dezembro 25, 2012

o fantástico selvagem

Beasts of the Southern Wild (2012) surgiu surpreendendo o Sundance Festival deste ano. Confesso que li alguns textos antes de chegar ao filme, alguns de pessoas que normalmente sigo e baixei a expectativas criadas pelo furor online. Apesar de tudo isso fui totalmente apanhado de surpresa pela força arrebatadora da obra de Benh Zeitlin.


Beasts of the Southern Wild apresenta uma singularidade inovadora no seu storytelling. O modo como foi capaz de pegar em gramática da performance teatral mágico-realista e mesclá-la com a gramática cinematográfica, levou à criação de algo novo. Não que nunca se tenha misturado teatro e cinema, aliás o cinema nasceu desta mescla, mas aqui a inovação apresenta-se pela intensidade com que se produziu a fusão das linguagens. Zeitlin usa o lado teatral da performance de grupo, e produz o storytelling entrando com a câmara adentro do grupo, encostando-a ao pele de cada um, fazendo-nos sentir o que sente cada personagem em cada momento. O facto de filmar em 16mm com câmara sempre ao ombro confere-lhe um realismo que contrasta fortemente com algum faz-de-conta caro ao teatro.


Algumas partes do filme podem parecer ir longe demais no faz-de-conta, mas a meio do filme começamos a compreender de que é feito o filme, o seu cenário de fantasia teatral, e entramos na atmosfera, aceitamos, sentimos e absorvemos. Sentimos que aquele grupo de pessoas em torno de Hushpuppy não é mais do que uma companhia de teatro que segue e prepara o caminho para o total enfoque na trama central. A história é pura fantasia, mas com elementos suficientemente reais para fazer o espectador realizar analogias com momentos da história recente, nomeadamente o furacão Katrina.


As audições para Hushpuppy protagonista criança pediam crianças entre os 6 e os 9 anos. Quvenzhané Wallis tinha apenas 5 anos quando fez a primeira audição e impressionou pela sua capacidade de ler e de gritar. Vários dos actores são residentes sem experiência, o actor que faz de pai de Hushpuppy, Dwight Henry, era um pasteleiro de Nova Orleães. O filme foi feito por um grupo reduzido de profissionais, que se designam de Court 13, sendo o resto pessoas que pertencem ao local aonde filmam.


O filme ganhou o Grand Jury Prize: Dramatic no Sundance Film Festival 2012 e ganhou a Caméra d'Or no Festival de Cannes 2012 entre muitos outros prémios.

dezembro 23, 2012

um polícia em cada escola?

Mais uma desgraça numa escola americana. No processo de busca por culpados a NRA (National Rifle Association) resolveu apontar baterias aos media - cinema, videoclips e videjogos. O Vice-presidente, Wayne La Pierre veio dizer,

Wayne LaPierre, vice-presidente da NRA
"There exists in this country a callous, corrupt, and corrupting shadow industry that sells, and sows, violence against its own people, through vicious, violent video games with names like Bulletstorm, Grand Theft Auto, Mortal Kombat, and Splatterhouse. And here's one: it's called Kindergarten Killers. It's been online for 10 years. How come my research department could find it and all of yours either couldn't or didn't want anyone to know you had found it?"
Interessante esta referência a Kindergarten Killers (2002), denota o desespero da NRA para atirar as culpas para alguém. Colocar Kindergarten Killers ao nível dos outros jogos citados, deve ser um motivo de orgulho para o seu criador, embora não tenha um artefacto de que se possa orgulhar. O que temos ali é uma espécie de pequeno experimento Flash que faz uso da velha mecânica do Duck Hunt (1984), em que os patos são substituídos por crianças. De mau gosto e por isso mesmo foi banido há muitos anos de vários sites conceituados de jogos como o Newgrounds e o Kongregate, por isso não se fala do jogo, e o departamento de investigação da NRA encontrou-o porque na internet nada desaparece completamente nunca. Podem jogar e confirmar o que digo aqui. Mas para a NRA não são só os jogos,
"Then there's the blood-soaked slasher films like American Psycho and Natural Born Killers that are aired like propaganda loops on Splatterdays and every day, and a thousand music videos that portray life as a joke and murder as a way of life. And then they have the nerve to call it entertainment. But is that what it really is? Isn't fantasizing about killing people as a way to get your kicks really the filthiest form of pornography?"
E para rematar, além de querer banir estes media, a NRA considera ainda que a melhor forma de atacar o problema é colocar um polícia em cada escola, porque segundo eles,
"The only thing that can stop a bad guy with a gun is a good guy with a gun, We care about our president, so we protect him with armed Secret Service agents. Members of Congress work in offices surrounded by Capitol Police officers".

