A revista Vox entrevistou Shigeru Miyamoto e questionou-o sobre os fundamentos do design que estão na base dos seus maiores sucessos na indústria de videojogos. A entrevista é curta e a interpretação do que Miyamoto diz é muito fraca, razão pelo qual não sigo os conceitos como explanados pelo vídeo, mas antes como os interpreto das palavras de Miyamoto. Não sendo uma entrevista de grande aprofundamento, os três componentes apresentados conseguem ser relevantes para quem se quiser focar sobre a essência do design de videojogos.
1 - Realização (accomplishment)
Apesar da Vox definir este primeiro componente como história, não sigo, porque não é isso que Miyamoto diz, e nem sequer faz sentido aplicado aos jogos em questão — Donkey Kong e Mario. Nas suas palavras a realização corresponde a: “You have to have a sense that you have done something, so that you get that sense of satisfaction of completing something.”
2 - Visualização (Show, Don’t Tell)
O segundo componente é mais uma vez erradamente interpretado pelos senhores da revista, que traduzem o que Miyamoto quer dizer por simplicidade. Apesar de o poder ser, em essência Miyamoto está a falar do conhecido processo de criação — show, don’t tell. Nas suas palavras, a preocupação centra-se sobre: “How I’m showing a situation to a player, conveying to them what they’re supposed to do.” A discussão em redor do nível de tutorial é ótima, porque é o ponto em que a visualização do que se deve fazer é maximizada.
3 - Imersão (Immersiveness)
Por fim, a imersão, aqui seguindo Miyamoto, embora acabando por na explicação por misturar o conceito com o de feedback. Para Miyamoto a imersão corresponde simplesmente a: "Being able to feel like it’s a world you’re immersed in, that you’ve become a hero.” Ou seja, criar uma situação que garanta a participação do jogador ao ponto deste esquecer o seu mundo, e sentir-se imerso.
Filme monumento, no qual a palavra é elevada a estatuto indiferente ao meio, fazendo de “Shoah” um artefacto que está para além do cinema e da literatura. 9h26m de vozes ilustradas por caras e espaços que nos contam o que os olhos viram e recriam para o espectador um mundo que inacreditavelmente existiu.
Shoah é a palavra hebraica usada para referenciar o Holocausto
Claude Lanzmann passou 11 anos a trabalhar para este documentário, tendo definido algumas linhas de partida, de que não se afastou, e que serviram na acentuação de uma estética documental naturalista: não foram usadas quaisquer imagens de arquivo, não foi usada música, nem foi usado qualquer efeito sonoro ou gráfico, nem sequer na etiquetagem dos espaços ou pessoas. Aquilo que vemos são apenas os espaços que a câmara capta nos locais em que os eventos aconteceram, e as caras de quem fala sobre o que aconteceu nesses locais.
“Shoah” é um testemunho polifónico vivo e irrepetível. Grande parte das pessoas entrevistadas e sobreviventes do Holocausto, passados 76 anos sobre o acontecido, já desapareceram. O que nos é dito aqui, fica para a memória da espécie humana, e é por tal um documento de valor inestimável. “Shoah” dá-nos a experienciar o horror, mas de uma forma racional, sem estilhaçar as nossas emoções, sem nos obrigar a virar a cara, o impacto dá-se dentro de nós, por meio das palavras que evocam ideias e experiências que despoletam sentimentos.
“The greatness of Claude Lanzmann's art is in making places speak, in reviving them through voices and, over and above words, conveying the unspeakable through peoples' facial expressions.” Simone de Beauvior
Não é um filme sobre o qual valha muito dissertar sobre as qualidades estéticas, apesar de presentes e imensamente poderosas, desde a cinematografia ao ritmo da montagem, que tornam a obra uma experiência intensa. Por outro lado, são muitas as evidências apresentadas que nos surpreendem, apesar de a maioria de nós ter visto e lido centenas de obras sobre o sucedido. Da simplicidade aberrante, do uso de um camião e o seu próprio monóxido de carbono para matar dezenas de pessoas de uma vez, às técnicas de propaganda psicológica para domesticar e adormecer as populações, não existem adjetivos que qualifiquem.
No final ficam algumas certezas: a espécie humana é capaz do melhor e do pior; a nossa essência assenta na sobrevivência e essa está biologicamente ligada à discriminação do outro, do que é diferente. Os Judeus foram perseguidos desde sempre pela sua diferença, e passados 2000 anos o melhor que conseguimos fazer foi ditar o seu total extermínio. A diferença corrompe-nos, temos de ser melhores, temos de ser capazes de controlar os nossos instintos ou acabaremos por nos eliminar a nós mesmos enquanto espécie deste planeta.
As primeiras 400 páginas, 5 estrelas, as segundas 400 páginas, 2 estrelas. A escrita de DeLillo é, neste livro, sublime porque profusa, erudita, eloquente, e atmosférica. Na primeira parte somos apresentados a um conjunto de personagens, eventos e épocas. Na segunda parte DeLillo desenvolve uma profunda análise crítica por meio de uma fragmentação articulada, tipicamente pós-moderna, na qual envolve acontecimentos mais e menos conhecidos da história dos EUA, para dar forma ao imaginário coletivo americano.
