setembro 02, 2013

Filmes e livros de Agosto 2013

Julho tinha sido anormal no número de filmes vistos, por isso em Agosto tirei férias do cinema. Vi apenas 3 filmes e dediquei o resto do tempo à leitura. Finalmente consegui ver o primeiro filme de Malick, um filme impressionantemente maduro para primeiro filme. Já Oblivion deixou-me com um sabor agridoce, por um lado o design genial do ambiente e cenários, por outro uma história já vista sem grande novidade, e pior que tudo a inclinação para o show-off típico de Hollywood, com Cruise em mais uma MI. Na literatura, fiz algumas leituras mais leves de verão como Saramago, Peixoto ou Calvino, e outras mais pesadas como Sennett e Dutton. Deixo a lista, e no caso dos livros irei publicar ao longo de setembro uma resenha de cada um.

CINEMA

xxxx Badlands 1973 Terrence Malick USA

xxx Oblivion 2013 Joseph Kosinski USA

xxx Welcome 2009 Philippe Lioret France


ROMANCE
Livro (2010) de José Luís Peixoto [Análise]

Mudanças (2010) de Mo Yan

A Primeira Aldeia Global (2008) de Martin Page [Análise]

A Identidade (1998) de Milan Kundera

Palomar (1983) de Italo Calvino

Memorial do Convento (1982) de José Saramago


NÃO-FICÇÃO

The New Digital Age, (2013), Eric Schmidt [Análise]

Obras Primas da Arte Portuguesa - Pintura (2011) Dalila Rodrigues

Obras Primas da Arte Portuguesa - Século XX Artes Visuais, (2011), Delfim Sardo

The Craftsman, (2009), Richard Sennett [Análise]

The Art Instinct, (2009), Dennis Dutton

A Alma Está no Cérebro, (2006), Eduardo Punset

Modos de Ver, (1972), John Berger

agosto 02, 2013

Filmes de Julho 2013

Foi um mês anormal, com 49 filmes vistos, tendo duplicado a média de filmes que vejo normalmente num mês. Posso dizer que alguns, poucos, desta lista foram em certas partes vistos em fast play. A razão para ter visto tantos filmes, prende-se com os 15 dias que passei em Moçambique a dar aulas, sendo que ocupava grande parte do tempo em que não dava aulas a ver cinema. Sobre os filmes com nota máxima, não falarei aqui uma vez que escrevi sobre os mesmos quando os vi.

xxxxx The Turin Horse 2011 Bela Tarr Hungary [Análise]

xxxxx Enter the Void 2010 Gaspar Noé France [Análise]

xxxxx Tuesday After Christmas 2010 Radu Muntean Romania [Análise]

No caso dos filmes com quatro estrelas, o novo Danny Boyle fez-me recordar Trainspotting, com mais cor, mais efeitos, mas no essencial Danny Boyle no seu melhor. Enquanto o documentário sobre Bach nos deixa a pedir por mais, Marley traz-nos a sua figura de um modo genuíno e totalmente aberto, reflectindo o carácter do próprio biografado. Alguém que veio do nada e chegou ao topo, alguém que ajudou a fundar todo um novo género musical, que fez da música o seu meio de expressão e luta, e dessa forma colocou um país inteiro no mapa. Já Nobody Knows de Koreeda é um verdadeiro murro no estômago que nos perturba pela forma como faz transparecer tudo de forma tão credível. Consegui também ver o primeiro trabalho de Nolan, e confirmar que aquilo que temos visto no seu cinema, não é mero experimentalismo, mas é mesmo uma forma de estar no cinema.

xxxx Trance 2013 Danny Boyle USA

xxxx Bach: A Passionate Life 2013 John Eliot Gardiner UK

xxxx Magic Mike 2012 Steven Soderbergh USA

xxxx Dans la Maison 2012 François Ozon France

xxxx Frankenweenie 2012 Tim Burton USA

xxxx The Sessions 2012 Ben Lewin USA

xxxx Marley 2012 Kevin Macdonald USA

xxxx Une Vie Meilleure 2011 Cédric Kahn France

xxxx O Barão 2011 Edgar Pêra Portugal

xxxx Comic-Con Episode IV... 2011 Morgan Spurlock USA [Análise]