"Yet, when it comes to our most beloved, innocent, and vulnerable members of the American family, our children, we as a society leave them every day utterly defenseless, and the monsters and the predators of the world know it, and exploit it."
Ideia de protesto contra o discurso da NRA

O discurso foi criticado por todos os quadrantes, mas no dia seguinte veio o presidente da NRA, David Keene veio recordar os bons velhos tempos em que,
“we often brought our shotguns to school and went hunting afterwards. You got to take your gun on the plane and throw it in the overhead.”
David Keene, presidente da NRA

Isto é insanidade. E por isso não adianta perder muito tempo a discutir o caso. Sobre tudo isto resolvi escrever um texto esta semana para a Eurogamer, não para desmontar estas insanidades, mas para compreendermos melhor as razões por detrás do design do acto de matar nos videojogos.

dezembro 22, 2012

Walking Dead, a narrativa interactiva

The Walking Dead (2012) é um dos jogos do ano, mas uma das grandes razões para tal prende-se com o texto que é baseado na banda desenhada com o mesmo nome de 2003, escrita por Robert Kirkman. Aliás a escrita de Kirkman é de tal forma forte que tanto os livros como a série de TV (2010), dirigida por Frank Darabont (o realizador de The Shawshank Redemption), tiveram um enorme sucesso, e este volta a repetir-se agora com o jogo da TellTales.




Confesso que a minha primeira reação há uns meses  foi, “mais zombies, não por favor”. Mas The Walking Dead é diferente, não no conteúdo, porque aí muda pouco, um qualquer tipo de vírus é lançado sobre a população humana que a transfigura, fazendo com que todos os que ainda não foram afectados pelo vírus, se transformem em Zombies depois da mordida. É na escrita que nos vemos face a uma nova abordagem narrativa. Kirkman mantem-nos num alerta constante, o perigo é contínuo, ao mesmo tempo que explora em profundidade as relações entre os seres humanos em perigo. Os diálogos são o centro da narrativa, o que faz com que Walking Dead não seja sobre zombies, mas seja sobre as relações humanas, sobre o modo como a sociedade reage em modo de sobrevivência.

"The Walking Dead" (2003) de Robert Kirkman

Uma outra grande razão prende-se com a excelência do trabalho da TellTales em garantir que toda a dramatização da narrativa chega até ao espectador. Para o fazer usa toda a linguagem cinematográfica para garantir que a informação do diálogo comunica, ou seja, que não só se deixa compreender como reproduz toda a forma de empatia necessária à relação dos personagens com os jogadores. Praticamente todos os diálogos oferecem múltiplas interações de resposta, garantindo a interactividade por meio da maior personalização da história. Diria que 70% do tempo estamos impedidos de interagir, mas nem por isso nos sentimos incomodados, porque sentimos a narrativa avançar, e toda a componente musical se encarrega de o fazer, e que bem que o faz. Compreendemos que a não interação nos está a permitir saber mais sobre o que se vai passar a seguir. Aliás é inevitável comparar The Walking Dead com The Outbreak um filme interativo que surgiu na web em 2008, e que foi uma um dos primeiros experimentos de filme interativo a conseguir desencadear respostas emocionais fortes a partir das escolhas na história. Apesar dessa semelhança, aqui temos a navegação no espaço que funciona como uma espécie de gratificação do lado de jogo, além de que os diálogos e as nossas opções sobre os mesmos são muito mais ricos.


Relativamente à navegação, a PS3 e o iPad criam duas experiências completamente diferentes. A interface teve de ser redesenhada para acomodar a interface de toque do iPad. Em teoria seria normal esperar que a experiência no iPad fosse mais rica, uma vez que podemos aceder ao mundo virtual de forma mais direta, sem aparente intermediário, mas a prática demonstra algo bem diferente. Aliás não deixa de ser estranho sentirmos uma liberdade menor na plataforma que mais revolucionou o acesso direto ao conteúdo digital, o iPad. Comparando as duas versões, nos momentos de interacção espacial, chegam a existir zonas, dos espaços em que estamos, que no iPad nem sequer conseguimos ver porque a interface é atabalhoada e não nos permite ter um controlo integral do espaço.

