same day again." [fonte]

janeiro 21, 2012

Off Book: "The Evolution of Music Online"

O 13º episódio da série Off Book trata as transformações ocorridas com o impacto da internet sobre a indústria criativa da música: The Evolution of Music Online. É um pequeno documentário que vos abrirá o apetite para verem um documentário que trata este assunto em maior profundidade, PressPausePlay (2011).
As the 90s came to a close, the business of music began to change profoundly. New technology allowed artists to record and produce their own music and music videos, and the internet became a free-for-all distribution platform for musicians to promote themselves to audiences across the world. The result was an influx of artists onto the cultural scene, and audiences were left wondering how to sort through them all. In this episode we discuss these massive changes, and reveal how music blogs and websites have arisen as the new arbiters of quality.
"the potential new forms of art, and new forms of creativity that we didn't even think were possible, are just around the corner"





Episódios anteriores da série Off Book
1 - Light Paint
2 - Type
3 - Visual Culture Online
4 - Steampunk
5 - Hacking Art 
6 - Street Art
7 - Etsy Art & Culture
8 - Video Games
9 - Fashion of Artists
10 - Generative Art
11 - Product Design
12 - Book Art

janeiro 19, 2012

Entrevista com Nuno Caroço - Composite Artist

Nuno Caroço é artista de Composição Digital, nasceu em Lisboa em 1975, mas vive no Porto. Formou-se em Artes Plásticas na ESAD.Cr (Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha). Trabalha há mais de 10 anos em composição digital com After Effects. Encontrei o seu trabalho por acaso no Vimeo, e chamou-me a atenção pela qualidade técnica, e sensibilidade visual. Troquei umas palavras com ele via Facebook e resolvi realizar-lhe uma entrevista para o Virtual Illusion.


1 - Que hobbies tinhas em miúdo?
:: Principalmente pintar! Mas desde pequeno ia com o meu pai ao cinema, via animação na TV, visitava museus e exposições. Mas foi o Cinema, o acto de ir ao Cinema e vê-lo numa tela que me inspirou profundamente mais tarde.

2 - Podes dizer em que empresas trabalhaste até aqui, tens vídeos ou imagens do trabalho que lá fizeste. Ou podes apontar os artefactos em que trabalhaste?
:: Tendo em conta que as empresas com as quais colaborei não me autorizam a mostrar o trabalho que lá realizei, prefiro não especificar. Posso adiantar que trabalhei para a indústria nacional de animação e visualização 3D.



3 - Como é que chegaste até esta qualidade de trabalho? Auto-didactismo, workshops, ou cursos superiores? 
:: Muito sinceramente, acho que a qualidade do trabalho está diretamente ligada ao esforço e prazer que retirei do contacto que procurei estabelecer desde cedo com a cultura visual, estética e a sensibilidade artística. Quando comecei, havia pouco divulgação sobre o AE em Portugal, portanto grande parte dessa aprendizagem foi auto-didacta. Confesso que foi muito benéfico o facto de não haver assim tanta informação disponível, fosse através de outras pessoas, manuais ou tutoriais. Assim não houve espaço para maus hábitos e vícios de aprender apenas por tutoriais, descarregar e copiar projectos e presets. A incógnita pode ser compensada por algo muito valioso, a experimentação.
Mas ao longo deste tempo fiz vários workshops online e tive a sorte de ter um curso superior que incidia muito sobre a experimentação prática e na exploração de muitas técnicas no campo das artes plásticas e tentei sempre manter esse workflow no meu trabalho pessoal.



4 - Acreditas que aquilo que fazes se deve mais ao trabalho e à quantidade de investimento e dedicação ou é fruto do facto de teres nascido com um talento específico para esta área?
:: É uma questão muito interessante, Nelson. Eu trabalhei imenso e investi ainda mais na minha formação em todos estes anos, ponho o talento de algo de lado porque penso que o que definimos como talento é muito relativo e subjectivo. Acima de tudo foi a dedicação, paixão, insistência e luta nos maus momentos e como falei acima o gosto em "sujar as mãos" experimentando às cegas com o software.