xxxx Pariah 2011 Dee Rees USA

xxxx London River 2009 Rachid Bouchareb UK

xxxx Caché 2005 Michael Haneke France

xxxx Nobody Knows 2004 Hirokazu Koreeda Japan

xxxx Following 1998 Christopher Nolan UK

Nas três estrelas aparece o aclamado O Som ao Redor que soou demasiado europeu para o meu gosto, mas acima de tudo peca pela fraca direcção de actores, embora compreenda que o tema é poderoso e bem trabalhado. Já uma surpresa total foi com The Expendables 2 que vai muito para além do mero "filme de pancada" realizando um belíssimo trabalho de retro-análise do cinema dos anos 1980. Como estava em Moçambique, consegui ver dois filmes originários daí, bastante interessantes, um deles, Terra Sonâmbula, baseado num conto homónimo de Mia Couto.

xxx Despicable Me 2  2013 Chris Renaud USA
xxx Snow White and the Huntsman 2012 Rupert Sanders USA

xxx La Vie d'une Autre 2012 Sylvie Testud Bélgica
xxx Spring Breakers 2012 Harmony Korine USA

xxx O Som ao Redor 2012 Kleber Mendonça Filho Brazil
xxx The Expendables 2 2012 Simon West USA
xxx Dark Horse 2011 Todd Solondz USA
xxx Hangover II 2011 Todd Phillips USA
xxx La Source des Femmes 2011 Radu Mihaileanu Belgium
xxx Hangover 2009 Todd Phillips USA

xxx Terra Sonâmbula 2007 Teresa Prata Mozambique
xxx Disengagement 2007 Amos Gitai France
xxx Modigliani 2004 Mick Davis France
xxx Haute Tension 2003 Alexandre Aja France

xxx O Gotejar da Luz 2002 Fernando Vendrell Mozambique
xxx Mary Reilly 1996 Stephen Frears USA
xxx Vacas 1992 Julio Medem Spain
xxx Days of Wine and Roses 1962 Blake Edwards USA

Nas duas estrelas começam aparecer alguns dos filmes que acabei por vezes de ter de fazer algum fast play, mas nem todos. Aqui temos Big Nothing e Souers Fâchées como duas comédias europeias interessantes. Por outro lado três filmes de grande orçamento - Die Hard 4, Ted, Total Recall - apresentam uma autêntica mão cheia de nada. Já Capitães da Areia foi uma pequena desilusão, com uma base tão rica, restou apenas uma boa imagem.

xx A Good Day to Die Hard 2013 John Moore USA
xx Ted 2012 Seth MacFarlane USA
xx Total Recall 2012 Len Wiseman USA
xx The Exchange 2011 Eran Kolirin Israel
xx Capitães da Areia 2011 Cecília Amado Brazil
xx Scialla! 2011 Francesco Bruni Italy
xx Seeking Justice 2011 Roger Donaldson USA
xx The Son of No One 2011 Dito Montiel USA
xx Room In Rome 2010 Julio Medem Spain
xx The Winning Season 2009 James C. Strouse USA
xx Big Nothing 2006 Jean-Baptiste Andrea UK
xx Les Soeurs Fâchées 2004 Alexandra Leclère France

Como uma estrela, existe pouco ou mesmo nada a dizer.

x That's My Boy 2012 Sean Anders USA
x Balas & Bolinhos - O Último Capítulo 2012 Luis Ismael Portugal


Para ver as notas dadas nos meses anteriores podem seguir a etiqueta FilmeMês. Para acompanhar as notas que vou dando ao longo do mês, ou ver a listagem de notas dos últimos anos podem visitar a minha folha de notas online.

agosto 01, 2013

Dicotomia em banda desenhada

Mused é uma série de banda desenhada criada por Kostas Kiriakis, que funciona segundo ele, como uma "espécie de diário" narrativo visual das ideias que o vão assombrando no dia-a-dia. Dessa série, fiquei bastante impressionado com a novela gráfica, A Day at the Park (2013), porque é profundamente filosófica, o que é algo pouco habitual de se ver tratado no formato de banda desenhada.

A Day at the Park (2013) de Kostas Kiriakis

A Day at the Park, lança-nos numa complexa dicotomia que pretende separar, e classificar as diferenças entre "Questões" e "Respostas". Quais são mais relevantes? e porquê? A discussão assume os contornos clássicos das dicotomias filosóficas, desde o querer distinguir entre corpo e alma, ao querer distinguir entre forma e conteúdo. É uma novela gráfica, que nos prende na discussão, nos "questiona" e obriga a reflectir, deixando-nos a pensar, muito para além da sua leitura.