Naturalmente a primeira parte deveria ser a mais maçuda e secante, contudo não o é, porque a escrita é fantástica, e tudo o que nos vai apresentando é sorvido por nós avidamente. Os personagens são tipicamente americanos que podemos reconhecer de muito do cinema americano, sente-se particularmente os anos 1950 e os 1970. Fala-se de muita coisa, com dois motivos centrais a funcionar como aglutinadores, o baseball e a guerra fria.
Todas as análises literárias se detêm sobre o primeiro capítulo, o qual foi inclusive destacado e re-publicado em livro à parte. Neste, DeLillo narra um dos grandes episódios do baseball americano a final de 1951 entre os Giants e os Dodgers, que apesar de todo o dramatismo envolvido à sua volta, terá assumido toda esta relevância por algo que DeLillo não diz de forma explícita, mas a que DeLillo é muito sensível, e que é o facto de ter sido o primeiro jogo a ser emitido pela televisão nacional dos EUA. Ou seja, o evento não ficou contido no estádio, nem na região, contaminou o imaginário de todos os americanos no país por meio desse meio de comunicação poderoso que foi a televisão, ao longo de toda a segunda metade do século passado.
"The Shot Heard 'Round The World", Giants X Dodgers, 1951
Este primeiro capítulo, e primeiro episódio de "Underworld", marca o estilo do livro e aquilo que DeLillo pretende fazer. O seu objetivo é claramente entrar na psique do imaginário coletivo, dissecá-lo. A sua descrição é cabalmente detalhada e envolve inclusive personagens da época como Frank Sinatra ou J. Edgar Hoover. A sua leitura é uma enorme delícia, na forma, mas só na forma, e é aqui que reside o problema maior de “Underworld”. Ou seja, para grande parte dos não-americanos, que não percebem o desporto, mas principalmente não detêm qualquer memória do evento reportado, a leitura funciona de forma estranha. Ou seja, em vez de aquele relato profuso nos ir fazendo aproximar do evento, acaba por nos afastar ainda mais, por não sermos parte do colectivo que conhece e se reconhece, porque o relato não se foca na tentativa de nos dar a compreender a grandiosidade do feito, mas antes foca-se na evocação dos sentires de quem o experienciou.
Por outro lado, o episódio seguinte, muito menos discutido, é muito mais efetivo, provavelmente pela sua universalidade. DeLillo continuando a sua digressão sobre os media, elabora uma descrição magistral de um dos assassínios do Assassino da Auto-Estrada do Texas. A particularidade do mesmo, é que tal como o jogo de baseball, é filmado, e passado e repassado nas televisões. Aqui temos uma alusão direta à criação de imaginário coletivo pelos meios de comunicação social. E podemos mesmo ligar este episódio ao primeiro, já que o enfoque na repetição da sequência, é no fundo um decalque daquilo que provavelmente terá acontecido com o jogo de baseball na televisão, em que terá sido repetido ad nauseam.
Dito isto, parecia termos aqui tudo para um livro magnífico. Apesar de não me interessar o baseball, o meu trabalho centra-se em redor dos efeitos dos media, logo tudo isto me interessaria, e tenho de dizer que este segundo episódio vale a leitura mesmo para quem não queira ler o resto do livro. Aliás os dois primeiros episódios, valem a leitura, recomendo vivamente.
O problema surge a seguir, quando DeLillo quer fazer da literatura um espelho dos sentires da massa colectiva criada pelos media. Porque o modo como o faz é por meio da multiplicação de personagens, de eventos históricos e fragmentação de linhas de enredo, o que acaba por nos fazer perder. A leitura ganha um grau acentuado de dificuldade, claramente na senda de um “Infinite Jest” (1996), mas com uma diferença, não existe um elemento unificador. Ou melhor, ele existe, mas por se tratar de um imaginário colectivo, não é algo palpável, nem facilmente delimitado, mais ainda porque trabalha múltiplos eventos da história de um país que não conhecemos, pelo menos o suficiente para o modo distanciado como DeLillo vai relatando. Acabamos assim perante uma massa de fragmentos narrativos, de personagens e eventos, pendurados no ar, sem conexão clara, e se racionalmente lhe podemos atribuir um rótulo, emocionalmente nada sentimos.
Em 2006, "Underworld" terá ficado em segundo lugar atrás de "Beloved" (1987) de Toni Morrison que venceu uma votação de críticos americanos da melhor literatura dos anteriores 25 anos. Comparando ambos, repetiria o argumento que fecha o parágrafo anterior: "Underworld" é um feito académico em termos de escrita, mas "Beloved" consegue aquilo que só a literatura completa consegue, transformar-nos.