Esta comparação só me comprova que o gamepad (com thumbsticks analógicos) continua a ser a melhor interface para aceder a mundos tridimensionais, incomparavelmente mais fácil que qualquer outra interface, seja um teclado, um Wiimote, uma Kinect ou o iPad. Navegar num mundo tridimensional e agir sobre ele continua a ser algo bastante complexo, algo que não se simplifica apenas introduzindo o corpo ou as mãos na equação.

uma experiência íntima em videojogo

dys4ia (2012) é mais um videojogo brilhante na demonstração do potencial expressivo do medium. dys4ia apresenta-se como uma espécie de diário de Anna Anthropy que relata o momento da sua vida em que resolveu avançar com o tratamento hormonal, toma de estrogénio, para realizar a troca de género.


Em termos de gameplay temos uma espécie de história interactiva entrecortada por mini-jogos bem desenhados e completamente incorporados pelo jogo como um todo. Apesar de se aproximar em parte da história interactiva, este requer do jogador uma constante ação e ligação ao que se vai passando no ecrã. O ritmo e a duração da experiência são outros pontos de excelência, e em que Anna Anthropy consegue focar a nossa atenção, não nos deixando por um segundo vaguear para fora do tema. A narrativa por sua vez faz o resto, com um arco perfeito, com uma introdução que apresenta o problema, um desenvolvimento carregado de conflito, e um dénouement de dever concretizado e pura satisfação com a experiência, é brilhante.

dys4ia is the story of the last six months of my life: when i made the decision to start hormone replacement therapy and began taking estrogen. i wanted to catalog all the frustrations of the experience and maybe create an “it gets better” for other trans women. when i started working on the game, though, i didn’t know whether it did get better. i was in the middle of the shit detailed in level 3 of the game, and at the time i had no idea what the ending would be; it was hard to envision a happy ending.

O jogo é uma obra fortemente emotiva, em parte porque sabemos que aquilo que se relata funciona como uma espécie de confissão de alguém real. Não assistimos a uma ideia ficcional dos efeitos hormonais, mas antes somos levados a participar nesses efeitos por meio da interactividade o que nos envolve mais ainda com o sentir daquela pessoa.



dys4ia coloca em total evidência o poder artístico dos jogos. Se dúvidas houvesse sobre a capacidade destes servirem a expressão pessoal, e íntima, de ideias e sentires ficam aqui totalmente desfeitas.

Jogar no Newsgrounds.

dezembro 19, 2012

Gameplay como parte de um todo

Thomas Was Alone (2012) parece à primeira vista um jogo Flash básico, feito em pouco tempo e com poucos recursos, nomeadamente por recorrer a figuras geométricas para representar personagens de uma narrativa completa, mas é bem mais do que isso. O primeiro protótipo do jogo foi feito em Flash e colocado no Kongregate em 2010, tendo sido retirado pouco depois para através do Unity ser transformado num jogo completo com quase 100 níveis, tendo sido lançado em Junho de 2012.



Os ingredientes que mais se destacam são sem dúvida a narração, a música, e a luz, assim como a personalidade imprimida no movimento de cada figura geométrica que em sintonia com a narração contribuiu fortemente para nos ligar e criar empatia com cada um dos personagens da história. Poderá parecer estranho não ter nomeado o gameplay, mas não é, porque o gameplay aqui cumpre o seu trabalho, tal como a câmara, os efeitos sonoros, entre outros elementos do artefacto. Não se destaca, nem precisa, é parte de um todo que gera a experiência. É claro que são os puzzles de plataforma que nos obrigam a mover no jogo, mas é também a vontade de fazer mover cada um daqueles personagens, de lhes sentir a personalidade enquanto saltamos, caímos e viajamos por entre a iluminação de cada nível que nos leva a querer interagir.