Muito interessante também é depois de ler, ficar a conhecer como decorreu o processo criativo de construção da novela. Kiriakis diz-nos na sua página, que normalmente define um plano com um princípio, meio e fim para o que vai desenvolver, mas neste caso não foi assim. Aqui o processo foi profundamente exploratório, sem qualquer noção do que viria a suceder no quadro seguinte. Nas suas palavras, esta é uma forma de trabalhar com elevado risco, e bastante complexo a nível interno,
"Turns out the most difficult thing about that, is fighting that constant urge to get back in control. Which is another way of saying ‘I desperately need to get back in my comfort zone’. Playing it safe all the time though isn’t  a very expansive strategy. Especially in a creative process. So in a way it boils down to an exercise in courage really. Remembering that it’s ok to let go. Make mistakes. Play around. Go nuts. Have fun." [fonte]

julho 31, 2013

como prospera a nossa mente?

Trago mais uma comunicação de Ken Robinson, que não vem dizer nada de muito novo, mas como ele acaba dizendo, é preciso continuarmos a manifestar o nosso ponto de vista, para lutar contra os paradigmas instalados. Compete-nos a nós fazer com que mais pessoas compreendam o que está mal, e porque está mal, para que aos poucos esses paradigmas possam ser alterados.

How to escape education's death valley (2013) Ken Robinson

Ken Robinson aponta três princípios cruciais para que a mente humana possa prosperar, e que vêm sendo contrariados por vários modelos educacionais, tal como o seguido no sistema português, nomeadamente no consulado de Nuno Crato. Vejamos cada um, e analisemos o que estes modelos têm feito no sentido de os promover ou despromover.

Princípio 1. Os seres humanos são intrinsecamente Diferentes.
O que fizemos? Criámos exames e testes que garantem que todos os alunos saberão o mesmo em cada ano, e afunilámos o saber, restringido-o à Matemática e Português. Poderia ser mais irónico? Os exames deveriam, apenas e só, servir fins de diagnóstico do sistema, não podem servir para punir ou gratificar, não podem ser o centro da escola, não podem ser o fim da vida na escola. Quanto à Matemática e Português, questiono-me, como será possível criar atletas de relevo que nos motivem todos os dias da nossa vida, e artistas de qualidade que nos nos façam imaginar o que poderemos ainda vir a ser, se não dedicarmos espaço à Educação Física e às Artes na escola?

Princípio 2. Os seres humanos são intrinsecamente Curiosos.
O que fizemos? Retirámos a autonomia aos professores para desenhar os currículos das suas aulas, e obrigamo-los a seguir tudo o que é emanado do ministério centralizador. Como é possível despertar a curiosidade de cada um, se falo de igual modo para todos, e exijo o mesmo a cada um? De uma vez por todas, compreendam que a profissão de professor, é uma profissão profundamente criativa. Sim, é verdade. Aquela ideia de que quem não sabe fazer, ensina, é uma grande mentira. Porque saber ensinar, é saber fazer algo de bastante concreto. É desenhar a melhor forma de fazer chegar o conhecimento ao outro. É facilitar a aprendizagem do outro.

"What Teachers Make" banda desenhada de Zen Pencils, baseada na performance de Taylor Mali.

A única forma sustentável de facilitar a aprendizagem, é despertando a curiosidade. Já pararam para pensar porque é que gostam de ir ao cinema, porque é que gostam de ler um livro, ou de seguir uma série na televisão? Simples, porque estes artefactos utilizam a arma mais elementar de atrair a nossa atenção, que é atiçar a nossa curiosidade. Passamos todo o tempo que estamos envolvidos com estes artefactos, a questionar-nos, "o que é vai acontecer a seguir?".

E é por isso que a profissão de professor é altamente criativa, porque este tem de ser capaz de desenhar as suas aulas e os seus materiais, de forma a atiçar a curiosidade, de forma a manter o aluno interessado, para que este não se levante a meio da sessão, desista, e vá embora.

