abril 05, 2013

Filmes de Março 2013

Em Março pude finalmente apreciar o novo filme de Vinterberg, The Hunt, que coloca o dedo numa das feridas mais complexas que temos de enfrentar na atualidade. Vinterberg não se limita a fazer um filme sobre o assunto, questiona-nos, retira-nos as certezas, coloca-nos face a sentimentos instintivos. Evidencia claramente que se evoluímos na proteção de uns, foi à custa da perda de proteção de outros. Complexo, e importante. Aliás, um filme em sintonia com Monsieur Lazhar, no que toca a análise da evolução da sociedade, um filme sobre os professores e os alunos, que precisava de ser visto por todos. Da Roménia tive oportunidade de ver também o último trabalho de Mungiu, Beyond the Hills, que me agarrou pelo rigor estético, a cinematografia e as interpretações são brilhantes. A surpresa do mês foi com Compliance, do qual tentarei falar aqui nos próximos dias.

Quanto a desilusão do mês, On the Road, podia ter sido tanta coisa, tinha tudo, tinha Kerouac e tinha Salles, mas ficou pelo caminho. Upside Down tinha também uma premissa forte, contou com um bom trabalho nos efeitos, mas a premissa acabou por sucumbir ao romance. Outra desilusão foi a interpretação de Jennifer Lawrence, premiada com o Oscar deste ano, um ano que contava com duas nomeações femininas brilhantes - Jessica Chastain e Naomi Watts - confirmando a irrelevância destes prémios em termos de mérito.

xxxx The Hunt 2012 Thomas Vinterberg Denmark

xxxx Beyond the Hills 2012 Cristian Mungiu Romania

xxxx Hitchcock 2012 Sacha Gervasi USA [Análise]

xxxx Compliance 2012 Craig Zobel USA

xxxx Monsieur Lazhar 2011 Philippe Falardeau Canada


xxx The Perks of Being a Wallflower 2012 Stephen Chbosky USA

xxx The Hobbit. An Unexpected Journey 2012 Peter Jackson USA [Análise]

xxx Silver Linings Playbook 2012 David O. Russell USA

xxx Rise of the Guardians 2012 Peter Ramsey USA

xxx Hotel Transylvania 2012 Genndy Tartakovsky USA

xxx Les Misérables 2012 Tom Hooper USA

xxx Arbitrage 2012 Nicholas Jarecki USA


xx Upside Down 2012 Juan Solanas Canada

xx On the Road 2012 Walter Salles France/USA


Zambezia 2012 Wayne Thornley South Africa


[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - Insuficiente; xx - A Desfrutar; xxx - Bom; xxxx - Muito Bom; xxxxx - Obra Prima]

a criança e o brinquedo

"Nestas idades, todos eles são mais ou menos iguais. Eles querem apenas brincar." É esta a conclusão de Gabriele Galimberti ao fim de 18 meses passados a fotografar crianças junto dos seus brinquedos preferidos. Ainda assim Galimberti diz que se podem notar diferenças no modo como brincam.

Niko - Homer, Alaska
"As crianças mais ricas, eram mais possessivas. No início, não queriam que eu tocasse nos seus brinquedos, e eu precisava de mais tempo até que elas me deixassem brincar com eles. Nos países pobres era muito mais fácil. Mesmo que apenas tivessem dois ou três brinquedos, elas não se importavam. Na África, as crianças brincavam essencialmente com os amigos fora de casa."
Mais interessante, é a conclusão de Galimberti a propósito daquilo que se pode extrair em termos associativos. Ele sentiu no seu trabalho que de algum modo aqueles brinquedos refletiam também as ambições e mundos dos pais de cada criança. A mãe da Letónia que guiava um taxi e enchia o filho de carrinhos. O agricultor italiano cuja filha orgulhosamente exibia ancinhos, enxadas e pás de plástico. Os pais do Médio Oriente e da Ásia que quase empurravam os miúdos para serem fotografados, mesmo aqueles que não estavam muito dispostos a isso. Enquanto os pais da América do Sul estavam muito mais relaxados e diziam que podia fazer o que quisesse, desde que o seu filho não se importasse.

Os brinquedos são uma parte extremamente importante da cultura humana. Nesta imagem podemos ver um brinquedo grego do Século IV A.C. [Brinquedo em exposição no Museu Arqueológico de Atenas. Fonte]

Do meu lado, o que mais me impressionou neste retrato internacional, foi a obsessão do ser humano pelos conjuntos de peças, de diferentes formas e cores. Como se existisse uma necessidade constante de juntar mais ao que já temos, uma espécie de colecionismo processado ao nível mental. Repare-se na menina da Zambia e os seus óculos de sol, ou no menino do Texas com os seus aviões. Impressiona-me em termos cognitivos, porque se reflete ao longo de toda a nossa vida. Aquilo que buscamos nos brinquedos, de algum modo não se diferencia muito daquilo que vamos procurar mais tarde, na nossa vida. Não me refiro concretamente ao tema dos brinquedos, mas à nossa relação possessiva e coleccionista com estes.