Sistema procedural de música [link]

Por outro lado esta interação é completamente envolvida pela música soberba de David Housden. E aqui o soberbo não está apenas na beleza sonora, mas também na técnica procedural definida para mesmo quando estamos mais tempo do que o necessário em cada nível não sintamos a sensação de repetição, mesmo que percebamos que a música continua a ser mesma. Está muito bem conseguido e a técnica está bem explicada na imagem acima.

Arco narrativo de Thomas Was Alone [link]

Finalmente temos a narração enfática de Danny Wallace que cria toda uma paisagem de doçura para os nossos personagens, que nos envolve no sentir de cada um deles - Thomas, Chris, John, Sara e outros - e vai construindo a progressão de uma amizade que se cria e emerge a partir da cooperação contínua entre os personagens, mais ainda porque cabe-nos a nós mover cada um deles, e realizar acções de uns para com os outros. É um triunfo do storytelling porque socorrendo-se de um gameplay simples, e de formas visuais tão básicas consegue engendrar na nossa mente todo um mundo de ideias e associações de pensamentos que nos permitem inferir muito mais do que aquilo que é mostrado (ver imagem acima do arco narrativo).


Thomas Was Alone tells the story of the world's first sentient AIs, and how they worked together to, well, not escape: Escape is a strong word. 'Emerge' might be better. 'Emerge' has an air of importance about it, while keeping the myriad plot twists and superhero origin stories you'll discover under wraps. We didn't even mention the bouncing. That'd be overkill.

OffBook: "Bad Behavior Online: Bullying, Trolling & Free Speech"

Depois de já ter tratado do Twitter no Jornalismo, a série OffBook entra agora adentro das questões éticas do online, para falar do cyberbullying, do trolling e da liberdade de expressão. É um episódio que interessa particularmente aos estudiosos das ciências da comunicação, mas não só. Este episódio não fala daquilo que estamos habituados a rotular como criação artística ou criativa, mas não deixa de falar de um modo de expressão. Este modo tem a particularidade de ir contra aquilo que normalmente designamos de criativo, no sentido em que não se apresenta para construir, para inovar, para melhorar, mas tão só e apenas para destruir.



O mais importante de tudo o que é dito neste episódio é a literacia. Saber de que é feita a comunicação online, compreender o seu alcance e os seus modos, só isso nos permite estar prevenidos para assimilar e reagir melhor a cada uma destas possibilidades. Coloca-se aqui o dedo nas feridas, e relembra-se o quão importante é a discussão continuada sobre a ética e os limites da expressão. Não existe uma lei que possa terminar estas perturbações, e por isso se fala aqui também das liberdades de expressão. Por outro lado acredito que uma parte significativa destas perturbações são provocadas por pessoas que estão na sua fase de adolescência, em idade própria ou tardia, realizando puros atos de rebeldia contra o instituído, numa clara busca por afirmação. Mas a linha entre a afirmação rebelde e a legalidade ou moralidade das relações humanas, pode ser muito rapidamente ultrapassada.


The internet is a powerful tool for communication, but it can sometimes be a double-edged sword. As most of us have seen or experienced, the internet can bring out the worst behavior in people, highlighting some of the cruelest and most hurtful aspects of humanity. Issues such as bullying online and trolling have garnered a lot of attention recently, prompting questions about who does, and should, regulate the internet, and what free speech means online.

dezembro 18, 2012

Entrevista com Artur Leão - Senior VFX Artist

Finalmente! Esta entrevista vem desde o ano passado. Primeiro demorei eu meses a escrever as perguntas e a enviá-las ao Artur, depois demorou ele porque o apanhei em mudanças. Enviei as perguntas quando ele ainda trabalhava na Ingreme em Lisboa, hoje as respostas chegaram-me de Reykjavik, onde o Artur trabalha como Senior VFX Artist na CCP Games, a empresa por detrás de EVE Online.


O Artur Leão nasceu no Porto há 31 anos, e é um dos artistas 3D mais conhecidos na cena nacional. Para além de ter passado por várias empresas nacionais, entre as quais a Dreamlab de que aqui falei há uns meses, a sua actividade online tanto nos tempos do IRC (aka Kameleon) como mais tarde criando o fórum Dimensão3 tornou o seu trabalho amplamente conhecido em Portugal. O mais interessante não é ele ter-se tornado conhecido por estes meios, é antes ter utilizado estes meios como o seu centro de aprendizagem. O Artur é um auto-didacta autêntico, não realizou qualquer curso na área, aprendeu através da pura experimentação e através da continuada discussão com os pares.

