fevereiro 09, 2018

Boom Digital? Crianças (3-8 anos) e Ecrãs (2018)

Já está disponível o novo livro "Boom Digital? Crianças (3-8 anos) e Ecrãs" (2018) publicado pela ERC. Em 2016 a professora Cristina Ponte lançou um projeto no qual se pretendia conhecer os usos de meios eletrónicos por crianças dos três aos oito anos em Portugal, os resultados surpreenderam e foram publicados no ano passado no ebook "Crescendo entre Ecrãs" (2017). Para este novo livro, a professora convidou vários investigadores para refletir sobre os resultados, aprofundando tópicos como: a educação, a família, a parentalidade, a infância, os media digitais e os jogos digitais.


Agradeço o convite realizado pela Cristina Ponte para participar nesta reflexão, que muito me honra, tendo em conta todo o trabalho que vem realizando nos últimos anos neste domínio da relação entre os media e as crianças. Assim, no meu texto — Jogos digitais na infância — procurei analisar os dados encontrados e contribuir para uma abordagem crítica dos mesmos, nomeadamente desfazer alguns fantasmas e alarmismos que vêm sendo propalados. Interessou-me dar algumas respostas sobre as razões porque geram tanto fascínio os videojogos junto das crianças, e ao mesmo tempo lançar uma abordagem de análise que se desligue da distinção entre género (feminino e masculino), e opere mais a partir da distinção entre jogos competitivos e cooperativos.

Recomendo a leitura do estudo, e dos vários capítulos de reflexão sobre o mesmo, pois servirão para construir uma sociedade mais consciente da realidade, menos receosa e mais capaz de aproveitar o potencial que os media digitais, e os jogos também, possuem na formação das nossas sociedades.

Podem descarregar o livro completo também em PDF.

fevereiro 05, 2018

Submissão (2015)

O melhor, sem dúvida a premissa, é muito boa, atual e irreverente, questiona tudo aquilo que somos, põe a nu muitas das verdades que assumimos como imutáveis. O bom, a escrita escorreita, direta, editada e com algum ritmo, ainda que sem nunca deslumbrar. O pior, tudo o resto, principalmente o vazio, ou desconhecimento da História, Ciência e vou mesmo ao ponto de dizer que até sobre o Humano, fica aquém do conhecimento expectável num escritor.


Foi o primeiro livro que li de Michel Houellebecq, não conhecia o autor para além de saber que era francês e tinha provocado a ira com o lançamento deste livro, não apenas porque há décadas a França vive uma relação complexa com os muçulmanos dada a relação criada com a colonização da Argélia, entre outras colónias, mas porque o terrorismo islâmico global atingiria a França com grande intensidade, escassos dias após o lançamento do livro, com o massacre de quase toda a redação do jornal Charlie Hebdo. Pela categorização do autor que fui lendo, um intelectual mal-amado e melancólico, parti para este livro com a ideia de que o professor universitário, protagonista do livro, era decalcado do autor. Só no final, porque Houellebecq o declara num agradecimento a uma professora universitária, me apercebi que Houellebecq não terminou os seus estudos superiores, e pelo que li entretanto, não porque não pôde mas simplesmente porque não quis.

Foi bom ter acreditado que Houellebecq espelhava o seu lado pessoal na personagem, pelo menos nunca deixei que o preconceito, quanto ao facto de o autor não conhecer a vida académica, contaminasse o meu sentir pelo que lia. Contudo, ao chegar ao final, e ler aquela declaração ajudou-me a compreender muito melhor o desenho do personagem, e por arrasto de todo o livro. Ou seja, o mundo de Houellebecq é indistinguível do personagem/professor universitário, ambos completamente irreais, ainda que aqui e ali se encontrem traços descritivos de grande acuidade, mas no geral, sente-se uma enorme distância entre a realidade e a fábula criada. Isto podia não ser um problema, quisesse Houellebecq verdadeiramente efabular, mas a mistura com personagens reais da política francesa, assim como instituições concretas, e mesmo nas poucas entrevistas dadas, foi sempre passando a ideia de um autor que quer acreditar, e fazer acreditar, nos cenários que descreve.

A favor, Houellebecq tem o facto de ter nascido na Argélia, e de os pais se terem desligado dele, segundo ele próprio conta na sua biografia, e que fundamenta a mudança de nome. Nascido Michel Thomas, na Argélia, seria mandado para Paris para viver com a sua avó, passando a ter contacto muito reduzido com os pais, daí ter adotado o sobrenome da avó. Tudo isto surge perfeitamente representado na pele do personagem François. Mas é também tudo isto, e agora fazendo uma interpretação psicológica, que embasa todo o texto com uma raiva latente, trazendo para a superfície do livro a sensação de que todos lhe devem: os pais, a família, as mulheres, a escola, o estado, o mundo. Por outro lado, este mau-estar do personagem, provavelmente advindo do próprio autor, acaba por criar uma espécie de anti-herói, que tem servido para nos dar papéis muito interessantes. Não posso deixar de referir que a meio do livro senti Camus presente entre as linhas, mas foi apenas uma leve passagem, Houellebecq está muito distante dele. Apesar de terem ambos nascido na Argélia, e se servirem de personagens que apresentam uma indiferença existencial, para mim, Camus fá-lo numa busca por se compreender a si mesmo, enquanto Houellebecq o faz porque não conhece mais nada.