Empatização e Sistematização (Baron-Cohen, 2003: 178)

Sobre os temas, apesar de toda a influência circundante, própria de seres em construção e modelação, o que mais me impressiona é a reiterada clivagem entre meninas e meninas, e uma tão clara afirmação e peso das bonecas para meninas e de carros para meninos. Apesar de podermos encontrar excepções, maioritariamente e independentemente do continente, podemos dizer que universalmente as meninas brinca com bonecas e peluches, enquanto os meninos brincam com carros, comboios e aviões. Sei bem que se levantam muitos contra esta diferença, afirmando que é meramente criada pela sociedade. Do meu lado o que vejo aqui, é aquilo que venho falando, baseado nos trabalhos de Baron-Cohen (ver imagem acima). As meninas recorrem às bonecas porque elas estimulam a imaginação no campo da empatia e do relacionamento social. Já os rapazes recorrem aos carros porque estes evocam a sua motivação para compreender como é que os sistemas funcionam. Isto não quer dizer que não existam homens mais empáticos, e mulheres mais orientadas aos sistemas, mas como podemos ver nesta série fotográfica são mais excepção do que regra.

Allenah - El Nido, Philippines

Abel - Nopaltepec, Mexico

Bethsaida – Port au Prince, Haiti

Chiwa – Mchinji, Malawi

Cun Zi Yi – Chongqing, China

Davide - La Valletta, Malta

Elene - Tblisi, Georgia

Farida - Cairo, Egypt

Arafa e Aisha – Bububu, Zanzibar

Jaqueline - Manila, Philippines

Julia – Tirana, Albania

Kalesi - Viseisei, Fiji Islands

Li Yi Chen - Shenyang, China

Keynor – Cahuita, Costa Rica

Lucas - Sydney, Australia

Maudy - Kalulushi, Zambia

Naya - Managua, Nicaragua

Noel - Dallas, Texas

Norden – Massa, Morocco

Orly - Brownsville,Texas

Pavel – Kiev, Ukraine

Puput - Bali, Indonesia

Shaira – Mumbai, India

Ragnar - Reykjavik, Iceland

Ralf - Riga, Latvia

Reanya - Sepang, Malaysia

Ryan - Johannesburg, South Africa

Stella – Montecchio, Italy

Taha - Beirut, Lebanon

Talia - Timimoun, Algeria

Tangawizi – Keekorok, Kenya

Tyra - Stockholm, Sweden

Alessia – Castiglion Fiorentino, Italy

Botlhe – Maun, Botswana

Enea - Boulder, Colorado

abril 04, 2013

"Civil War", extenso e desaproveitado

Finalmente acabei de ler um dos arcos narrativos da Marvel mais badalados da última década, Civil War, e um dos maiores, espalhado por mais de 100 livros e 3000 páginas. Já não lia comics com esta continuidade desde os anos 1990, e se o fiz agora novamente, deve-se essencialmente ao iPad e ao acesso online. Se existe conteúdo para o qual o iPad parece ter sido desenhado propositadamente, é o dos comics. O brilho e o tamanho do ecrã, e a usabilidade deste, tornaram-no num perfeito leitor de comics. A PSP tinha um ecrã demasiado pequeno, o Kindle era monocromático, o iPad abriu uma nova janela para o meu passado!

Civil War (2006-2007), atravessa mais de 100 livros, num total de mais de 3000 páginas

Civil War tornou-se um arco de peso capaz de saltar as fronteiras dos comics, dado que o assunto de fundo tratado tem uma relação directa com o momento da história em que vivemos. É inevitável comparar o fundamento de todo o conflito, o Superhuman Registration Act (registo governamental de todos os que detém super-poderes) com toda a paranóia e nova legislação que atenta contra a liberdade individual nos EUA, o Patriot Act, criada na sequência dos ataques do 11 de Setembro 2001. Se logo após o 11/9 a comunidade aceitou que o governo usasse de todos os poderes para garantir a segurança, com o passar dos anos começou a questionar-se sobre o que é que o governo andava a fazer com tanto poder conferido. Com Guatanamo a manter pessoas indefenidamente prisioneiras sem acusação, com a invasão do Iraque sem fundamento, com milhares de deportações dos EUA por meras razões raciais/religiosas. A ideia de proteção a qualquer custo começou a deixar de ter o sentido que aparentemente parecia ter. Deste modo a Marvel aproveitou todo este sentimento generalizado na comunidade para lançar o arco da Civil War em 2006 que se estendeu até 2007.