A leitura desta entrevista é profundamente esclarecedora deste modelo de aprendizagem, e não é caso único. O Artur faz parte de uma geração como o Tiago Sousa (Crytek) ou o Bruno Ribeiro (Sony Europe), entre outros, que começaram a aprender com o online no final dos anos 1990 com a massificação da internet. Pessoas que andaram a estudar mas nunca acabaram os seus cursos, porque estes não lhes ofereciam o conhecimento de que precisavam e pelo qual ansiavam. Descrever isto desta forma pode dar a entender que este deveria ser o caminho a seguir por todos, mas longe disso. Estes casos que cito, como o Artur, são pessoas excepcionais, com uma motivação intrínseca desmedida, uma sede de aprender acima do comum e só isso explica que tenham conseguido "sozinhos" chegar onde chegaram. Aliás o próprio título do sítio pessoal do Artur é um bom indicador desta motivação - You can do it! VFX - mas vejam o seu Showreel e leiam a entrevista para perceber melhor tudo isto a partir das suas palavras e dos seus trabalhos.

Artur Leão Showreel 2012


1 - Como entraste no mundo do 3d? Qual foi o teu primeiro software?
:: Um bocado por engano. Um dia um colega emprestou-me um CD do Red Hat Linux 5 e, por acréscimo, vinha lá um CD que trazia o 3D Studio R4 para MS-DOS. Curioso, instalei e fui ver o que era. Lá mexi e carreguei nos botões, e tal, e lembro-me perfeitamente que fiquei fascinado quando descobri o material editor com os "sample slots", ou seja, as esferas com o material a aplicar. Tinha ouro, prata, latão, cobre, e só esses samples deixaram-me maravilhado! Confesso que ficava a olhar para aquilo durante uns segundinhos, a apreciar. No entanto, nunca fiz nada de jeito nessa versão do 3D Studio.
Uns tempos depois, e como estive sempre mais ligado à área da programação, fui aprendendo umas coisas muito interessantes (o famoso modo 13h...) através de uma revista chamada PC Mania (revista espanhola com bastantes tutoriais em Pascal/Assembly). Como fazer objectos em 3d e representá-los numa tela a 2d, modos de shading, muitas dessas coisas relacionadas com a demoscene, que na altura já tinha algum impacto em Espanha (ainda me lembro de tentar organizar a Demoparty 99 no Porto, mas sem sucesso).
Depois de uma aprendizagem regular de gráficos e interfaces em Pascal, a revista trouxe também o POV-Ray, que misturava de forma bem clara as duas coisas a que eu estava mais atento nessa altura: programação e 3D. Li imenso, fiz muitas esferas e planos com checkerboards, e lembro-me de uma animação de uma bola a saltar que demorou uma semana a renderizar!

3D Studio R4 para MS-DOS

2 - Como é que realizaste o teu percurso de aprendizagem?
:: Vem um pouco na continuação do que disse anteriormente, em que tudo aconteceu muito cedo na minha vida. Comecei aos 11 anos a aprender algoritmia e Pascal na antiga Microcamp e tive, felizmente, um professor fantástico que me passou dados valiosos e uma forma de pensar que me acompanha até aos dias de hoje. Por isso, obrigado Professor Eusébio Dobrões, pelos 6 meses de algoritmia antes de sequer tocar num teclado para programar.
Depois desta fase, passei pela tal revista PCMania, até que arranjei o meu primeiro trabalho... em programação, claro, nada de 3D, nem de longe nem de perto. Pouco tempo depois, tive a oportunidade de trabalhar em Autocad como desenhador/projectista de moldes para plástico e fundição injectada, a ganhar melhor e com melhores condições, e nem hesitei.
Passado algum tempo, e graças à minha vontade de querer sempre mais, comecei a explorar softwares que permitiam saltar a fase de desenhar os moldes primeiro em 2D para depois voltar a desenhá-los em 3D. Descobri assim o SolidWorks, onde fazia tudo de raiz em 3D e os desenhos 2D eram praticamente obtidos de "borla". Nesta fase, comecei a sentir o “bichinho”, ou seja, já não fazia só os moldes em 3D, fazia as peças, depois já não fazia as peças só no SW, já as exportava para o Max e tentava fazer renders hiper-realistas..... Eram horríveis, mas era sempre mais espetacular para o cliente ver um objecto rendido no Max com um material cromado e o "Lakerem2.jpg" a reflectir no environment do que uma peça em Phong shading!... E assim começou.