Indo à essência. A premissa era brilhante, uma França, coração da Europa, governada sob um regime muçulmano. Futurologia, porque escrito em 2015 relatando dados ocorridos em 2022, mas ao mesmo tempo, história alternativa, tal como “O Homem do Castelo Alto” (1962) de Philip K. Dick ou “A Conspiração Contra a América" (2004) de Philip Roth. Mas tal como esses, fica aquém porque se centram em meia-dúzia de factos históricos, um par de dimensões societais, e alguns sentimentos esteoreotipados. O outro, aqui o Islão e os Muçulmanos, surge como algo que vem de fora, totalmente diferente, mas ao mesmo tempo igual, e facilmente assimilável. Pouco ou nada se diz sobre a essência dos regimes islâmicos, usam-se focos de ideias propaladas pelos media, e pouco mais. Onde está a cultura secular islâmica? Onde ficaram os problemas que vivem no dia a dia os milhões de muçulmanos? Onde está o sentir da Mulher muçulmana? Onde ficaram as revoltas que apenas uma pequena ponta do aqui descrito incitariam? Onde estão as forças de intervenção necessárias à imposição de tudo o que aqui se propala?

É verdade que Houellebecq nos diz que o mundo é apresentado segundo a perspectiva de um professor universitário que vive na sua bolha. Doutorado em literatura, conhece apenas os livros, os escritos, neste caso vive para a obra de Huysmans. Mas um livro não é apenas um personagem, menos ainda se esse personagem não tem nada para dizer. Não é porque ele é professor universitário, nem porque fez uma tese de 800 páginas, isso não faz dele um francês da elite, e por outro lado, o que nos é dado sobre ele também não faz dele um personagem das classes sociais francesas. No fundo, François é apenas Houellebecq, e tudo no livro é apenas sobre Houellebecq e o seu mundo. O que diga-se, é pobre e não chega para sustentar tanta maledicência. Voltando a Roth e K. Dick, ambos usaram as fábulas para questionar a realidade e as suas transformações, no caso de Houellebecq, ainda que se possa tentar ler aqui uma proposta de alteração do paradigma civilizacional, nomeadamente um destronar da ciência e um regresso a um passado religioso, é tudo tão simplista que impede o livro de sair do registo de mero panfleto jornalístico.

janeiro 29, 2018

Projetual sim, mas não em modo exclusivo

"Lifelong Kindergarten" (2017) é o mais recente livro de Mitchel Resnick, professor do MIT Media Lab e criador do Scratch, sobre o qual devo começar por dizer que não é um livro de ciência, é um livro de divulgação de ciência. Neste sentido, e apesar de ter o selo da MIT Press, vem juntar-se ao livro “Whiplash” (2016) de Joi Ito (diretor do MIT Media Lab), que também se foca mais no dar a conhecer e menos nos fundamentos. Seguem ambos um mesmo padrão: escrita leve, escorreita, sintética, que podemos ler muito rapidamente para conhecer contornos gerais. Contudo, se tive críticas a apontar a Joi Ito, Resnick não passa incólume, não por seguir a mesma abordagem de divulgação, mas antes pela filosofia de base que suporta o que dizem, e que apresentam ambos, como se fossem caminhos únicos, sem alternativa, que todos deveríamos seguir. Também não será aqui, num texto de blog, que poderei desmontar e contra-argumentar, estou a escrever artigos mais longos ligados ao assunto, que mais tarde aqui darei conta, mas para já deixo algumas das linhas gerais suscitadas por esta leitura.


Começando pelo melhor, temos um sumário do trabalho de Resnick, daquilo que veio a dar-nos o Scratch, não apenas a ferramenta, mas a Comunidade Scratch, que é o culminar de um esforço iniciado por Papert há quase 40 anos, que Resnick soube muito bem continuar. Deste modo, talvez o mais importante do livro seja a apresentação e discussão, que perpassa todo o livro, sobre a criação e gestão das Computer Clubhouses, ou seja os clubes em que as crianças aprendem a programar, entre outras atividades ligadas às tecnologias. A filosofia de base é o melhor do livro, professa a visão de Resnick, que não sendo nova, pode e deve servir àqueles que desejem enveredar por este tipo de associações ou grupos de aprendizagem. Tenho sido um seguidor de Papert e Resnick desde sempre, e muito do meu fascínio com o seu trabalho está ligado à filosofia que suporta estas comunidades de crianças e que assenta no brincar, no aprender fazendo, no colaborativo e na partilha.

As "computer clubhouses" de que Resnick fala surgiram com as primeiras comunidades de hackers de informática, mas nunca desapareceram, antes se diversificaram, existindo hoje não apenas os clubes, mas também os eventos de congregação como as Hackathons, Codefests ou Game Jams.