Mais uma primeira-obra portuguesa que merece nota máxima, depois de “O Meu Irmão” (2014) e “Perguntem a Sarah Gross” (2015). Todas com boas histórias, bem escritas, mas com estéticas muito diferentes, e neste caso não admira que António Lobo Antunes lhe tenha tecido elogios, já que Ana Margarida de Carvalho escreve na sua senda. Temos um discurso indireto livre sem freios, que entra pelas mentes dos personagens adentro e os esventra dos seus sentires. Tendo recentemente lido “Myra” (2008) de Maria Velho da Costa, “Que importa a fúria do mar” não está ao mesmo nível, falta-lhe maturidade capaz de conferir um controlo fino do texto e do que vai dizendo, mas aproxima-se bastante e promete sobre Ana Margarida de Carvalho.
“Que importa a fúria do mar” é um texto curto, 200 páginas, dotado de uma escrita erudita e não-linear, mas que ainda assim no desenrolar de páginas se vai colando a nós, tornando a leitura cada vez mais fácil e rápida. Em pouco tempo damos por nós a querer virar páginas para saber o que vai acontecer a seguir, tendo já esquecido que o discurso não segue linear, e que ora estamos dentro de Eugénia, de Joaquim, Francisco, o Gato ou o Pastor, mas com a autora sempre a manter o caminho da trama suficientemente iluminado, exigindo apenas quanto baste pela experimentação estética que vai realizando.
"Eras tão nova, mãe. E eu agarrada aos teus sonhos, aos teus cabelos, aos teus sapatos, ao teu presente, ao teu futuro – e pior – ao teu passado, que tu querias esquecer. Mas lá estava eu a fazer-te lembrar que tinha mesmo acontecido. Desafortunadamente, era uma menina empecilho, largada numas paragens agrestes e húmidas, em casa de uns parentes remotos. E velhos."
Para primeira obra é admirável escrever-se assim. Não só ter uma boa história para contar, que enlaça o passado ditatorial e colonial do nosso país com o presente das tragédias de quem por cá sempre viveu e tem de viver, mas acima de tudo por um texto capaz de ser tão intrincado e ao mesmo tempo tão aberto, tão dado. Existem claro passagens menores, alguns excessos. Muita crítica é feita ao palavreado rebuscado, que se sente mais no início e que acaba por perder leitores, mas que vejo mais como sintoma de alguma insegurança originada pela imaturidade. Do meu lado, sinto ainda um excesso no número de tragédias apresentadas tão a jeito de catarse emocional, e que por vezes até em aberto se quedam. Mas é também, em parte, graças a estas catarses, que Ana Margarida de Carvalho consegue a nossa atenção e interesse todo o tempo da leitura, fazendo deste texto um dos livros portugueses que mais mexeu com as minhas emoções.
"Ao calor do meio-dia, Joaquim fazia por enterrar os arrames farpados nas costas. Preferia focar-se na dor das feridas do que na sede que o ensandecia. Isso e as moscas que não podia enxotar e lhe sondavam a face com as suas trombinhas impertinentes."
"Não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbitos"
Quanto à chave do texto, está no título. As suas duas primeiras palavras dizem tudo. As tragédias passam por nós, os outros passam por nós, e nós seremos o que todos estes fizeram de nós.
Fotografias do Campo de Concentração do Tarrafal, Cabo Verde, 2016
Nota final: O facto de ter estado no Tarrafal este ano contribuiu, e muito, para ampliação do meu sentir do que se encerra nas páginas deste livro. Inevitável criar estas relações com as obras que se aproximam de nós, a familiaridade é um dos mais poderosos afrodisíacos do prazer das histórias.
Nos anos 1980, Cialdini, um académico das áreas da Psicologia e do Marketing, lançou um dos livros mais relevantes sobre persuasão — "Influence" (1984). Nesse, apontava seis grandes princípios determinantes da persuasão — 1. Reciprocidade, 2. Prova Social, 3. Cometimento e Consistência, 4. Simpatia, 5. Autoridade e 6. Escassez. Foram entretanto precisos mais de 30 anos para Cialdini se dispôr a escrever um novo livro, porque segundo ele, não tinha encontrado nada de novo para dizer para além do que já tinha dito. O novo livro, "Pre-Suasion", apresenta-se como um pequeno trocadilho da palavra persuasão, e define em si mesmo o novo conceito que tem para nos apresentar.
Na realidade, o novo conceito que Cialdini nos traz neste livro tem pouco de revolucionário, já que se baseia em dois grandes princípios do Viés Cognitivo, apresentados por Kahneman no seu opus “Pensar, Depressa e Devagar” (2011): “ancoragem” e “priming”. A ancoragem dá conta do viés que possuímos e que tende a conduzir as nossas decisões em função da informação que nos é oferecida (ex. após pensar em números grandes cria-se uma tendência para aceitar valores maiores para produtos). Por sua vez o priming consiste num processo de associação de distintas memórias que partilham semelhanças (ex. pensar em pessoas idosas pode conduzir as pessoas a reduzir a velocidade; pensar em atletas que se esforçam muito pode conduzir à criação de maior a resiliência).