5 - Porquê o AE? Que outras ferramentas utilizas sem ser de composição, e de que modo são importantes para o teu trabalho?
:: Existem 2 razões por ter escolhido o After Effects: A primeira pela versatilidade de cenários em que se pode usar. A segunda razão e para mim a mais importante, enquanto que outras aplicações de composição estão preparadas para criar imagens tecnicamente "perfeitas" o After Effects consegue fazer algo único, que é criar imagens artisticamente apelativas, fazendo o "shot" conquistar a audiência. É a cereja em cima do bolo! :)
É sem dúvida essencial trabalharmos com outras aplicações que complementem a nossa ferramenta principal. Para além do óbvio (Photoshop), trabalho com software dedicado a tracking, rotoscopia, color grading e gestão de media.



6 - Achas que o AE deve ser categorizado como um software low-end, em comparação com por exemplo o Nuke? Ou seja acreditas que o AE é uma ferramenta na qual ainda se deve investir, em vez de avançar para as chamadas high-end?
:: Acho que se deve olhar essa primeira questão racionalmente e sem olhos de "fanboy", que é o que muitas vezes acontece. São AMBOS softwares "high-end" e o Nuke não possui os todos os pontos fortes e capacidades do After Effects, da mesma forma que o AE não possui tudo o que o Nuke possui. São ambos softwares fantásticos, que se soubermos utilizar corretamente no workflow se complementam de forma muito sólida. Por essa razão as maiores casas de Visual Effects não utilizam um em vez do outro, mas sim os dois em sintonia. O After Effects (entre outros softwares evidentemente, como o Nuke) foi exaustivamente utilizado no Avatar, penso que o mérito visual desse filme, marca neste momento a fasquia à qual o After Effects pode chegar.
O AE tem um custo muito mais baixo em relação a outros softwares concorrentes e é muito mais versátil. Isso é sem dúvida uma mais valia, mas penso que no final, a escolha do investimento deve ir para um pensamento cuidado do cenário, funções e workflow em que se vai aplicar. A minha opinião profissional é que pequenos estúdios de visual effects podem ganhar imenso e fazer face a uma concorrência de casas maiores utilizando o After Effects, conseguindo assim um produto final muito polido, de aspecto profissional, e com um custo de produção muito inferior.



7 – O que te motiva a trabalhar em composição digital? Estar sempre à procura do último grito tecnológico como é o caso do teu vídeo Flux?
:: É simplesmente conseguir fazer parte de um acto de magia, por assim dizer! Pegar em elementos de meios diferentes e combiná-los para criar algo absolutamente novo e apelativo, que possa deslumbrar e conquistar a audiência. Sem dúvida que as integrações real com CG são as que têm os mais interessantes desafios técnicos, mas que também requerem um bom olho artístico. Mas é puro prazer artístico, que no caso do Flux foi aliado ao gosto pela experimentação técnica de uma nova ferramenta disponível.


8 - O que te parece Portugal neste campo da criação artística, em que ponto estamos? O que podemos fazer? O que podes dizer às pessoas para enveredarem por este campo?
:: O que vou apontar, vai deixar alguns ofendidos, mas penso que Portugal tem excelentes criativos "técnicos" e pessoas muito dedicadas e trabalhadoras, mas também maus artistas e demasiada pretensão. Perdemos mais tempo a ver o tipo de trabalho na moda lá fora e tentar fazer igual ou parecido mas pior executado, do que esforçar-nos para fazer uma coisa genuína, artística e tecnicamente bem feita, ainda que não chegue imediatamente a um grande número de "likes".
Joshua Davis quando esteve cá na Offf 2009 deu-nos uma bela achega sobre isso, mas penso que não atingiu muitos. Até mesmo os plágios, chamados por alguns de "inspiração" são muitas vezes mal executados. Penso que temos que mudar atitudes, e começar por gostar da nossa história visual mais antiga, que apesar de pequena face a outros países é muito rica. Conhecer o que se faz lá fora, sim, mas também o que se faz cá dentro, não guardar o conhecimento só para si, comunicando e trocando ideias, experimentar, não ter medo de falhar e de não agradar. Sermos honestos com o nosso trabalho, continuar a lutar e a criar sem estar à espera da última moda ou tutorial em voga!
O meu trabalho pessoal é pequeno, não me considero assim tão grande talento ou artista, e quase não sou conhecido no meio, mas luto para ser sincero com o meu trabalho e pela sua qualidade.