Civil War centra-se num conflito extremamente simples, o choque entre dois grupos de heróis, um por e outro contra o registo de todos perante o governo. Os problemas começam com as implicações da descoberta de identidades que isso tem sobre a vida de cada um, o que vai servir de mote para discutir muito mais sobre a informação e controlo da informação em sociedade e pelos governos. Do lado por, o grupo é liderado pelo Homem de Ferro, do lado contra, é liderado pelo Capitão América. Neste evento acaba por ser envolvido praticamente todo o universo de heróis Marvel, mesmo alguns que tinham entretanto desaparecido, regressam ao mundo dos vivos para dar o corpo e surpreender. Assim como vários heróis acabam por perder a vida ao longo desta saga, servindo assim a dramatização de tudo o que vai acontecendo. Em termos de nós principais, estes estão centrados sobre um grupo mais reduzido de personagens, num primeiro plano temos Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha e Reed Richards (Senhor Fantástico). Num segundo plano temos ainda Pantera Negra, Thunderbolts, os Novos Vingadores, Namor e os Atlantes e Wolverine.


Julgo que o primeiro plano funciona muito bem, mas o segundo é um mero aproveitamento narrativo para expandir o tema e o tornar maior do que aquilo que seria necessário, e assim também garantir mais história e mais vendas. Nesse sentido Civil War acaba por perder face a outros eventos do passado que conheço bem - Secret Wars - nomeadamente por se perder entre tantas ramificações. Um dos maiores problemas apontados pelos fãs foi exactamente a desarticulação do arco geral. Muitos dos livros que iam surgindo pareciam falhar na coerência com os eventos centrais, tanto em termos cronológicos como em termos de causalidade. Eu senti isso também mas era algo quase inevitável tendo em conta a dimensão, distribuição e a duração do arco. É preciso ter em conta que estão aqui em jogo várias equipas de escritores e desenhistas que normalmente trabalham nos seus projectos, seguindo as suas linhas temporais.

Aliás esse foi talvez o pior sentimento produzido pela série, as diferenças estéticas tanto na arte visual como na escrita. As abordagens são tão diferentes, e o modo como cada um toca certas cordas emocionais é muito distinta. Desse modo acaba por ser muito natural que estejamos a ler um dos livros, e adoremos pelos diálogos, e logo a seguir noutro apenas nos detanhamos sobre a arte gráfica.

Por outro lado passados mais de 6 anos sobre o lançamento de Civil War o seu mote continua imensamente atual. Aliás é muito relevante que a Marvel tenha ousado entrar numa discussão tão política e tão atual. A série começa por nos confrontar com discussões, por vezes profundas sobre o que está em causa. Nomeadamente as discussões sobre a luta pela Lei e a luta pelos Princípios é o melhor. A justificação para a tomada de posição a favor de Reed Richards é também muito boa. Mas depois o guião acaba por se perder na segunda parte, a luta mantém-se porque tem de se manter, e o conflito acaba porque tem de haver um fechamento. Esta série tinha potencial para se tornar em algo verdadeiramente inesquecível, algo capaz de elevar as qualidades humanas, mas acaba por falhar tudo isso. Claramente o seu escritor, Mark Millar, não consegue dar respostas, limita demasiado o alcance daquilo que está em causa, talvez com receio da falta de bagagem do seu público alvo. Falhou, porque tendo sido capaz de lançar-se numa jornada destas deveria ter sido capaz de a assumir até ao final.


Para quem quiser ler, não aconselho a leitura de todos os cento e tal livros, aconselho apenas os 7 livros principais, que podem ser encontrados num único tomo (TPB) Civil War. Se quiserem mais leiam também The Road to Civil War que dá detalhes sobre muitas das questões discutidas ao longo dos 7 livros. Para os fãs de cada personagem existem vários TPB que reúnem as histórias de cada herói relacionadas com o evento.

abril 03, 2013

a cultura dos indie

The Subculture of Indie Video Game Makers (2012) é um pequeno documento sobre a cultura indie dos videojogos, oferecendo entrevistas com vários actores da cena indie internacional presentes no Indie Cade 2012 - International Festival of Independent Games. O filme foi produzido pelo Thrash Lab, um estúdio habituado a trabalhar com culturas underground.


No filme podemos ouvir John Romero, criador de Doom, falar do género nos indie, podemos ver jogos serem pensados para as mais diversas palataformas além do mero monitor, como por exemplo jogos para os siftables, ou ainda ouvir Jennifer Schneidereit falar do belíssimo Tengami. Podemos sentir uma vibração criativa que contamina o espírito de todos estes criativos, um desejo por criar algo que nunca ninguém antes experienciou ou sonhou experienciar.

Isto é no fundo a base da cultura indie, o espírito criativo é aquilo que diferencia um jogo indie de um jogo feito para o mercado. O que está em questão aqui, não é seguir um padrão, ou género, de como se fazem as coisas, é antes arriscar e fazer algo que nunca ninguém fez antes.