Princípio 3. Os seres humanos são intrinsecamente criativos.
Como é que eu posso despertar a criatividade das nossas crianças, se exigir a todas o mesmo, e se as punir por não serem iguais ao vizinho? Ken Robinson diz,
 "Nós criamos as nossas vidas, e podemos recriá-las enquanto as vivemos. É a prática comum de ser um ser humano. É por isso que a cultura humana é tão interessante, diversa e dinâmica (..) Todos criamos as nossas vidas ao longo deste processo incessante de imaginar alternativas e possibilidades, e esse é um dos papéis da educação, acordar e desenvolver esses poderes da criatividade."

julho 30, 2013

um hino à arte de criar

Foi em tempos tipógrafo, hoje com 97 anos e sérios problemas de visão, cria arte gráfica, com apenas o Microsoft Paint. Muito sinceramente, não sei com que me surpreenda mais, se a idade tão avançada, se a criação de arte visual por alguém com forte debilidade no campo da visão, ou o simples facto de se poder criar algo com qualidade a partir de uma ferramenta como o Paint. Falo de Hal Lasko, do Ohio, EUA.


O computador é aqui uma verdadeira ferramenta de acessibilidade, porque é o simples efeito de permitir o zoom da imagem que possibilita  Hal Lasko continuar a produzir trabalho visual. Ou seja, Lasko trabalha as imagens ao nível do pixel, tal como se produzisse uma ilustração através da técnica de pontilhismo. Claro que para o fazer, e tendo em conta todas as suas limitações de visão e próprias da idade, precisa de imenso tempo, chegando a levar 2 anos para criar uma imagem apenas.




Uma das coisas que mais me impressionou, foi o filho dizer que ele não pára de falar sobre o seu trabalho, que não gosta de ir ao estúdio dele porque depois não consegue sair de lá, o seu pai não pára de lhe mostrar coisas. Isto é deveras impressionante, porque mostra a tenacidade da sua motivação intrínseca. Mas mostra ainda o quão importante é a comunicação na arte. A necessidade do pai mostrar ao seu filho o que faz, e receber feedback, para que faça sentido continuar. Ou seja, a motivação é intrínseca, mas ainda assim precisa de se alimentar. Tal como o filho, o aluno, o aprendiz precisam continuamente de feedback para poder continuar a trilhar o seu caminho.
"he painted on the computer all. the. time. No one knew how important this program would become to Grandpa until he lost some of his vision in 2005 because of wet macular degeneration. Since then Hal has also lost the majority of his hearing. Despite these "setbacks" Grandpa wakes up everyday and is still inspired to create." [fonte]
Só uma motivação tão desmedida como aquela que podemos ver expressa no documentário permitiu que Hal Lasko tivesse claramente evoluído dos primeiros desenhos para os últimos. Podemos notar um claro aumento de complexidade visual, e como o incremento no domínio da técnica acabou por libertar Hal do figurativo realista, permitindo-lhe atingir uma vertente mais impressionista. É um verdadeiro hino à arte de criar.

The Pixel painter (2013) de Josh Bogdan e Ryan Lasko

[via Gizmodo]

julho 29, 2013

a Fé dos Comics

Acabou mais uma Comic-Con, e para quem não pôde estar presente, nada como ver o documentário que Morgan Spurlock fez há dois anos, Comic-Con Episode IV: A Fan's Hope, (2011). É um documentário feito para quem já conhece o evento, não procura dar explicações, antes nos leva adentro do evento através da perspectiva de oito pessoas, que ali vão por motivos diferentes. Desde do vendedor de BD de coleção, aos desenhistas que procuram um lugar na indústria mostrando os seus portefólios, até aos fãs de cosplay que investem todo um ano a construir a melhor máscara.


Na verdade o que me interessava mais neste documentário era compreender porque é que uma convenção de banda desenhada criada nos anos 1970, passou nos anos 2000 para a ribalta, e se tornou num evento que merece a atenção de toda a imprensa mundial. Nisso o documentário é prolífero, desde os fãs de primeira hora que se queixam de que a Comic-Con já não é a Comic-Con, até às enumeras estrela de Hollywood que aproveitem o evento, para autopromoção, e promoção de filmes em cartaz. Tenho poucas dúvidas que para tudo isto terá contribuído imenso todo o sucesso que a Marvel conseguiu nos últimos 10 anos, passando de marca consagrada do mundo da BD, para grande marca de Hollywood.

Mais interessante é perceber porque aconteceu isto com a Marvel, e as razões são várias, embora duas delas me pareçam determinantes: a computação gráfica, e o universo criativo de storytelling. Ou seja, nunca até hoje tinha sido possível passar para o ecrã, de modo "realista" aquilo que tínhamos nas páginas da BD. Só a recente transformação plástica do cinema, que deixou de tratar a realidade através da fotografia, e passou a tratá-la antes como pintura (ver crítica a Hobbit), tornou isto possível. Por outro lado nos últimos anos o cinema vinha acusando falta de histórias, falta de novos universos narrativos, imaginativos e criativos, e o mundo da BD surgiu como um verdadeiro novo fôlego.