9 - O que estás a fazer neste momento em termos profissionais, trabalhas apenas em formação ou fazes trabalhos freelance? 
:: Neste momento estou a trabalhar como freelancer, não só em formação, mas em pós-produção, são duas áreas que gosto bastante e acredito que a formação é a melhor forma de partilhar o meu conhecimento e se possível contribuir para a evolução do mercado.
O mercado nacional em Post Production está limitado a poucos estúdios e alguns destes, ainda preferem soluções económicas baseadas em tutoriais e presets de plugins que podem ser realizadas por pessoal inexperiente na área, a ter por exemplo alguém com conhecimento dedicado em Post e na análise das necessidades de cada projeto.
Tenho esperança no entanto que este cenário mude, mas todos precisamos de mudar, desde as empresas investirem em talento dedicado, até a nós contribuirmos com conteúdos mais originais, e trabalharmos para a qualidade e originalidade dos mesmos.

janeiro 17, 2012

Dead End Thrills, a fotografia do virtual

Duncan Harris é inglês e foi editor da EDGE entre 2005 e 2008 depois disso tornou-se jornalista de videojogos em freelance. Tem uma licenciatura em Guionismo para Cinema e Televisão e um mestrado em Engenharia de Software. Este é o background que explica em parte a excelência e o sucesso the Dead End Thrills.

"I suppose it's like being handed a postcard of a place you've never seen photographed. If the only concept of a place you have is the view from the ground - from your own eyes - seeing it with those constraints removed can be pretty mindblowing" Duncan Harris
Dead End Thrills é o site onde Duncan Harris publica o seu trabalho como fotógrafo, não de vida selvagem ou desporto, mas de mundos e personagens que "vivem" dentro dos videojogos, ou seja, de mundos virtuais. À partida não parece nada de especial, até porque já temos a Fotografia Promocional que é feita pelos estúdios, temos todo o mundo do Machinima, e até um protótipo de um jogo baseado na simulação do foto-jornalismo de guerra, Warco. Aliás existe mesmo outro fotógrafo que dedicou algum tempo a esta ideia de fotografar dentro dos videojogos, o Kent Sheely, que o nosso P3 muito bem entrevistou.




Apesar de já existir tudo isto Duncan Harris é diferente. A fotografia promocional é feita numa base meramente publicitária, e com pouco investimento na recolha de imagens. O machinima está mais preocupado com o movimento, do que com o enquadramento. Warco é um jogo, em que em vez de atirarmos balas, tiramos fotografias. Finalmente Kent Sheely que é um precursor na arte, acabou por deixar para trás esta sua experiência, além de que estava totalmente focado na fotografia em multiplayers em tempo-real.




Duncan Harris, também fotografa em tempo real, mas o seu melhor trabalho não é feito em tempo real. A sua formação em engenharia, permite-lhe entrar dentro dos jogos, fazendo uso de várias ferramentas de software, para eliminar tudo o que não lhe interessa como os HUDs, as personagens jogáveis e não jogáveis, tomar conta das câmaras do jogo para poder obter os melhores ângulos e os melhores momentos para capturar com a iluminação pretendida.