Indo agora ao pior, ou o problema que tanto me incomodou: a monodirecionalidade da abordagem, que acaba parecendo-se mais com uma religião, com as suas crenças de que é possível fazer tudo com o mesmo “martelo”, mesmo quando se reconhece que as crianças são todas diferentes. Resnick reconhece as diferenças entre crianças mas não reconhece a diferença entre métodos de ensino, e isso é um problema grave. Não porque não os conheça, mas simplesmente opta por ignorar os mesmos, e defender o seu modelo como caminho único. O elefante no meio da sala de Resnick, é a defesa intransigente do construcionismo quando sabemos que nem todos os conteúdos são adaptáveis a essa abordagem de ensino. Quando sabemos que a forma e a estrutura é apenas uma parte de um todo, que tem de ter um conteúdo e um significado. Pensar que se pode ensinar tudo por meio de estratégias projetuais é no mínimo ingénuo.

Só que o problema agrava-se, e bastante, quando Resnick chega ao seu 4º e último “P”, o do “Play”. Para suportar a sua preferência pelo conceito de “playfulness” em vez de “play”, Resnick vai suportar-se nas vivências de Anne Frank durante o tempo em que esteve presa. Considero este momento marcante em toda a leitura, porque dá conta do paradoxo apresentado ao longo de todo o livro. Resnick diz-nos que aprendeu mais sobre o conceito de Play a partir da visita que fez à casa de Anne Frank, em Amesterdão, do que a partir da conferência sobre tecnologias de videojogos em que estava a participar nessa cidade. Pode parecer uma banalidade, e até pode parecer suportar a ideia que o autor quer defender, mas contém a essência da limitação da abordagem construcionista.

Ou seja, Resnick não chega à compreensão do conceito abstrato de Play por meio da construção de projetos, mas por meio da leitura que fez do livro de Anne Frank, por meio da exposição aos sentires, preocupações, enfados, e essencialmente pela descrições que ela realiza nesse livro e nos permitem ficar a conhecer a sua personalidade. Mas é ainda mais grave, porque Resnick foge à essência da base educativa fornecida pelos pais de Anne Frank. Resnick foca-se no modo como Anne passava o tempo encetando projetos para entreter o tempo, a sua atitude brincalhona, e em nenhum momento faz referência às centenas de livros que Anne Frank, a irmã e os pais liam. Sim, porque Anne Frank só escreveu o livro que escreveu, porque lia muito, muito mesmo. E se tinha uma imaginação fértil, era porque esta era alimentada com o mundo que lhe entrava pelas janelas dessas páginas. Se Anne Frank tivesse sido educada na base do método aqui apresentado por Resnick, exclusivamente assente na realização de projetos, nunca se teria tornado na escritora que ainda conseguiu ser antes de desaparecer prematuramente.

Eu faço referência a isto porque já tinha acontecido alguns capítulos antes, quando se compara o Scratch com uma caneta que permite expressar ideias (a comparação é boa, o problema é a base). Resnick fala na necessidade de treinar a escrita, de treinar a comunicação, mas nunca refere a necessidade de ler, ler para conhecer factos, conhecer mundo, para poder expressar algo significativo. Porque essa é a essência dos problemas de muito daquilo que se pretende rotular de criativo. Criar não é apenas estrutura, dar forma, “pôr a funcionar” ou “pôr bonito”, criar é dar sentido à realidade. Basta olhar para os primórdios do Cinema e ver os filmes feitos por engenheiros, ou uma boa parte dos jogos digitais ainda hoje criados por equipas constituídas exclusivamente por informáticos, para compreender que não chega ser capaz de fazer, nem fazer bem. Até mesmo na literatura, basta ver o que fazem autores como Pedro Chagas Freitas, que escrevem centenas de livros e ainda dão workshops de escrita criativa. Se não existe conteúdo para colocar dentro, não existe comunicação. Quem não é exposto e confrontado com os sentires do mundo, quem não consome, analisa, discute e critica, não cria verdadeiramente.

Dito tudo isto, deixei o texto parado para refletir sobre o que tinha escrito, o que me obrigou a repensar o que tinha escrito, dado o enquadramento geral da área da Educação. Na realidade, a discussão em redor da aprendizagem é um território terrível no qual as trincheiras estão muito bem definidas, e não existe muito espaço para o meio-termo. Se Resnick discursa desta maneira não é por acaso, ele tem razão na maior parte do que diz, e não diz nada de errado, apenas omite o outro lado. E omite porque nesse outro lado, existe um conjunto de ideólogos prontos a disparar a todo o momento. Em Portugal isto é bem conhecido, apresentam-se como demonizadores daquilo que eles definem como “Eduquês”, o seu maior expoente, Nuno Crato, chegou mesmo a Ministro da Educação, e vimos no que deu. No entanto, depois de quase escorraçado, e ter passado por um pequeno período de silêncio, ainda por estes dias voltou a dar um ar da sua graça, lançando fel no texto: “Eles hoje aprendem de maneira diferente… Ah é?!”.