O que Cialdini faz então é potenciar estes vieses na comunicação, apresentando neste novo livro uma nova abordagem comunicativa baseada na manipulação do tempo imediatamente anterior à comunicação da mensagem. Nesse tempo, defende então a introdução de variáveis de ancoragem ou priming, que conduzam à criação de uma predisposição na audiência para aceitarem o que se vai dizer a seguir. Trata-se assim de uma preparação, ou modelação, para a mensagem. Podemos pensar em algo parecido como os genéricos cinematográficos, em que se modela o estado emocional dos espectadores para o filme que se vai seguir.
“If you want people to buy a box of expensive chocolates, first arrange for them to write down a number that’s much larger than the price of the chocolates. If you want people to choose a bottle of French wine, first expose them to French background music before they decide. If you want people to agree to try an untested product, first inquire whether they consider themselves adventurous. If you want to convince people to select a highly popular item, we can begin by showing them a scary movie. If you want people to choose a more expensive but more comfy option, first show them fluffy clouds If you want people to feel warmly toward you, hand them a hot drink. If you want people to be more helpful to you, first have them look at photos of individuals standing close together. If you want people to be more achievement oriented, first provide them with an image of a runner winning a race. If you want people to make careful assessments, first show them a picture of Auguste Rodin’s The Thinker.” in "Pre-suasion" (2016:Loc. 2338)
O desafio desta abordagem
A pre-suasão de Cialdini assenta na arte de capturar e conduzir a atenção dos recetores, mas para que funcione é necessário conseguir atingir a atenção dos recetores. Ou seja, se aquilo que definirmos como estímulos de ancoragem e priming não falar aos recetores, o efeito será nulo. Por isso conhecer este processo, em si, pode ser interessante, mas nas mãos de alguém que não trabalhe devidamente a mensagem e o público, de muito pouco valerá. Para ajudar no trilhar do caminho, Cialdini propõe um conjunto de estratégias baseadas em conceitos, de teor mais universal, que podem contribuir para o desenhar de estratégias de pre-suasão.
6 Comandos de Atenção
* O Sexual *
Um dos elementos mais relevantes de toda a sociedade no que toca à captação de atenção, já que está subjacente a toda a origem das artes de persuasão, sendo utilizado por todos aqueles que produzem arte, entretenimento ou marketing. Contudo o sexo não funciona de forma igual para tudo. Se assim fosse não teríamos apenas 8% dos produtos a recorrerem ao mesmo, como nos diz Cialdini. A título de exemplo o apelo sexual funciona muito bem com a moda ou os perfumes, mas funciona mal com refrigerantes ou detergentes. Ou seja, “In any situation, people are dramatically more likely to pay attention to and be influenced by stimuli that fit the goal they have for that situation.” (Loc. 1141)
* A Ameaça *
Nada funciona melhor quando se quer fazer alguém pensar como nós do que definir uma ameaça à forma de pensar dessa outra pessoa. A necessidade de segurança é essencial ao ser humano. Basta ver a transformação da sociedade, tudo o que passou a aceitar em face da ameaça terrorista pós 11 Setembro. A título de exemplo, a maior parte das campanhas sociais trabalham sob este prisma, desde as campanhas anti-tabaco, com as fotografias devastadoras nos maços de tabaco, aos anúncios publicitários que mostram a violência doméstica, de guerra, ou outras. A ameaça tem ainda a capacidade de unir os seres humanos, de os levar a sentir necessidade de se aproximar do seu grupo, o problema é que isso também produz o efeito de rejeição do outro.
* A Diferença *
Talvez o maior marcador de atenção que possamos desenvolver, não é por acaso que a palavra de ordem é o Novo, e que a nossa sociedade se dirigiu na última década desenfreadamente para o mundo da Inovação e da Criatividade. A diferença marca o interesse de todos nós. A base desta relevância está no facto de que a ausência de diferença conduz à estagnação e redução de velocidade de processamento, logo redução da atenção. Evolucionariamente estamos treinados para ignorar o normal, relaxar, até que algo diferente surja, e isso nos volte a por em modo ativo. Contudo, é também obviamente um dos comandos mais difíceis de trabalhar.
* A Auto-Relevância *
Mais um marcador poderoso. O ser humano é por razões de sobrevivência auto-centrado — “primeiro Eu, depois Eu, e depois talvez o Outro”. Daí o surgimento nas últimas décadas dos discursos sobre as preferências pessoais, do “você merece mais”. Contudo, tal como o comando anterior, é difícil de construir, muito baseado nas particularidades de cada indivíduo.
* O Não-acabado *
Um princípio roubado à Gestalt, que esta começou por apresentar no domínio visual, pelo facto de necessitarmos de completar tudo o que se encontra incompleto. Este princípio levaria à criação de um outro que ficou conhecido como Efeito de Zeigarnik, e que defende que as pessoas têm tendência a recordar melhor aquilo que se queda incompleto. Cialdini fala neste ponto de uma técnica do processo de escrita muito interessante, e que consiste em parar a escrita a meio de uma ideia, em vez de a completar e fechar. Deste modo, ficamos a pensar na ideia e acabamos por ter um estímulo adicional para voltar ao processo de escrita.