Duncan refere que o que lhe tem dado mais trabalho tem sido a renderização em profundidade dos jogos mais recentes que possuem uma enorme quantidade de detalhe que fica escondida por razões de processamento durante a jogabilidade regular. Chega a dizer que já queimou várias placas gráficas para levar ao limite a qualidade que pode extrair dos jogos, correndo em resoluções de 2160p que não são propriamente testadas pelos fabricantes. Daí que tenha conseguido mesmo um acordo com a NVidia testar e utilizar as suas placas gráficas. Para saber mais sobre as tools e as configurações, podem visitar o site, ver em cada fotografia, ou na FAQ.




Claro que não chegaria ter conhecimentos de engenharia de software para fazer o que faz, a sua formação em arte, e a sua sensibilidade, são a chave de tudo aquilo que atrai os nossos olhos. Duncan diz-nos que não faz fotografia, prefere chamar-lhe "videogame tourism" ou até "videogame pornographer". Como nos diz, no seu trabalho procura manter as imagens obtidas praticamente inalteradas face àquilo que foi criado pelos artistas. Para tal realiza trabalho em profundidade para capturar ângulos e perspectivas do que de melhor encontra nos jogos, como diz,
"Where things get fun is when you start tapping into what makes photography so interesting, like how you can create or embellish the narrative of a scene. What I want to do in Skyrim, for example, is stand on top of the tallest mountain in the driving snow, an epic vista in the background, going one-on-one with a dragon, fending off its fiery breath with one hand. "

Mas como ele diz, isto não é normalmente visível desta forma dentro do jogo, porque no momento em que este plano acontece, estamos a lutar pela sobrevivência, a levar com as chamas na cara, ou quase a cair por um precipício abaixo, o que impede o jogador de gozar o momento. E é por isto mesmo, que acredito que a "fotografia dentro do jogo", ganha toda uma nova e interessantíssima relevância.

Para além do blog podem ver mais imagens de cada set no Flickr.

janeiro 16, 2012

A Good Wife (2012), subtileza visual

A Good Wife (2012) é uma curta de animação do ilustrador canadense W. Scott Forbes. Sendo um excelente ilustrador, como poderão ver no seu site, criou um objecto poderoso em termos visuais, mas para além disso com uma enorme coerência visual-narrativa, alternando os tons em função das subtilezas narrativas com que nos vai arrebatando ao sabor da progressão da história. Como ilustrador trabalha muito melhor a câmara do que a animação, mas soube gerir muito bem essa componente, reduzindo-a ao minimo necessário, aumentando o caracter minimalista da estética do filme.


O filme ganha imenso pelo minimalismo narrativo com que apresenta a história, porque com isso embebe cada um dos quadros, sim quadros, com uma força dramática tremenda. A música ajuda na criação da atmosfera, sente-se o espaço, sente-se a pessoa, a culpa, a traição, a humanidade. É um filme que se degusta, e quando acaba, voltamos a repetir.



História e tecnologia do primeiro Videojogo

Este artigo é um excerto de um capítulo work-in-progress, do livro História, Tecnologia e Arte dos Videojogos em Portugal (ver projecto) que deve ficar pronto na Primavera, mas provavelmente só sairá no final deste ano. Publico aqui este excerto em desenvolvimento para que possam dar feedback, e possam ver o caminho que o livro está a tomar. Não falo ainda aqui da história portuguesa, pois estou aqui apenas a contextualizar o aparecimento dos videojogos, para depois entrar directamente na nossa história.