Lakerem2, material muito utilizado para efeitos de reflexão nos objectos

2 - Porque criaste um forum de discussão, Dimensão 3? Quais eram os objectivos iniciais, e em que se transformou?
:: Muito simples. Há muito tempo atrás, eu era operador no #3dsmax da PTnet e passava horas a teclar, a falar de 3D, a aprender, a tirar dúvidas, etc, até que um dia virei-me para o Hugo Adão, na altura também operador do canal, e disse-lhe que devíamos ter um sítio onde pudéssemos guardar a informação com perguntas que eram ali esclarecidas. Era um desperdício isso desaparecer nos confins do IRC. O pessoal estava a começar a migrar do IRC para os fóruns, por isso pareceu-nos lógico e, na altura, era o mais próximo de algo "social". Assim nasceu a Dimensão3, que era suposto ser mais do que um fórum, mas até hoje nunca foi mais do que isso. Acho que durante um bom tempo, transformou-se num hub importante para os artistas de 3D em Portugal, onde muita gente se conheceu, aprendeu, partilhou, se uniu, onde se fez umas coisas divertidas, como concursos, entrevistas, etc. Custa-me dizer isto, mas a D3 nesta fase da minha vida, está de facto em total e completo stand-by.
Gostava de dizer ainda que antes da Dimensão3 existiu o CGPortugal, que foi de facto o primeiro sítio onde se falou de 3D em português e onde, pela primeira vez, se reuniram pessoas apaixonadas pelo 3D. Essa ideia partiu inicialmente do Paulo Ricca, e eu e o Hugo Adão também fizemos parte.

Fórum Dimensão3

4 - Quantas horas investias por dia no início, e quantas horas investes hoje num dia normal?
:: Ao início, sinceramente, não via mais nada à frente. Posso dizer que investia praticamente todo o meu tempo sentado em frente ao computador, à parte do dormir, comer, ir às aulas. Hoje em dia, e porque gosto do que faço, estou no mínimo 5 horas por dia no computador. Não quer dizer que esteja necessariamente a aprender ou a ser produtivo, mas com o tempo também aprendi uma coisa que é: ser bom nesta área não implica apenas fazer coisas em frente ao computador, por isso tenho tentado dedicar mais tempo a coisas que aconteçam “fora do computador”. Ouvir música, ir ao cinema, teatro, concertos, exposições, excursões, são tudo coisas que me dão experiências e adicionam conhecimento que mais tarde posso vir a utilizar na minha área de trabalho.


5 - O que te dá mais gozo fazer no mundo 3d? No teu reel destaca-se o shading, lighting e Render, por necessidade ou porque é o que mais gostas? Podes explicar um melhor em que consistem estas especializações do 3d?
:: Sinceramente, gosto de tanta coisa… Sei o que não gosto, e mesmo assim tenho dúvidas, que é animar personagens. De facto, as áreas em que me desenvolvi mais foram as de lighting/shading e rendering. Quando trabalhava em archviz via os renders espectaculares no fórum do Evermotion e queria sempre “fazer como eles” e, pronto, passava horas a dissecar a informação lá contida. Penso que essa foi a minha primeira fonte de verdadeiro conhecimento relativamente ao 3dsmax. Veio um pouco por necessidade, mas o bichinho ficou lá e, pelos vistos, até tinha jeito, porque foi graças a isso que consegui um emprego na área da publicidade.
De uma forma muito geral, lighting/shading refere-se à iluminação das cenas, como no teatro ou nos sets de cinema/publicidade em que existe alguém que tem de colocar as luzes e dar um ambiente àquilo que está no cenário. O shading especificamente consiste na criação dos materiais que constituem todas as coisas que vês em 3D, como por exemplo definir se a toalha de mesa é de pano ou plástico e colocar os parâmetros correctos para que o pano pareça pano e o plástico pareça plástico.
Quanto ao rendering, apesar de haver uma posição que se chama “render wrangler”, que consiste em monitorizar os renders e certificar que sai tudo como era suposto, eu sempre estive mais ligado a outra coisa, o “scene assembly”. Hoje em dia, o “scene assembly” vê-se cada vez mais, até porque as cenas vão aumentado de complexidade e tem de haver alguém ou uma equipa que reúna e componha tudo o que as outras pessoas/equipas estiveram a fazer para que saia algo de útil para passar para a composição.