* O Misterioso *
Este princípio não se diferencia propriamente do anterior, já que não é mais do que a particularização narrativa do anterior. Ou seja, Cialdini fala da criação de mistério em redor de um assunto para manter uma audiência (ex. alunos numa aula) ao longo de toda a duração do discurso. Ora, este género de contar histórias, mistério e thriller, define-se por um truque simples que assenta na criação de uma necessidade de conhecer uma resposta, algo que funciona como cenoura para a audiência. Mas esta resposta não é mais do que a chave que fecha uma ideia não-acabada apresentada no início de um livro, filme ou da tal aula.
No final do livro Cialdini apresenta uma espécie de defesa de um potencial novo princípio de Influência, a juntar aos 6 definidos no seu anterior livro, que seria o de “Unidade”. Apesar de considerar interessante, julgo que o princípio não acrescenta muito ao princípio de “Simpatia”. Ou seja, Cialdini defende que a “Unidade” providenciada pelo sangue, família, região, ou qualquer tipo de relação que una os indivíduos conduz as pessoas a favorecer essas mesmas pessoas. Ora isto é exatamente o mesmo que acontece no princípio de Simpatia (“likeness”), que nos diz que tendemos a favorecer mais aqueles de quem mais gostamos. Embora possamos aqui falar, por exemplo, do ato de defender pessoas da nossa família — irmãos, filhos, pais — mesmo que não gostemos assim tanto deles. Contudo esta definição de não gostar, e do sangue se sobrepôr à amizade, não pode ser vista de modo simplista, o gostar ou não gostar não se define como mero preto e branco.
Para fechar, é um livro interessante, mas que para ser totalmente compreendido, e poder assacar o todo do que ele entrega, exige o conhecimento do livro anterior. Os princípios de pre-suasão não devem, não apenas por questões éticas, ser utilizados de modo indiscriminado, sem um conhecimento mais aprofundado da comunicação persuasiva e dos viés cognitivos que nos definem enquanto seres humanos.
Sintético e sincrético, num constante jogo de opostos. Uma amálgama discursiva de intenso sabor. Um texto impressivo que segue de muito perto o impressionismo da pintura, no modo como textualmente desfoca o real e o torna menos claro e preciso mas indelével e intenso. Se podemos sentir a história descarrilar a meio caminho, o discurso e a escrita são tão intensos e particulares que fazem desta obra um texto em língua portuguesa obrigatório.
“Myra” é provavelmente o romance mais económico que li até hoje. É tudo tão medido, não existem palavras ao acaso atiradas por entre frases, mas antes cada uma tem um desígnio. Muito é dito em frases curtas, por vezes duas palavras chegam para passar uma imensidão de acontecimentos, um sentir carregado de passado ou um mundo por vir. A autora não se perde em explicações, estamos sempre no presente, no interior da cabeça dos personagens, sejam estes pessoas, cães ou casas, todos falam, mas, e ainda que de forma comedida, quando falam dizem muito sobre o passado e o futuro. Interessante como apesar de tão pouco dizerem, sentimos que estão em diálogo permanente, porque na verdade estão, já que dialogam pensando, enriquecendo assim o discurso, criando deste modo uma obra singular.
Todo o desenho da obra é feito seguindo uma lógica geométrica de contrastes e opostos a vários níveis: cultura (alta / baixa), discurso (modernista / realista), trama (etérea / naturalista). Com um mundo representado pelo choque constante de culturas, numa busca pelo sincretismo que vai da alta cultura (a linguagem erudita, rodeada de música de câmara e cinema europeu) à baixa cultura (vernáculo, música pop e cinema de Hollywood); suportado por um discurso pontilhado de fluxo de consciência por entre diálogos claros e expositivos; por sua vez tudo dirigido por uma trama que divide o texto em três momentos, opondo-se os dois primeiros, oníricos, ao último mais naturalista.
De certo modo as referências intertextuais marcam toda esta cisão criada: com Pasolini, Eisenstein ou Rimbaud de um lado; Sylvester Stallone, Will Smith, ou séries de televisão, do outro. Não poucas vezes, o que se diz é dito por meio de um título de um filme, de uma fala, ou uma canção, trazendo para dentro da economia de texto uma enorme riqueza de sentidos. O mesmo se dá com as interjeições linguísticas que vão do inglês, francês, russo, ao italiano ou o latim. Tudo isto, enriquecendo não deixa de se tornar a certo ponto repetitivo, matemático, conduzindo a alguma deserção do texto em que estamos inseridos.
Cabe aqui interpretação, aliás muita, desde logo porque sendo um texto económico acaba por se aproximar bastante de uma obra minimal o que inevitavelmente produz a necessidade de seguir as pistas deixadas pela autora, mas também por toda a intertextualidade presente. De certo modo, a cabal compreensão do texto só é possível com um estudo mais aprofundado da autora e seu contexto. Depois de ter escrito esta palavras encontrei uma tese de mestrado, de Daniel Damasceno Floquet, completamente dedicada ao estudo das dicotomias em "Myra", no fundo aquilo que aponto acima como geometria de constrastes. Não a li, tentarei ler entretanto para chegar mais fundo na compreensão deste texto que apesar de curto é imensamente rico.