Não é possível definir exactamente quem criou os videojogos, ou quem criou o primeiro videojogo. Primeiro porque a própria ideia de jogo já existia antes de chegar ao formato digital. Ou seja, a ideia de criar objetos lúdicos não surge com a tecnologia digital, esta é antes uma extensão da actividade ludológica. Uma atividade que vem desde os primórdios da produção de cultura e tecnologia por parte dos seres humanos. Segundo porque como nos diz Kevin Kelly, em “What Technology Wants?” (2010), o processo natural da evolução tecnológica, leva a que cada nova tecnologia surja como uma inevitabilidade, como que empurrada pelas tecnologias que a precedem. Neste caso os videojogos estão intimamente ligados ao aparecimento da computação, mas mais do que isso, são fruto de um caldo combinatório de quatro ciências base: a Matemática, a Electrónica, a Computação e a Comunicação.

Réplicas dos comandos utilizados no jogo Tennis for Two (1958) de William Higinbotham

Assim em 1947 os físicos americanos Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann submeteram a primeira patente de um sistema electrónico de diversão chamado de Cathode-Ray Tube Amusement Device. Existe a discussão sobre o real valor deste experimento enquanto videojogo, e para mim a razão pela qual se coloca a hipótese deste projecto, é dupla: a primeira explicação surge do facto do projecto ter sido patenteado e por isso ter sobrevivido, diferentemente de muitas outras invenções que desapareceram; a segunda razão porque faz uso de um tubo de raios catódicos, o elemento base do ecrã de televisão.

Simulação gráfica de um tubo de raios catódicos

Eu não o considero um videojogo. Esta aplicação era antes de tudo o mais um brinquedo electrónico, que possuía a particularidade de permitir brincar com luz dentro de um tubo, aumentando ou diminuindo a voltagem injetada. Apesar de fazer uso de um tubo de raios catódicos, como poderão ver na imagem acima, isso não faz do sistema um ecrã gráfico. Ou seja o sistema não possuía capacidade para apresentar qualquer representação gráfica, sendo apenas capaz de emitir luz dentro do tubo. Além disso não podia potenciar uma programação capaz de permitir níveis de interactividade acima da mera reactividade. Deste modo podemos apenas considerar esta invenção como um brinquedo, ainda que electrónico. Aliás, bastaria olhar para o nome dado à patente, para se ficar com esta ideia mesmo.

Emulação em PC, do videojogo OXO ou Nought and Crosses (1952) de A.S. Douglas

Em 1952 A.S. Douglas fez a primeira implementação, conhecida, do Jogo do Galo num computador. Nought and Crosses foi criado num dos primeiros grandes computadores da história da informática, o ESDAC, percursor britânico do americano ENIAC. O seu objectivo era demonstrar questões de Interacção Humano-Computador no âmbito do seu projecto de doutoramento. Em termos de objeto de jogo, regras ou arte, o jogo do galo, nada mais era do que a simples emulação do jogo de tabuleiro já existente. O artefacto era constituido por um ecrã com uma resolução gráfica de 35×16, e o controlador das acções do jogo, ou por onde se inseriam as jogadas, era um comum disco de números de telefone analógico. Na imagem acima podemos ver uma emulação totalmente gráfica do sistema. A inovação introduzida adveio do lado da Inteligência Artificial, do facto de o jogador poder passar a jogar sozinho, ou melhor, contra uma máquina, não precisando de um segundo humano para jogar. Não era apenas o jogar sozinho, mas era jogar contra algo "inteligente", algo que podia ler as jogadas do jogador, "aprender", e jogar de acordo com as mesmas, assim como com as expectativas das próximas jogadas. Ou seja, não se tratava da máquina apenas ir colocando cruzes nos espaços vazios de modo aleatório, mas tinha de o fazer em consequência, ou seja criando um verdadeiro ciclo de interactividade entre o jogador e a máquina.

Computador EDSAC, 1949 

Este jogo demorou a chegar ao conhecimento público, porque para além da máquina ser enorme, existiam poucos computadores iguais, daí que tenha apenas ficado no conhecimento de quem assistiu à defesa de doutoramento de AS Douglas, e que provavelmente ligaram mais às questões de IA do que propriamente da criação de um pequeno jogo do galo.

