Diga-se que a atualidade de Meditações tem mais que ver com a biologia do que com a filosofia, ou seja, mais do que dar conta da durabilidade das ideias aqui debatidas, o facto de elas debaterem a essência da vida (nos seus aspectos racionais, sociais e emocionais), e o facto da configuração que permite vida no planeta praticamente não se ter alterado, faz com que grande parte das ideias aqui discutidas mantenham toda a sua aplicabilidade. Ao longo da leitura não poucas vezes damos por nós a surpreender-nos com a mesquinhez, as necessidades, as veleidades e desejos que ocorriam então tal como continuam a ocorrer hoje. Se os ensinamentos presentes em Meditações são relevantes, embora pertencentes a um quadro filosófico mais amplo — o estoicismo —, hoje não menos relevante é a comparação entre o pensamento e forma de estar em 180 e agora passados 2000 anos.
“Whatever this is that I am, it is flesh and a little spirit and an intelligence.” [Livro 2]
“Our life is what our thoughts make it.” [Livro 4]
Apesar de romano, Marco Aurélio fundamenta toda a sua discussão no pensamento grego que nesta altura tinha já quinhentos anos de existência. Por isso não parte do vazio, nem terá nada de muito novo para dizer, já que grande parte dos ideais aqui debatidos provêm de toda uma corrente filosófica que parte de Zenão (-300), passa por Cicero (-100) e Seneca (0) até chegar a Marco Aurélio (180). Aquilo que torna Meditações único é na verdade a sua forma, o traço intimista e confessional que confere ao relato um carácter de profunda honestidade e humildade, garantindo ao conteúdo uma marca mais intensa de autenticidade.
Diga-se que o estoicismo não era propriamente uma abordagem filosófica que pudesse exercer, à partida, grande atração sobre alguém com tanto poder e acesso a tudo, como um imperador. O movimento roçava o religioso, embora defendendo a construção de conhecimento pela razão, professava uma doutrina de princípios duros, rotulando o prazer como inimigo da sabedoria, a virtude como a única forma de chegar à felicidade, e a negação da sensorialidade incluindo toda a dor, física ou mental. Deste modo ler as palavras de alguém tão poderoso, falando para si mesmo, buscando forças e justificativas para controlar o ímpeto humano, é no mínimo sedutor, mas acima de tudo profundamente inspirador.
"Men seek retreats for themselves, houses in the country, sea-shores, and mountains; and thou too art wont to desire such things very much. But this is altogether a mark of the most common sort of men, for it is in thy power whenever thou shalt choose to retire into thyself. For nowhere either with more quiet or more freedom from trouble does a man retire than into his own soul."[Livro 4]
"The mind which is free from passions is a citadel, for man has nothing more secure to which he can fly for refuge and for the future be inexpugnable. He then who has not seen this is an ignorant man: but he who has seen it and does not fly to this refuge is unhappy." [Livro 8]
"The happiness and unhappiness of the rational, social animal depends not on what he feels but on what he does; just as his virtue and vice consist not in feeling but in doing." [Livro 9]Meditações acaba por resultar numa espécie de código de conduta para a “nobreza de espírito”, pelo que professa assim como pela frontalidade e humildade com que professa, não admirando que ao longo dos séculos tenha servido de inspiração a muitos homens de estado preocupados com o dever e o servir.
Nota: Dado o carácter algo aforístico do livro, pululam na web dezenas de supostas citações de Marco Aurélio que não o são.