Para fechar. Sou grande defensor da abordagem projetual, e continuarei a ser, só não quero é que esse caminho seja visto como exclusivo. Esta abordagem para funcionar plenamente, e permitir a criatividade brotar com sentido, precisa de ser suportada por muita exposição e confrontação de ideias. No fundo é aquilo que já hoje usamos nas nossas universidades, que distingue aulas teóricas de teórico-praticas e laboratoriais. O trabalho projetual é essencial para que o aluno cresça, ganhe autonomia, colabore com os pares e desenvolva competências, mas antes disso acontecer tem de ser exposto aos múltiplos conceitos teórico-abstractos do domínio.

janeiro 24, 2018

Neve (2002)

“Neve”, de Orhan Pamuk, saiu em 2002, mas foi escrito entre abril de 1999 e dezembro de 2001, e isto é importante pelo que aconteceu a 11 setembro de 2001, um evento que marcaria a consciência do ocidente, ou melhor, a falta de consciência do ocidente para com o Médio Oriente. Depois disso os media ajudaram a que todo o ocidente se tornasse especialista em terroristas, bombas, ataques suicidas, extremismo, pobreza e pouco mais. Para compreender do que falamos, quando falamos da Turquia, Irão, Síria, Iraque, Egito, Palestina os curdos, os sunitas, etc. etc. é preciso ler, e é provável que a melhor leitura para conhecer não seja a não-ficção escrita por jornalistas e historiadores com um olhar de fora, mas antes a ficção por romancistas que ali nasceram, e sentem aquilo de que falam. Digo tudo isto para deixar claro que “Neve”, sendo um livro magnífico, requer abertura para a discussão política, e acima de tudo, para a aceitação do outro.


Pamuk trabalha a partir de uma base mágico-realista, situando os acontecimentos numa pequena vila do noroeste da Turquia, Kars, que bem podia ser imaginada, mas não o é. Kars existe, e dado o seu caráter fronteiriço tem pertencido a regimes distintos em função das vontade do tempo, ao longo de séculos. No livro, serve de palco para uma cidade tipicamente turca, na qual se debate o secularismo, ou seja o estado laico contra o estado religioso (ajuda se tivermos presente algumas ideias sobre o país, ligando o passado desenhado por Ataturk aos problemas que se vivem agora com Erdogan, ou tendo imagens de cinematografias como as de Nuri Bilge Ceylan ou Kazim Oz). O lado mágico surge pelo enquadramento criado, já que quase tudo acontece aquando de um grande nevão que deixa a cidade isolada, lançando-se a confusão entre as fações — religiosos contra laicos, que por sua vez se dividem em comunistas e nacionalistas — os habitantes e os media que os seguem. Os media são aqui fundamentais, desde logo porque o jornal da cidade prevê o futuro, ou seja cria manchetes do que vai acontecer no dia seguinte.

Pamuk vai então socorrer-se do cenário montado para sem qualquer pudor colocar o dedo na ferida, desferindo ataques pertinentes na relação entre a Europa (particularmente a Alemanha que tem sido o grande destino de muitos imigrantes turcos) e a Turquia, entre o Estado e a Religião, falando da posição da mulher nas diferentes culturas, do suicídio, da democracia, do jornalismo, da arte, questionando preconceitos e modelos mentais da realidade que todos nós vamos construindo. Por vezes quase sentimos como que Pamuk puxando-nos as orelhas, alertando para a existência de um outro. Mas Pamuk não filosofa apenas, tudo isto é muito bem acompanhado por doses racionadas de enredo, carregado de crime, amor e paixão.

A trama na narração é particularmente bem estruturada, existindo um cuidado com os detalhes que nos toca. Por exemplo, o narrador avisa sempre previamente se um personagem que entra em cena deverá morrer mais à frente, o que gera em nós um misto de sensações, como que se o autor não nos quisesses impressionar com a surpresa. Por outro lado, no que toca as redes de paixões Pamuk tira-nos o tapete, brinca com as nossas emoções, surpreende, levanta-nos a ira. Ou seja, o romance tem muito para dizer, mas nem por isso se limita a dizer, fá-lo envolvendo emocionalmente o leitor, prendendo-o àquele mundo, subjugando-o às suas necessidades. Existe um traço melancólico enfatizado pela neve e pelo isolamento da vila e das vidas de cada personagem que caracterizam a atmosfera e a tornam muito particular, por isso a meio do livro e quando fora das suas páginas, damos por nós invariavelmente a pensar “quando volto para Kars?”.