Mas a Comic-con não é apenas BD e Cinema, a Comic-con é hoje um evento de congregação e festejo de todas as Artes do Entretenimento, aquilo que alguns denominam de arte popular, ou artes de consumo. De entre as quais os videojogos se destacam por terem assumido um papel determinante em termos de importância financeira na última década. Mas não aceito a ideia de que possam ser artes distintas, que se possam rotular de mero consumo, comercial ou popular, porque são-o tanto como todas as outras. Acredito que o que mais caracteriza este domínio artístico específico, e o distancia das outras formas de arte, é o facto de se assumir como de entretenimento puro e livre de pretensões. É um movimento genuíno, sentido, e acarinhado por toda uma comunidade muito diversificada. Não existem tabus quanto aos temas a ser tratados, mas provavelmente o tema mais comum que podemos encontrar na congregação de todos estes meios artísticos, seja o Escapismo.


No final do documentário, é difícil não nos questionarmos o que leva tantos milhares de pessoas a fazerem o que fazem, a seguir o que seguem, tão cegamente. Do meu lado, não consigo ver qualquer diferença entre esta meca, e as anteriores criadas pelas várias religiões no planeta. O ser humano precisa desesperadamente de motivos para acreditar em algo superior a si, seja de que ordem for.

julho 26, 2013

sobre o criador de Minecraft

Markus Persson mais conhecido por "Notch", foi alvo de um texto biográfico por Simon Parking para a revista New Yorker, intitulado The Creator. Nesta análise podemos ficar a conhecer melhor quem é o criador por detrás de um dos maiores sucessos do mundo dos videojogos, Minecraft (2009-2011). Posso dizer que o que mais me surpreendeu foi a coerência cultural que emana das vivências dos países frios do hemisfério norte, da Escandinávia ao Alaska.

Markus Persson, criador do videojogo Minecraft (2009-2011)

A infância de Persson, na Suécia, não difere muito da de muitos que hoje em Portugal têm entre 35 e 40 anos, e que começaram as suas primeiras experiências informáticas a programar num ZX Spectrum. A testar sistemas e a sonhar com uma carreira num mundo das tecnologias e cultura ligada ao desenho e desenvolvimento de videojogos. Tal como cá, Persson também foi desaconselhado a seguir tal rumo. Era algo sem futuro, impossível de cumprir enquanto atividade profissional num país pequeno como a Suécia. Por isso seguiu Design Gráfico. Este seu percurso permitiu-lhe começar a criar os seus primeiros jogos, a desenhar e programar mais de 30 jogos em Flash, enquanto trabalhava como web designer. Foi com este background que surgiu a ideia e as competências para levar a cabo Minecraft. Inicialmente ficou em part-time na empresa de web-design, e depois saiu completamente apenas para terminar Minecraft.

Um percurso perfeitamente legítimo, auto-explicável, sustentado, sem passos de mágica ou genialidades incompreensíveis. Muitos anos, muito investimento pessoal em fazer aquilo que se sonhava desde cedo. E por isso me interessou ainda mais a sua história familiar, que achei deveras interessante, e impossível não comparar com outras histórias dos países frios do Norte.

Persson teve uma adolescência agitada, com um pai alcoólico e muito pouco presente. Ainda assim, nas suas declarações podemos compreender como este o amava. Podemos compreender que apesar de distante, o seu pai foi fundamental na suas escolhas e na perseverança em lutar por aquilo em que mais acreditava. Não vou aqui relatar o que está no artigo, porque seria de algum modo revelar o clímax da narrativa do texto de Parking, que julgo que vale a pena ler por completo.