Da minha perspectiva, confronta-se aqui o belo, a elaboração cultural, com o grotesco do mundo primário real. Esse confronto atravessa toda a obra, num questionamento da elevação cultural, confrontado com o mantra da vida: “a fome, o sexo e o poder”, e por outro lado o condicionalismo da nossa natureza na expressão, muitas vezes repetida, “sangue puxa sangue”, como se Maria Velho da Costa nos quisesse apontar uma certa inevitabilidade em tudo o que apresenta. Apesar de nos civilizarmos e desenvolvermos, não largámos aquilo que nos condiciona enquanto humanos e isso cria uma mágoa profunda.
Prémios da obra: Prémio Correntes de Escritas, 2008 Prémio P.E.N. Clube Português de Narrativa, 2009 Prémio Máxima de Literatura, 2009
Senti desilusão, apesar de não me surpreender. Depois de dois livros seguidos brilhantes — “Correcções” (2001) e “Liberdade” (2010) — era natural surgir um livro menos interessante. A escrita continua boa, o livro lê-se com grande velocidade, contudo é uma escrita menos rica, menos elaborada. Perdeu, considerava Franzen um patamar acima de Donna Tartt, mas “Purity” acaba sendo o equivalente de “O Pintassilgo” (2013).
A julgar pelo que foi escrevendo não-ficcional, fica a ideia de que Franzen seguiu em excesso a sua definição do “modelo de contrato”, entre escritor e leitor. A escrita parece aligeirada para facilitar a compreensão aos leitores, assim como existe mais enredo e menos personagem, ou ainda mais redundância explicativa da ação, ou ainda mais sexo, e já agora muito mais perspetivas do ponto de vista da mulher (não que isso tenha algo de errado, mas sendo ele homem não funciona, pelo menos de modo convincente). Chegado ao fim, parece que Franzen andou a ler todas as críticas que lhe foram feitas na última década, e criou um cardápio de respostas para oferecer aos leitores que o criticaram por não ter aceite o selo da Oprah.
A beleza do trabalho de Franken está na escrita, e o seu grande tema é a família, sair daí não o conduziu a nada de bom. Enfiou-se por uma trama policial sem grande sentido, talvez almejasse “Crime & Castigo” mas fica demasiado distante. Com personagens baseados em Assange e Snowden também não era difícil que assim acontecesse. Muitas vezes Franzen ataca a internet e as redes sociais, fala dos seus perigos, da privacidade e do mundo que mudou, mas é tudo tão lugar comum, tudo tão saturado que nada dali se retira. No extremo apresenta uma idealista, Anabel a mãe de Purity, que nos vai dar uma secção inteira de puro fastio, com as suas rejeições do vil metal e a sua pseudo-arte e um namorado/marido que é ainda mais fastioso por se deixar levar.
Tirando esse capítulo, todo o restante livro se lê muito bem, embora pareça sempre que vamos chegar a algum lado com tudo aquilo, quando na verdade nada existe para além do que se vai desfilando na nossa frente. Existem muitos rasgos de grande brilhantismo, com personagens a tocarem-nos dentro, mas logo a seguir tudo se desvanece e surgem ações desses mesmos personagens que dão conta de um vazio amnésico. Depois, o reles truque de fazer calhar na rifa uns milhões para esquecer todos os problemas e viver feliz para sempre cai muito mal.
Não o consegui colocar na mesma prateleira dos outros dois, foi para uma pilha no topo de outra estante. Acho que isso diz alguma coisa. Não vou dizer que é mau. Sei que assim escrevo pela desilusão que apoquenta quem tanto gosta de algo, neste caso deixei-me levar em excesso pelos trabalhos anteriores do autor. Por isso lhe dou 3 estrelas, mas talvez com algum distanciamento possa subir uma.
No final da leitura e análise de "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" (2012) de Benjamin Bergen, surgiu-me esta questão: “Como é que com mundos internos tão complexos, que cada um de nós desenvolve dentro de si, e com experiências do mundo tão distintas, conseguimos nós chegar a comunicar uns com os outros com sucesso?”. A pergunta já tinha sido respondida antes por Lakoff & Johnson em "Metaphors We Live By" (1980).
Lakoff & Johnson disseram que "A essência da metáfora é compreender e experimentar um tipo de coisa em termos de outra." e consideraram-na essencial ao nosso modo de compreensão do real — "Enquanto seres humanos, utilizamos continuamente as metáforas para compreender o significado de conceitos abstractos, ou processar informação” (1980). Ou seja, a grande maioria do que verbalizamos são ideias abstractas, a única forma que temos de estabelecer a ponte com o outro ser-humano, e ele poder vir ao nosso encontro, é através da metáfora que ambos compreendemos da mesma forma.