A escrita impressiona, embora como o tema, não é para todos os gostos. Pamuk é bastante verborreico, e nesse sentido consegue por um lado fazer-me lembrar de autores como Jonathan Franzen, mas ao mesmo tempo e talvez ainda mais, Garcia Marquez e a sua Macondo, por toda a verborreia misturada com toda a ação constante, mais todos personagens e as suas desfocagens da realidade. “Neve” funciona como uma espécie de fábula imparável em que o protagonista, um poeta acabado de passar por uma crise de inspiração, recomeça a escrever, mas não nos fala, chega-nos por meio de um romancista, que tem o mesmo nome de Pamuk, e que está a escrever um livro sobre esse poeta. Ou seja, “Neve” é um livro de poemas, dentro de um livro sobre o autor desses poemas. Sim, existe aqui algo de pós-moderno, mas pouco, eu diria que depois do belíssimo “O Meu Nome é Vermelho” (1998) Pamuk quis fazer algo mais clássico ainda que emoldurado por artifícios pós-modernos.
“Se me meter num romance passado em Kars, gostaria de dizer ao leitor que não acreditasse em nada do que lá escreve a meu respeito ou a respeito da gente de Kars. De longe ninguém pode compreender-nos.

janeiro 21, 2018

Dishonored 2 (2016)

O principal atributo do primeiro "Dishonored" (2012) assentava no game design, nomeadamente o impacto do level design na emergência narrativa (ler análise). Nesse campo “Dishonored 2” mantém a elegância do primeiro, aprimorando e refinando toda a abordagem. Em termos menos bons, temos a história, pouco instigadora, desfocada, incapaz de nos agarrar. De modo que não subsiste muito para dizer, além do que já foi dito sobre o primeiro, a não ser que é bom, com um design por vezes brilhante, mas incapaz de superar o primeiro pela ausência de uma boa história.



O problema da história começa desde logo pelo universo, algo exótico, criado para o primeiro jogo, uma espécie de steampunk com espadas, com o qual já na altura tive alguma dificuldade em me conectar. Ainda assim, no primeiro, tínhamos alguns valores universais em jogo no campo das relações entre os personagens, que puxavam facilmente pela nossa empatia. Neste segundo volume o universo mantém-se, mas falta essa teia entre os personagens, que acaba por contribuir para a fragilização dos mesmos, demonstrando uma falta de volição dos mesmos, que contribui para uma história menos eficaz.



Se no primeiro volume, dada a inovação do modelo de jogo, a história podia até dar-se ao luxo de não ser tão trabalhada, neste segundo volume, isso não era opção. Como falámos ainda esta semana, a propósito de "Wolfenstein II: The New Colossus" (2017), a história faz toda a diferença quando o gameplay é aquele que já conhecemos. Ainda que gostemos dessa jogabilidade, se não houver uma motivação que atribua significado ao que estamos a fazer, o engajamento dificilmente acontece.

O melhor mantém-se então no campo da jogabilidade, do que se pode fazer, mas essencialmente nas escolhas sobre o como se pode fazer. Cada jogador determina em cada momento o modo de jogo — stealth, combate, com ou sem poderes, etc. — por meio das suas ações, não existem seleções, não existem alterações de fundo, são as ações do jogador que determinam o que acontece no jogo, dada a sua capacidade emergente. Destaco dois níveis como os mais impressionantes nesse campo, e valem por todo o jogo: um castelo em que as salas se movem em 360º, modificando completamente a jogabilidade a cada passo; e um mais perto do final, em que viajamos no tempo, alterando coisas no presente e passado, que afetam o desenrolar do jogo.

Através da ferramenta Transition in Time, temos acesso ao Fold Timepiece, que nos permite ver simultaneamente o passado e presente, por meio de uma janelinha, abrindo um poderoso espaço à inovação do game design.

Diga-se que os quebra-cabeças criados nos vários níveis nos dão a volta à mente, e por isso não admira que tenha demorado tanto tempo a terminar este jogo. É para ser ir jogando e admirando. E se o universo escolhido não é o meu preferido, nem por isso posso deixar de elogiar o belíssimo trabalho de direcção de arte que nos vai enchendo os olhos ao longo de toda a experiência.

janeiro 18, 2018

Wolfenstein II: The New Colossus (2017)

Não joguei o primeiro, essencialmente porque os FPS não são o meu tipo de jogo, mas de tanto ouvir falar da narrativa deste segundo, acabei por o comprar e jogar. Valeu a pena, apesar da montanha-russa de tiros e sangue, entre cada uma das sessões de shooting é-nos oferecido um filme, que ainda que cortado às postas, apresenta enorme peculiaridade, nomeadamente extravagância e excentricidade, valendo toda a experiência. Mas fica a nota, este é mesmo um jogo para M18, a loucura é pouco sã!


No campo do FPS, não sendo grande jogador tenho de dizer que senti enorme fluidez na ação, o level design é muito bom, a ponto de mesmo em grande velocidade praticamente nunca me perder nos ambientes, conseguir seguir os caminhos esperados, sem ter de estar sempre a recorrer a mapas. Por outro lado, não gostei do mapa providenciado, é pouco claro e ajuda pouco, não fosse o design extremamente intuitivo dos níveis e poderia ter-se estragado uma boa parte da experiência. No geral, temos cerca de uma dezena de níveis com boa diversidade, incluindo missões em submarinos, barcos, esgotos, ao ar livre, em prédios abandonados, incluindo mesmo uma passagem pelo planeta Vénus!