David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui)

Quero apenas aqui estabelecer a ligação entre aquilo que poderão ler na segunda parte do texto, a propósito da vida pessoal de Persson e do seu pai, com aquilo que experienciei na leitura do livro de David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui). Persson na Suécia, Vann no Alasca, com tanta proximidade nos sentires. Se sentiram a história de Persson, aconselho vivamente a leitura do livro de Vann.

julho 25, 2013

as portas da percepção

Enter the Void (2010) é uma inspiração cinematográfica, na forma e no conteúdo, é uma obra-prima. Um acesso visual ao nosso mundo que só o cinema nos poderia dar, é a linguagem cinematográfica a evoluir, a atingir patamares sonhados, mas nunca antes trabalhados, à espera de Gaspar Noé. A qualidade visual só foi possível graças ao envolvimento da empresa de VFX francesa, a BUF, e graças à enorme persistência de Noé para conseguir realizar o seu sonho. Noé diz-nos que a inspiração para o filme veio de,

"Lady in the Lake, smoking joints, eating mushrooms, reading books about life after death ['The Tibetan Book of the Dead']" [fonte]
Só faltou referir o aspecto visual de 2001: A Space Odyssey (1968) de Kubrick e Trumbull, para termos o conjunto completo. Lady in the Lake (1947) foi o primeiro, e continua a ser o único, filme inteiramente filmado em primeira-pessoa. Aqui Noé começa na primeira-pessoa, ao fim de algum tempo passa para terceira-pessoa, e passado algum tempo passa para aquilo que nos videojogos definimos como god mode, vista de cima do todo. Muitas das cenas do filme parecem totalmente impossíveis de conseguir, algumas bastante mundanas, como a da casa de banho, mas impressionam quem sabe que naquele espaço delimitado seria impossível colocar uma câmara. Daí que o filme seja todo um universo visual fabricado, mas ao ponto de ser perfeitamente credível. São 2h41m de movimento de câmara, sem pausas nem interrupções, é de tirar o fôlego. Impressiona como Noé nos leva ao longo de tanto tempo, sem nos darmos conta dos minutos que passam, porque nos sentimos tão envolvidos, tão próximos, como se aquela câmara, fossemos nós ali mesmo, a olhar para a realidade.



Noé faz neste filme aquilo que foi sonhado já muitas vezes por críticos de vanguarda como André Bazin ou Chris Marker, a propósito do poder do cinema, da sua capacidade para dar a ver, da sua força expressiva para ilustrar ideias, para comunicar por imagens. É toda uma nova linguagem que temos aqui, profundamente visual, expressiva e ao mesmo tempo tão narrativa. Noé, elevou o cinema a um novo patamar. Nunca antes a primeira-pessoa tinha sido utilizada desta forma tão capaz de comunicar connosco. Lady in the Lake falha, porque apesar de utilizar a primeira-pessoa, narrativamente fá-lo de um modo convencional. Noé, criou toda uma nova gramática para fazer uso desta perspectiva. Para suportar a subjectividade visual, usa a câmara colada ao pescoço do personagem, como nos videojogos, e usa incansavelmente o god mode. Para além disso, usa um artifício narrativo essencial, o protagonista é suportado por um co-protagonista, companheiro emocional, a irmã. Sem isto, seria difícil chegar ao âmago da emocionalidade do protagonista, e claro do filme. Porque tal como em Lady in the Lake, raramente vemos a cara do protagonista, e por isso dificilmente nos conseguimos projectar sobre ele, a empatia seria difícil, se não impossível sem a irmã. Basta pensar no acidente que aparece ao longo do filme várias vezes, para perceber a importância do papel da irmã.


Relativamente à história, Noé parece ser muito directo no que quer dizer, e nem sequer o esconde por detrás de simbolismos, como por exemplo podemos ver Leos Carax fazer. O filme introduz-nos de imediato ao que vem, apresentando-nos ao Livro Tibetano dos Mortos, e chega mesmo a fazer uma breve um introdução ao seu essencial por meio de um personagem. O filme abre-se, é narrativo apesar de todo o ultra-experimentalismo a que podemos assistir. Dificilmente poderíamos ter tido um objecto tão perfeito como este, capaz de segurar de um lado a essência do storytelling, com causa-efeito coerentes, e ao mesmo tempo tanto deslumbre técnico-visual, que poderia quase por si só sustentar todo o filme, como tantos ousaram no passado fazer.


Noé leva-nos através de uma viagem filosófica sobre a vida. Sustenta as suas teses na visão budista do corpo e mente, e dá-lhes corpo por meio de drogas alucinogénicas, as únicas capazes de abrir as nossas "portas da percepção" segundo Aldous Huxley (1954). Jim Morrison tinha-se encarregado de verter as portas da percepção para poemas e música. Agora Noé conseguiu materializar essa ideia em imagem, e mostrar finalmente de que são feitas essas portas, por meio do cinema.