6 - Porque é que tão difícil aprender 3d? Falta de sensibilidade artística, falta de destreza visual, falta de vontade e motivação para trabalhar o tempo suficiente, ou outra?
 :: Não acho que seja difícil aprender 3D. Hoje em dia, existe muita informação, quer gratuitamente quer por parte de empresas que se dedicam exclusivamente à criação de material de ensino. O que poderá existir são pessoas que pensam que fazer 3D, ou “coisas-como-o-Senhor-dos-Anéis”, implica saber apenas os menus dos programas. Como é óbvio, não implica apenas isso, daí que tal como disse há pouco, ache cada vez mais importante aprender coisas de outras áreas. Ao longo do meu percurso, posso dizer que as pessoas que faziam 3D com formação em Artes eram normalmente melhores do que as que vinham de outras áreas. Tinham uma maior sensibilidade para certas coisas. Por isso, é sempre bom saber mais do que os menus e há medida que evoluis vais sentindo essa necessidade, caso contrário, estagnas.


7 - Para trabalhar nesta área basta escolher um pacote 3D e trabalhar 100% nele ou é preciso aprender outras coisas do tipo After Effects, Nuke, Maxscript, etc? Porquê, é uma questão de ser generalista, ou é mais do que isso, uma vontade de possuir alguma polivalência?
:: É óbvio que acabas sempre por ter uma ferramenta de eleição, mas isso não significa que não precises de outras para fazer o teu trabalho. Provavelmente toda a gente que faz 3D precisa de saber fazer algo no Photoshop, por exemplo, ou noutra ferramenta qualquer de edição de imagens/video. A questão de ser generalista prende-se mais com o facto de não existir muito espaço em Portugal para pessoas que façam só uma determinada tarefa, logo tens de ser polivalente/generalista para sobreviveres no mercado.


8 - Qual o teu melhor trabalho de sempre? E qual o que te consumiu mais tempo  a desenvolver?
:: Pode parecer cliché, mas realmente é difícil eleger apenas um. Há, no entanto, um anúncio da Vodafone que me marcou. Foi o primeiro em que tive oportunidade de trabalhar e, ainda por cima, sozinho. No final, correu tudo bem, mas a responsabilidade que senti foi enorme e acabou por abrir caminho para continuar a trabalhar noutros anúncios. Também tenho muito carinho pelos que foram feitos para a marca Chipicao, porque foram resultado de um grande trabalho de equipa, e gostei sempre do resultado final. Há outros trabalhos que me deram gozo a fazer, como o Arad, uma curta-metragem de um realizador iraniano que trabalha na Sony, o video de apresentação do novo estádio do Atlético de Madrid.
O que me deu mais trabalho.... Todos!... Mas talvez possa salientar um trabalho feito para a Nissan que foi uma dor de cabeça por várias razões, mas mais uma vez tudo se resolveu bem, e é isso que interessa no final do dia.


9 - Tendo em conta que trabalhas há mais de uma década com animação e modelação 3d, como é que te viraste para a programação e para o desenvolvimento de aplicações para iPhone? Faz sentido na tua carreira?
:: Como disse há pouco [nas primeiras respostas], estive ligado à programação desde o início do meu percurso, por isso é natural que tente usar isso como uma vantagem, seja para mim ou para equipa com que trabalho. O desenvolvimento de aplicações para iPhone surgiu invariavelmente da minha curiosidade em experimentar e testar coisas novas. Essa curiosidade leva-me a escrever centenas de scripts e/ou programas que guardo no meu disco ao longo do tempo. No entanto, o intuito foi mais comercial quando comecei a desenvolver para iOS, e daí resultou a minha primeira app, o iDevCam. Isso faz sentido na minha carreira, porque gosto de estar ligado às novas tecnologias, e mesmo que não seja eu a desenvolver as futuras versões da minha app, quero continuar relacionado com isso.