Relativamente a ações de jogo, é um FPS, por isso sobra muito pouco para além dos tiros. Ainda assim existe alguma progressão nas armas disponibilizadas, e nos movimentos que podemos executar (com as chamadas “contraptions”), o que eleva o interesse na jogabilidade. Aliás, não posso deixar de enaltecer o primeiro nível pelo facto de jogarmos numa cadeira de rodas, algo que já foi um meme no passado, apontando o dedo à falta de diversidade dos videojogos. A 2/3 é-nos dada a possibilidade de conduzir um enorme cão robótico, o Panzerhund, que lança fogo e a diversão é total pela quase invencibilidade que se nos oferece, ainda que seja uma experiência curta. No campo das armas é possível fazer upgrades, mas o controlo dado ao utilizador neste campo é muito reduzido. Aliás, toda a lógica de RPG parece surgir nas interfaces do menu, contudo fica-se pela amostragem da progressão, não permitindo ao jogador desenvolver esse campo.

Mas se “Wolfenstein II” é recomendado, é-o pela história e sua representação. Estamos nos anos 1960, nuns EUA alternativos, dominados pelo regime Nazi, somos colocados na pele de um soldado americano, William Blazkowicz, com um background rico em emocionalidade familiar, e somos lançados aos lobos para salvar o país, para fazer a revolução e libertar os EUA. A linha condutora é simples, mas começa desde cedo a mostrar que tem muito mais para dar, desde logo quando somos atirados por meio de flashbacks para o passado de Blazkowicz, mas são imensos os detalhes ao longo de todo o jogo que nos vão agarrando e mostrando que estamos perante um jogo distinto. Temos um Hitler representado de um modo asqueroso nunca antes visto, temos mulheres negras líderes, temos grávidas em luta taco a taco com homens, viagens no espaço, temos Frankenstein, temos sangue, muito sangue, mas temos essencialmente muita diversão, muito humor negro, tudo isto misturado com muito, e bom, heavy-metal.

Posso dizer que fiquei imensamente contente com o jogo porque aponta o dedo, com uma força terrível a John Carmack, e à sua visão do valor da história para os videojogos, refletida na célebre afirmação — “Story in a game is like a story in a porn movie. It's expected to be there, but it's not that important.” — a propósito de “Doom” (1993). No caso de “Wolfenstein II”, não é apenas importante, é o mais relevante do jogo, é aquilo que nos faz atravessar nível atrás de nível. O humor negro não me permite criar uma grande relação com os personagens, ainda assim sente-se, com o passar do tempo, que vamos conhecendo melhor cada um deles, vamos nos habituando aos mesmos, e sentindo a sua “companhia”.

Porque se não existiu grande esforço em desenhar a relação da jogabilidade com as cutscenes — como dizia acima, podemos ver uma espécie de filme, visualmente sumptuoso, entrecortado por "túneis de tiro" — a verdade é que a escrita dos personagens, e as relações entre eles, estão tão bem desenhadas que sentimos o jogo como um todo, e não como mero artefacto que junta jogo e filme. No final do último nível, sentimos vontade de voltar ao mundo de “Wolfenstein II”, de encarnar novamente Blazkowicz e ir atrás dos restantes “Uber commanders”, se bem que os acordes de “We're Not Gonna Take It” dos Twisted Sister, aqui num cover dos Veilröth, ajudam a sentir todo esse ânimo.

janeiro 12, 2018

O Lobo das Estepes (1927)

Li-o tarde demais. Se o tivesse lido durante a crise existencial do fim da adolescência, altura em que li “Siddhartha” (1922), teria sentido o mesmo inebriamento,  aquele que surge pelo questionr do Eu, do Nós, da Existência. Também sei que se voltasse a “Siddhartha”, já não encontraria o encanto desses outros tempos. “O Lobo das Estepes” é menos dirigido à edificação, e mais à descrição da alienação, da insatisfação com a sociedade, o outro e o próprio, do isolamento da realidade, e até uma tentativa de fuga pela porta do suicídio, ainda que meramente apresentada como caso limite, sem o devido questionamento.


A escrita é boa no sentido em que tem uma enorme fluidez e até alguma erudição, mas ao mesmo tempo sinto-lhe algo estranho, uma simplicidade excessiva, talvez pelo discurso, que procura colocar tão claro o que se sente, que por vezes não parece estar a falar do interior psicológico, de assuntos complexos, mas de algo tão elementar, como carregar um saco de batatas de um lugar para o outro. Foi uma sensação estranha, e era algo que já tinha sentido, e ainda recordo, de “Siddhartha”, tanto que nessa altura, lembro-me de ter questionado se aquilo não teria sido um relato encontrado algures pelo autor, dada a simplicidade emanada das descrições de questões que tinha, e tenho, como complexas, oriundas de um conjunto de escritos budistas.