Imagem da exposição realizada em 1958, onde se pode ver destacado Tennis for Two 

Em 1958 William Higinbotham, director da divisão de Instrumentação do Brookhaven National Laboratory, cria algo verdadeiramente novo em termos de jogo, apesar da sua representação gráfica continuar a evocar um jogo tradicional. Aliás o próprio nome dado ao jogo, Tennis for Two, é levado nesse sentido. Contudo o que aqui temos é a criação de algo a partir da imposição tecnológica, ou seja o artefacto até se pode assemelhar ao jogo de ténis, mas na verdade é um objeto lúdico completamente novo.

Tennis for Two, reconstruído de raiz para a comemoração dos 50 anos em 2008

Aliás a ideia de Higinbotham não terá partido do desporto de Ténis, mas antes das visualizações dos cálculos de balística que eram realizados no laboratório com computadores analógicos e que se serviam dos monitores dos osciloscópios para apresentação das representações gráficas. Com as instruções para a representação de balística e mísseis, criou toda uma nova representação gráfica, que lembrava um jogo de ténis, e construiu dois controladores para controlarem, as balas, ou melhor a bola.

Nesta imagem pode ver-se quando a bolsa se aproxima do obstáculo, ou rede no meio do campo

A sua ideia foi criar algo que permitisse às pessoas interagir de perto com a tecnologia exposta nas visitas anuais à exposição organizada pelo laboratório, que normalmente estavam centradas na apresentação de cartazes e maquinaria, sem qualquer interação. Higinbotham centrou-se na ideia de tornar a exposição mais divertida, “it might liven up the place to have a game that people could play, and which would convey the message that our scientific endeavors have relevance for society". Desse modo a apresentação de Tennis for Two aconteceu em 18 de Outubro de 1958, tendo levado à criação de filas com centenas de pessoas que desejavam também sentir aquela nova experiência. Estava criada mais uma semente para uma nova arte.



Vídeo no qual se pode ver Tennis for Two (1958) a ser jogado

Ao contrário de OXO, o que é novo não é o processamento da máquina, aliás continuamos a precisar de dois seres humanos como no jogo físico. O que é novo é que temos um artefacto electrónico a mediar uma experiência lúdica entre dois seres humanos. Não precisamos de correr, ou investir fisicamente, para obter a experiência cognitiva do ténis, podemos fazê-lo pela primeira vez de uma forma totalmente simulada. Uma simulação que por ser mediada pela tecnologia decorre em tempo real, e consegue aproximar a experiência simulada do real.

Em termos históricos interessa ainda salientar que esta inovação de Higinbotham representa a semente original daquilo em que viria tornar-se a real indústria dos videojogos. Ou seja este seu artefacto viria a ser mais tarde emulado por Raph Bauer, e depois novamente por Nolan Bushnell e Allan Alcorn criando assim o primeiro grande sucesso da arte dos videojogos, Pong (1972). Apesar de Raph Baer autodenominar-se o inventor do conceito de Pong, isso não é propriamente assim, como podemos aferir pelos dados apresentados, que acabam por mais uma vez dar razão à "inevitabilidade tecnológica". Aliás o processo esteve em tribunal, no qual Higinbotham foi chamado a depor, mas acabou por ser decidido em acordo exterior ao tribunal, para evitar os gastos com advogados, como se pode ler numa das notas deixadas por Higinbotham.

Spacewar (1962) de Steve Russell

Nos anos 1959 a 1961 uma equipa de investigadores do MIT - Wayne Witanen, J. Martin Graetz e Stephen R. Russell - todos com cerca de 25 anos, começaram por explorar a criação de videojogos com no computador TX-0. Terão desenvolvido no sistema do TX-0 dois jogos, Mouse in the Maze e Tic-Tac-Toe. No primeiro desenhávamos um labirinto com a caneta no ecrã, e espalhávamos os queijos pelo labirinto, e depois competia ao rato encontrar os queijos. O segundo era o normal jogo do galo já implementado por Douglas como vimos antes.