A vida é ‘pesada’. (compreender a Vida pelo conceito de Peso) Estás a ‘gastar’ o meu tempo. (compreender o Tempo pelo conceito de Dinheiro) Ela vai subir até ao topo. (compreender o Sucesso pelo conceito de Espaço) A minha cabeça não está a funcionar hoje. (compreender o Cérebro pelo conceito de Máquina)
Na verdade o nosso poder de metaforizarão vai ao ponto de desenvolver estruturas complexas de atribuição, em que os conceitos se metaforizam em função daquilo que somos enquanto humanos, e corpos no mundo, ou seja metáforas ontológicas. Assim podemos ter, segundo Lakoff & Johnson
Eventos e ações -> objetos Atividades -> substâncias Estados -> contentores
Um exemplo para compreendermos esta abordagem pode ser um Jogo de (qualquer coisa, futebol, cartas, etc.).
João, ‘viste o’ jogo no outro dia? (objeto: detém propriedade física) O jogo acabou sendo muito ‘pesado’. (substância: detém propriedade sentiente) Eu não aguentei ‘até ao final’. (contentor: detém propriedades variáveis)
A metáfora é distinta da metonímia e da sinédoque. Na metonímia não acontece comparação, de modo direto, nem se objetiva a dar a entender por outros meios, antes se produz uma substituição de termos, que de algum modo estão interligados (Ex. “Beber um copo”, o copo assume o significado do seu conteúdo). Não se metaforiza, mas antes se substitui pela sua variável dependente. Já a sinédoque, acaba aproximando-se muito da metonímia, no sentido, em que substitui o topo pelas partes, ou a parte pelo todo (ex. Lisboa caiu nas ‘mãos’ dos espanhóis).
Podemos então compreender o mundo sem metáforas? Podemos, tudo aquilo que experienciamos de forma física direta (Cima-Baixo, Dentro-Fora, Leve-Pesado, Frente-Trás, Escuro-Claro, Quente-Frio). Mas o mais interessante, é que partimos desta relação direta, tão básica e pobre em significação, para a construção conceptual de tudo o resto. Da acumulação de conceitos, camada sobre camada, chega-se à complexidade conceptual, aquela que nos permite detalhar aquilo que percepcionamos. Sem esta complexidade não conseguiríamos explicar as emoções que nos trespassam de cada vez que as sentimos na relação com o mundo. Ou seja, a construção de cada uma das metáforas, decorre de um processo causal baseado na manipulação direta (causa-efeito) dos conceitos, que quando bem sucedidas, atualizam os nossos mapas mentais do mundo.
Assim o uso de metáforas, representações do real, conhecidas por ambas as pessoas num diálogo é o que permite a comunicação. Percebemos tão bem isto, quando na leitura de um livro, o autor descreve um sentir, e nos revemos na metáfora aplicada. Mas quando por exemplo conversamos com uma criança, ou pessoa de outro país, damos por nós a gerar diferentes metáforas até encontrar aquela que faz acender a luz na cabeça do nosso interlocutor. Por não deterem o mesmo tipo de experiência que nós, por ainda serem novos ou terem experiências do mundo distintas, as metáforas não funcionam de modo automático. Isto quer dizer que o conhecimento, e a sua expressão (linguagem), funciona como uma espécie de pirâmide (metáfora para o conhecimento baseada em estrutura física) conceptual, que vai crescendo, com os conceitos a alicerçarem-se uns nos outros para ir aumentando o detalhamento e definição do mundo que conseguimos percepcionar. Quanto maior for o nosso mapa mental de conceitos, de metáforas, maior será a nossa capacidade para descrever o mundo, e ao mesmo tempo descrever-nos a nós mesmos.
O facto de eu trazer a comunicação para a discussão, interessa-me pelo que falarei a seguir sobre a literatura e o cinema, mas acaba por servir de resposta à discussão que Lakoff e Johnson produzem no final dobre livro, e que muita celeuma tem gerado, sobre o Objetivismo e Subjetivismo. O que percebemos a partir deste modo de conceptualização do mundo, baseado na metáfora, é que ele não pode decorrer apenas do mundo enquanto objeto, a realidade é construída, a factualidade não é verdadeiramente empírica já que precisa de ser recriada por nós internamente. Mas isso também não suporta a ideia de que vivemos perante uma inevitável subjetividade, em que o real é aquilo que a nossa imaginação quiser. No fundo voltamos à essência do que criou, e mantém viva, a ideia de sociedade, e que são as crenças partilhadas, produzidas pelo objetivismo (avaliação e contra-avaliação contínua da causalidade) mas devidamente sustentadas pelo subjetivismo (significação dessa causalidade) que tornam a realidade um bem comum. Considero assim, que é da comunicação humana que emerge aquilo que Lakoff & Johnson categorizam como via alternativa, o Experiencialismo, que não é mais do que uma atualização do 'pragmatismo' de Dewey que o levou a definir a Estética a partir da Experiência. (Do mesmo, modo tenho vindo a defender, do ponto de vista académico, a Comunicação como ponte essencial entre a Arte e a Tecnologia.)