Talvez o melhor do livro tenha que ver com a fuga ao dualismo que o título e o início do livro apresenta, entre o homem e o lobo. O homem seria o lado bom, ou normal, adaptado às vicissitudes da vida em sociedade; já o lobo, seria o lado mau, profundamente crítico e isolado dessa sociedade. Quase terminava a leitura por causa desta introdução, mas Hesse redime-se quando abre o discurso, e nos diz que somos feito não de duas, mas de muitas mais almas, ou facetas, não dez nem cem, mas mil, as que forem necessárias: “tentar explicar um indivíduo tão diferenciado como Harry segundo uma ingénua divisão em lobo e ser humano consiste numa tentativa desesperadamente infantil. Harry não se compõe de duas naturezas, mas antes de centenas, de milhares delas.”

Hesse vai então usar esta sua abordagem pela multiplicidade dos Eus para propor aos leitores a redenção ou cura do mal estar da alienação, ainda que tudo isto não passe de uma racionalização desenvolvida quase como um processo de auto-ajuda: “Àquele que vivenciou a fragmentação do seu eu demonstramos que em qualquer altura pode voltar a combinar os pedaços segundo a ordem que desejar, obtendo assim uma infinita variedade de possibilidades no jogo da vida. Da mesma forma que um escritor cria um drama a partir de uma mancheia de personagens, também nós, com recurso às peças do nosso «eu» decomposto, construímos sempre novos grupos, com novos jogos e expectativas, com eternamente novas situações. ”

janeiro 11, 2018

Cowboys Youtubers

O Nuno Markl já tinha colocado o dedo na ferida, agora foi a vez da Ana Galvão falar do incómodo sentido com os chamados YouTubers. Não todos, não são os que falam de livros, viagens, cinema, moda, maquilhagem, e muito mais, são uma pequena minoria, que não falam de nada, que apenas gritam, disparam asneiras em modo automático, insultando tudo e todos. Mas porquê falar disto quando a rede de internet é um espaço aberto, e vivemos num país que preza a liberdade de expressão? Porque temos um problema.


1 - Existe um excesso de policiamento do politicamente correto em tudo o que é media, cultura e política. Contudo no mundo do YouTube é o vale tudo, verdadeiro “faroeste”, ninguém controla, nem ninguém quer saber. Ou talvez não seja bem assim…

2 - Porque sendo mau, podíamos viver com esses cowboys na rede da Google. O problema só se agrava porque este faroeste não está ali contido, passou para a realidade do nosso quotidiano, desde logo porque existem marcas a patrocinar estes “cowboys”. Ou seja, as marcas consideram aceitável o que eles fazem, e pagam. Marcas de todos os níveis, desde produtos a espaços, como revistas dedicadas, e até “livros”, mas também Comic Cons e Centros Comerciais que promovem todo o tipo de contacto no mundo exterior ao YouTube. São estes que ao oferecer palco mediático lhes limpam a imagem, e os tornam iguais a qualquer outra celebridade.

3 - Agrava-se porque o público dos "cowboys youtubers", está bem definido, e não é um nicho, é a massa de crianças dos 8 aos 13 anos, que mesmo que não tenha conhecimento ao navegar na rede, é levada a conhecer, pelo fator de pressão social a que estão expostos nas nossas escolas. Não podemos esquecer que são um público em idades de formação, logo com um sentido crítico muito residual. Daí que o rótulo de celebridade oferecido pela sociedade só pode levar a que as crianças que seguem estes cowboys percam as balizas do que é e não é aceitável.

3 - Porque, além das marcas, temos os pais que acarinham estes Youtubers, muito provavelmente sem o saberem, porque não se levantam e não reagem, mas pior do que isso, fazem fila com os filhos para ir buscar um autógrafo, porque pelos filhos tudo vale a pena, e um "cowboy" de olhos azuis e ar lavado, bonitinho, não pode ser uma má influência.

4 - E quarto e último, os restantes media. Sendo altamente críticos de todos aqueles que ousam passar a linha noutros meios, têm ignorado totalmente o problema, não se discute, não se fala, faz-se de conta que não existe um elefante enorme na casa dos portugueses. Sim, porque não se pode só esperar que sejam os pais a alertar para o problema, é preciso criar conhecimento e sentimento na comunidade sobre o que se passa ali. Afinal para que servem os Órgãos de Comunicação, são ou não garante da Democracia?


Ou seja, a culpa não é dos Youtubers, é da sociedade que não se levanta para tecer qualquer crítica. Sei bem que muito por receio do novo, do desconhecido, com medo de meter o pé na argola. O próprio Markl quando falou disto pela primeira vez, foi imensamente atacado. Mas a verdade é que os nossos filhos estão muitas vezes sentados no sofá, ao nosso lado, de fones nos ouvidos, olhos vidrados no pequeno monitor do telemóvel, a ver algo que nunca permitiríamos que vissem no grande ecrã da sala.