Mas foi quando chegou a laboratório destes investigadores, no MIT, a primeira máquina PDP-1 em 1961, que algo de extraordinário na história dos videojogos aconteceu. Esta equipa já com algum treino na criação de jogos no TX-0, decidiu traçar objectivos para o uso da potencia do novo PDP-1, para tal definiram os seguintes parâmetros para a criação de uma nova aplicação informática:
1 - Deve demonstrar o máximo de recursos do computador possíveis, e levar esses recursos ao limite.
2 - Fazendo uso de um quadro de trabalho, deve ser interessante, no sentido em que cada vez que se usa deve ser diferente.
3 - Deve envolver o interactor de um modo activo e prazeroso -- em síntese, deve ser um jogo
Ou seja, Spacewar (1962) vai nascer do impulso tecnológico e da vontade exploratória de maximizar essa tecnologia, o que poderá ter sido responsável pela forma como o videojogo surge numa direcção explicitamente nova e diferente de qualquer objeto lúdico que existia até àquele momento. Mas não só, pela primeira vez um jogo não nasce da influência de outro jogo tradicional, mas antes de um conjunto de elementos culturais, nomeadamente literários.  J. Martin Graetz refere como grande influência no desenho de Spacewar, a obra The Skylark of Space (1946) de Edward E. Smith. Uma obra de ficção científica escrita nos anos de ouro da FC literária, tendo primeiro sido publicada pela Amazing Stories, e só depois mais tarde agregada em formato de livro.

 The Skylark of Space (1946) de Edward E. Smith

O gameplay de Spacewars consiste em cada jogador controlar uma nave nas extremidades do ecrã, com uma estrela no centro que exerce uma força de gravidade sobre as naves, e ao mesmo tempo protege dos tiros do outro jogador. Ou seja os jogadores precisam de evitar a força de gravidade da estrela que os atrai e destrói, e ao mesmo tempo evitar ser morto pelo outro, assim como precisam de matar o outro para ganhar o jogo. Em termos históricos e técnicos, temos uma fusão entre OXO com a máquina a ser capaz de reagir de forma inteligente à interacção do jogador, mas temos ao mesmo tempo o uso do multiplayer, com dois jogadores, como já nos tinha sido apresentado em Tennis for Two.

Spacewars (1962) de Steve Russel
Esta história continua com o surgimento dos Microprocessadores em 1971, e das Consolas em 1972, mas isso já é toda uma outra história.

janeiro 15, 2012

Manifesto para uma vida criativa

"Pouse o comando, levante-se do sofá e faça algo…" a isto as pessoas têm tendência para responder, "Mas eu não sei desenhar, escrever, ou tocar qualquer instrumento". Assim começa o Manifesto do Right Brain Terrain.


É aqui que reside o dilema, um dilema criado pela era dos Mass Media, que nos falam todos os dias das grandiosas coisas criadas por grandiosas mentes. Que criam celebridades instantâneas, graças a processos de amplificação garantidos pelo canal um para todos.


Décadas disto levaram a que em vez das pessoas aprenderem com os exemplos, passassem a adorar esses exemplos, secundando-se enquanto capazes, enquanto criadores. Existe uma clara diminuição da capacidade criativa de cada um, através da diminuição do indivíduo, que acaba por acreditar que para ser alguém, precisa de ser reconhecido pelo tal poder mediático.


David Gauntlet vai ao ponto de visualizar este impacto numa curva demonstrativa da atividade criativa diária das comunidades. Podemos discordar, é verdade que não temos dados para suportar esta curva, mas se fizermos as contas à média de horas de visionamento televisivo ao longo da segunda metade do século XX, ficaremos surpreendidos.

Fica o manifesto digitalizado directamente do livro de notas de Frederic Terral.




[Ideia a partir de Brain Pickings]