E aqui surge então a parte a que pretendia chegar, e que no último texto aqui dava conta, falando da especificidade do cinema: “Como filmar o Pensamento?”. Na verdade o cinema está limitado a mostrar aquilo que percepcionamos de modo direto, pela visão e audição, já que regista a realidade. Ao contrário do texto que usa símbolos para descrever esse real. Contudo, como percebemos a literatura não usa esse símbolos para dar a ver o pensamento. As tradicionais descrições psicológicas do realismo russo (ex. Dostoiévski), são poderosas, não pelas palavras ou frases empregues, mas antes pela metaforizarão do interior dos personagens. Talvez por isso mesmo, Eisenstein, nos anos 20 do século passado, tenha tentado um tipo de expressão cinematográfica, que ficou conhecida por montagem intelectual, que nada mais é do que a criação de metáforas visuais (mais detalhe).
Excerto de “Strike” (1925) de Sergei Eisenstein
Não podemos esquecer que por esta altura o cinema não continha som, por isso tinha de se expressar o mais possível por meio das imagens em movimento. O cinema acabaria por progredir tecnologicamente e nos anos 1930 assimilaria o som, transformando-se numa arte audiovisual completa. A partir daí começou a contar com o poder da linguagem para expressar muito do que não conseguia mostrar. Isto não quer dizer que o cinema passasse a mera filmagem de cabeças falantes, já que isso iria contra o que o separava das outras expressões narrativas (oralidade e literatura). O cinema continuaria o seu caminho na tentativa de mostrar o que vai dentro da cabeça dos personagens, mas abandonaria a montagem intelectual, pelo distanciamento que cria face à ação, substituindo-a pela linguagem e música, mas focando-se cada vez mais em mostrar efeitos perceptíveis pela visão e audição. Daí que nesses anos 1930, o cinema alemão tenha criado aquilo que ficou conhecido pelo Expressionismo, uma tentativa de plasmar na imagem os sentimentos dos personagens, algo que também acabaria por atingir a saturação.
Hoje, passadas décadas, e milhares de experiências, o cinema desenvolveu toda uma forma de comunicação própria, com a qual os espetadores estão em sintonia, e que é utilizada por todos os criadores de imagens audiovisuais em qualquer canal, da televisão ao vídeo, online, móvel. Essa constitui-se por uma amalgama perfeita entre cinematografia, montagem, música (dietética e extra-diegética) e linguagem (voz off, monólogo e diálogo), que em conjunto trabalham para significar.
Sem ainda ter suficientemente confrontado, nem experimentado empiricamente, deixo uma hipótese: A imagem em movimento dedica-se acima de tudo a mostrar o real experiencial direto, sobre o qual a trabalham de modo metafórico a música e a palavra.
O Nerdwriter traz-nos esta semana mais um brilhante ensaio, "Sherlock: How To Film Thought", no qual dá conta cabal do modo como as séries de televisão ombreiam com o cinema. Se até aqui falávamos do modo como estas dominavam a arte do storytelling, passámos agora a falar da arte completa do audiovisual, do uso e avanço da linguagem que torna o audiovisual um meio expressivo. O cinema deixou de ser o farol e passou a ser apenas mais um dos imensos suportes. O cinema é hoje o mesmo que televisão, vídeo, web, móvel, tudo suportes. É a linguagem do audiovisual que fundamenta todos estes canais, a arte da fusão entre imagem em movimento e som.
Neste ensaio é dissecada uma cena de 3m42s de um recente episódio da série "Sherlock" (2010-..), no qual Nerdwriter demonstra algo verdadeiramente importante. O cinema, o audiovisual, sempre teve dificuldade em dar a ver o pensamento, essa capacidade esteve durante imenso tempo resguardada para a literatura. A razão é simples, o pensamento é algo interno, introspectivo e subjetivo, enquanto o audiovisual é uma arte especializada em mostrar o externo e o objetivo, ou seja é uma forma expressiva dada à extroversão. Por isso de cada vez que este tem de mostrar o que alguém está a pensar, sentir, ou refletir, é complicado. Invariavelmente as ideias acabam sendo traduzidas em ações, sequências externas, que possam dar a compreender o que sente aquele personagem, porque reage como reage, e assim passar a ideia do que está a pensar a pessoa.
Ora neste episódio de Sherlock, procurou-se antes dar a ver o pensamento. Pegou-se na mente de Sherlock, naquele momento em que ele está prestes a descobrir, a ter a revelação, e pegou-se no melhor que a arte audiovisual tem — a montagem e a cinematografia — e plasmou-se no ecrã, literalmente, aquilo que lhe está a passar pela mente. O Nerdwriter termina dizendo que esta é uma das sequência original e admirável.
"A Requiem for a Dream" (2000) Darren Aranofski
É claro que o Nerdwriter se deixa levar pelo entusiasmo, desde logo quando diz que não há CGI, quando várias das sequências estão prenhes de efeitos visuais, mas especialmente porque isto não é novo. Mais uma vez o cinema já lá tinha chegado antes, e o tinha mostrado, e até de forma mais efetiva. Se gostaram desta sequência, recomendo-vos vivamente "A Requiem for a Dream" (2000) do brilhante Darren Aranofski. A mim contudo, resta-me uma questão, porque razão só se procura mostrar o interior da mente dos personagens quando eles estão sob efeito de drogas!?
"Sherlock: How To Film Thought" (2017) de Nerdwriter