Vi entretanto que o Markl escreveu, por estes dias, um novo post de revolta contra estes Youtubers, e acabou com a possibilidade do seu filho continuar a seguir os Youtubers. Se inicialmente tinha lançado o alerta, agora fechou de vez a porta. Parece ser um primeiro passo para uma mudança da perceção na sociedade.

janeiro 06, 2018

Entrevista com o criador de "Storyseeker" (2017)

"Storyseeker" é um minijogo muito interessante, desde logo porque coloca em evidência a principal relação existente entre os jogos e as narrativas. Uma narrativa é sempre um jogo, no sentido em que move as crenças do recetor para a busca de evidências que comprovem as suas teses sobre o mundo ficcional. Ao longo de um filme ou livro, passamos todo o tempo a lançar hipóteses sobre o que vai acontecer a seguir, de modo que a narrativa se dedica a gerir as nossas expectativas e tensão por encontrar as respostas. O jogo funciona num modo parecido, só que em vez de facilitar o acesso às respostas, coloca-nos obstáculos para aceder às mesmas.




Neste pequeno jogo, Miles Äijälä apresenta tudo isto num modo muito simples, tornando evidentes estas caracterizações de jogo e história. "Storyseeker" não é mais do que um grande mapa, no qual foram distribuídos elementos, peças de um puzzle maior, que é uma história. Deste modo, jogamos, ao tentar ir a todo mapa, e ao tentar juntar os elementos, formando o puzzle, e entretemo-nos com a história que vamos apreendendo à medida que vamos montando puzzle mentalmente. Sim, não difere daquilo que hoje conhecemos como walking simulators, mas o facto de o assumir em título, torna-o interessante, nomeadamente do ponto de vista do metajogo.


Falei com o Miles, que é um artista visual de videojogos, a arte visual de "Storyseeker" assim o demonstra, e questionei-o sobre os objetivos e conceitos por detrás da criação do jogo. Talvez não seja má ideia experienciarem primeiro o jogo, está online e é gratuito (Windows, Mac e Linux), e lerem a entrevista depois.


1 - How did you get to the idea?
R - Originally Storyseeker was supposed to be a quick two week experiment to create a minimalistically simple game. (The scale of it kinda got out of hand over the following 6 months…) The core of it stayed true to the original idea, though: a game where the only mechanic is walking around, and the only thing to do is exploration.
I’m a big fan of non-combat games, and as a dev, focusing on a single idea made the game quicker to make in that original 2 week plan. As I kept making more and more art assets, I started asking questions about the random things I drew and coming up with little stories of where they came from. That’s how it expanded—in order to have a cool footprint in the desert, I had to draw a giant statue who laid that footprint, and then the place where it came from, and so on and so on. Pretty soon I realised that this is what the game really is about, following the stories of where all these creatures and land formations come from or go to.

2 - How do you see the interrelation between games and stories?
R: I see games as an excellent storytelling medium. I mostly play narrative-driven games, but I think there’s stories pouring out of every type of game. Completing a level is a story of success, dying against impossible odds is a tragedy… Good games notice this and play up that story through their presentation and mechanics. 
In terms of the narrative-driven games, as it’s been stated by many sources, their unique strenght is how players can experience stories themselves, instead of just reading about it or watching it happen. I think this quality makes them especially suited to tell stories of places and events, as opposed to the more classical narratives about characters that we’re used to in traditional media. 
One of my favourite unique possibilities of storytelling in games is emergent narrative: stories that stem from what the player does. While the player has very little control over Storyseeker, I still wanted to emulate that in the sense that it’s on the player tell to themselves the history of the world. What is the connecting narrative between the little bits and bobs they witness? Most players end up with differing backstories, depending on what they’ve seen and in which order. 
That kind of player creativity is interesting to me.

3 - The puzzle of stories is interesting, but had you think about any possible obstacles or objectives for the player, to push forward the gaming feeling?
R: For Storyseeker, I very much wanted non-gamified experience. What I hoped to see was how far a player’s curiosity would take them, with no external push. (I must say I’m quite pleased with the results; human curiosity is a force to behold.) 
One of my early playtesters mentioned how Storyseeker didn’t feel like a game, and suggested adding collectibles of some sort. That’s when I realised I didn’t particularly want it to feel like a game. It’s more of a weird exploratory experience. The only reward system is very natural: by climbing a mountain, you get to see what’s on top, and by following a trail you get to see who left it. 
While my notions for what’s interesting might differ drastically from what the majority of gamers find interesting, in a zero-budget indie game I felt free to follow my vision. (Although I did end up developing those symbol rocks for some sense of progression and an unlockable secret zone.) 
In terms of obstacles, there are some stuff that could’ve been interesting that didn’t make it into the final game. Originally, the player wasn’t able to walk on water—instead, they’d have to find a boat to access the ocean. My poor attempt at coding it was a terrible mess, so it got scrapped. 
I also would’ve liked to do more with natural barriers like mountain ranges restricting entry to certain places; but playtesting proved that with the flat art style it’s hard to tell where you can and can’t walk, and also backtracking long distances is the worst. So in the end, the world is very open, and the danger of not following roads isn’t finding some blocking wall but getting lost. 
Luckily, getting wonderfully lost is exactly what Storyseeker is about.