iDevCam Promo 1

10 - Olhando para o teu percurso pareces encaixar-te naquelas pessoas insaciáveis, sempre com vontade de aprender mais e mais? Como é que podemos estimular isso noutras pessoas?
:: Sim, gosto sempre de saber mais sobre tudo o que esteja relacionado com as novas tecnologias. Desde pequeno que sempre tive a ânsia de querer “chegar ao futuro". Lembro-me de ter 14 anos e pensar como seriam as coisas no ano X.
Tenho alguma dificuldade em responder sobre como estimular isso, mas posso dizer que nunca fui nem sou uma pessoa muito ligada à leitura, por exemplo. A vontade de querer aprender nem sempre tem de parecer aborrecida ou estar ligada a “marrar em livros”. Gosto de aprender pela experiência e talvez isso seja um bom caminho para as próximas gerações. Dar-lhes a oportunidade de interagir com as coisas, de as aprender a fazer desde tenra idade. Talvez essa possa ser uma solução, quanto mais não seja para aprender o que não gostam.


11 - Que dica darias a um jovem que visse hoje o Toy Story 3 e saísse da sala a pensar que queria fazer daquilo a sua vida?
:: Dir-lhe-ia que será precisa muita dedicação, paixão pelo que se faz e muita determinação, porque realmente não é um mundo fácil, principalmente para quem está a começar, sobretudo em Portugal. Uma coisa é certa: muita gente consegue fazer disto a sua vida e é feliz. Pixar, Dreamworks, Bluesky, etc, é possível :)

dezembro 17, 2012

Filmography 2012

São 300 filmes numa montagem simplesmente perfeita, tanto no campo técnico como criativo. É a montagem de filmes do ano de Gen Ip (licenciada em Comunicação de Vancouver, Canada) num trabalho que já se tornou tradição no YouTube. Gen Ip não se socorre simplesmente da velocidade para nos prender, nem da componente visual, constrói toda uma narrativa sua através da ligação entre o texto da música e as imagens, assim como através da criação de categorias de ideias coerentes e bem organizadas.


Ao contrário de outros trabalhos do género, não se limita ao cinema americano, sendo no entanto maioritário, mas é ainda assim abrangente, sendo capaz de espelhar com maior realismo o ano de 2012.


A lista de todos os filmes e músicas utilizadas pode ser vista no Tumblr da Gen Ip.

dezembro 16, 2012

Academia Nacional de Entretenimento Digital Interactivo (Dinamarca)

DADIU consiste numa Academia Nacional de Entretenimento Digital Interactivo formada a partir da colaboração entre cinco universidades e três escolas artísticas da Dinamarca. É claramente uma experiência que devíamos pensar replicar em Portugal. Lendo sobre a criação desta academia, percebe-se que o parto não foi fácil, mas mais interessante que isso, que existiu uma vontade e um relacionamento claro entre a indústria, as universidades e as escolas para conseguir chegar a este modelo. O modelo em si é multifacetado, não tem apenas uma variante de estudos o que torna ainda mais interessante todo o modelo educativo. Mas o mais importante de tudo é a tentativa de desenvolver uma linguagem criativa comum, capaz de solidificar a criação de uma indústria de videojogos na Dinamarca.

The initial point of departure for the Academy was to create a number of educations that would positively influence the Danish computer game industry, like the National Film School of Denmark has benefited the Danish film industry. A joint language should be developed, and through this a joint understanding of what computer games are, and the students from the various educations should meet and together produce a game in a simulated reality. [Vision]

E é isso que têm vindo a fazer, todos os anos são lançados os vários jogos produzidos por esta colaboração inter-universidades. Um exemplo muito interessante desta colaboração acaba de chegar à rede, Cantrip (2012). Como todos os jogos realizados na DADIU, foi feito em Unity, apresentando-se num ambiente 3d peculiar, já que a palete de cores quase se resigna à escala de cinzentos. A narrativa faz lembrar os tradicionais contos infantis dinamarqueses de Hans Christian Andersen, por outro lado o gameplay assente no magnetismo acaba por ser interessante pelo seu lado pedagógico.


Podem jogar directamente no browser, ou descarregar para Win/Mac aqui.