Fallout 3 (2008) terminado. Quando saiu joguei apenas até sair do Vault 101, voltei depois a investir mais algum tempo até encontrar a vila Megaton, nada mais do que isso. Achava a interface do jogo demasiado complexa, e o modo de combate rígido e muito errático. Agora resolvi pegar-lhe de novo e dedicar-me a tentar terminar a
main quest, tendo-o feito com um total de 16 horas, o que é perfeitamente normal, mas dá conta do facto de ter evitado completamente as
side-quests.
Porque demorei tantos anos a chegar ao final? A razão principal tem que ver com a confusão entre géneros de jogo.
Fallout 3 apresenta-se inicialmente como um normal jogo de acção 3d em primeira-pessoa, com possibilidade de jogar em terceira, e isso faz com que o jogador procure usar lógicas cognitivas de resolução de jogos desse género. O grande problema é que
Fallout é muito mais RPG do que jogo de Acção.
Começando pelo elemento essencial à progressão no jogo, o modo de combate, este está desenhado para nos obrigar a jogar segundo uma lógica RPG. Ou seja, quando tentamos progredir no jogo apenas combatendo em tempo real, o normal em jogos de acção, simplesmente não conseguimos, não acertamos, morremos facilmente, e daí que muitos, como eu, tenham desistido pouco depois de sair do Vault, já que é quando as necessidades de combate a sério começam a ser necessárias. Assim
Fallout só se torna verdadeiramente jogável se optarmos por combater através do chamado V.A.T.S. (
Vault-Tec Assisted Targeting System), o sistema
turn-based de
Fallout 3. Através destes sistema somos obrigados a realizar os combates de modo estratégico, e não simplesmente em modo
shooting. Ainda assim e por estar muito bem desenhada a progressão de jogo, inicialmente o V.A.T.S. vai parecer complicado, mas quanto mais o utilizamos mais gostamos dele, até que se torna a nossa segunda natureza dentro do jogo.
V.A.T.S. (Vault-Tec Assisted Targeting System)
Ainda dentro da ideia RPG, se o V.A.T.S. é vital nas lutas, o Pip-Boy 3000, que é uma espécie de PDA, é o cerne de toda a jogabilidade. Se o V.A.T.S. se torna na segunda natureza dentro do jogo, é porque o PIP-Boy 3000 é a primeira camada dessa natureza. Sim, porque a camada de acção directa em tempo real sem HUD surge apenas como terceira camada do jogo. Para alguns pode ser motivo de afastamento, mas é a natureza do jogo.
Fallout nasceu como RPG, a sua terceira encarnação deu um passo grande no sentido dos jogos de acção e aventura 3d, mas as suas raízes não foram apagadas, o seu fundamento de jogabilidade continua a ser RPG, sendo a acção em tempo real mais dada à criação de atmosfera e progressão narrativa.
Depois de termos interiorizado esta ideia da jogabilidade RPG com narrativa de acção-aventura, o jogo ganha todo um novo encanto, porque abre um enorme leque de possibilidades, impossíveis de realizar em jogos exclusivamente RPG ou acção-aventura. O mundo gigantesco navegável de
Fallout 3, filtrado por um sistema complexo de regras do design de jogo, permite desenvolver uma vastidão de possibilidades, que dão ao jogador a sensação de liberdade como nunca antes sentiu em qualquer outro jogo. Mesmo quando comparado com GTA, o facto da jogabilidade possuir um enorme conjunto de regras que alicerçam todas as nossas acções, e essas regras poderem ser agenciáveis pelo jogador, faz disparar o nível de interactividade, e logo de sensação de liberdade no jogo.
Em
Fallout 3 as escolhas começam antes de nascermos, já que podemos escolher nascer como menino ou menina, daí em diante todas as escolhas que fizermos irão ditar o nosso modo de agir sobre o mundo. Sem ser um sistema binário de escolhas A ou B, vamos percebendo que o mundo se dá a nós consoante as várias opções que vamos fazendo, tanto na estratégia do desenho do personagem através dos sistemas Personalidade (S.P.E.C.I.A.L. - Strength, Perception, Endurance, Charisma, Intelligence, Agility, Luck) e Competências (Skills), como na forma como decidimos interagir com os outros personagens dentro do universo, como ainda nos modo como decidimos completar cada uma das atividades que encontramos pela frente. O nosso jogo define-se segundo as nossas acções, nós somos responsáveis pelo jogo que estamos a jogar, porque ele reflecte aquilo que escolhemos ser naquele universo.
Pip-Boy 3000, menu das competências (Skills)
Pip-Boy 3000 menu da personalidade (SP.E.C.I.A.L.)
Relativamente ao universo ficcional temos uma atmosfera fantástica, embora ao fim de algumas horas se comece a sentir o seu peso, por ausência de variabilidade, demasiado verde acastanhado, e também o facto do jogo ser de 2008 não lhe permite apresentar atributos visuais em termos de definição gráfica que compitam com trabalhos mais recentes. Ainda assim continua a produzir o seu encantamento, muito graças ao detalhe da estética centrada no universo visual americano dos anos 1950, assim como as vozes de grandes actores, como Liam Neeson, Malcolm McDowell ou Ron Perlman. A verdade é que depois de entrarmos dentro da lógica do jogo, dificilmente conseguimos esquecer o universo, que nos vai atormentando a mente várias vezes ao longo dos dias, quando não estamos a jogar.
Atmosfera de Fallout 3 renderizada em 2014 através de sistemas técnicos modificados. Mais imagens.
Quanto à história, é bastante interessante, não sendo nada de novo, pós-apocalipse com seres humanos que se mutaram por força da radioatividade gerada pelas explosões nucleares. A narrativa segue a lógica do duplo-enredo, em que por um lado procuramos o pai do nosso personagem e por outro tentamos salvar a humanidade através de um elemento base da vivência neste planeta.
Comparando com
Metro: Last Light (2013), temos aqui um sistema de jogo bastante mais complexo, mais trabalhado e enraizado na narrativa, por outro lado
Metro: Last Light é atmosfericamente mais denso e rico. Claro que
Fallout 3 por ser aberto permite uma liberdade de exploração e criativa completamente impossíveis em
Metro: Last Light. Ainda assim são dois belíssimos jogos para quem gostar de universos pós-apocalípticos.