maio 11, 2012

arte e cognição na arqueologia

2012 está a ser um ano de excelência para a arqueologia especialmente no que toca a componente artística e cognitiva. A arte que podemos encontrar nas paredes de antigas caves podem ajudar-nos a perceber como evoluímos enquanto espécie, assim como podemos compreender melhor as anteriores civilizações, se compreendermos como regulavam o seu tempo.

Calendário Maia (+-  séc. IX)

Começando pelo evento que está hoje em todos os media, o calendário Maia publicado hoje na revista Science datado do século IX. William Saturno da Boston University terá encontrado o primeiro calendário sobrevivente desta altura. Era sabido que eles teriam existido mas não existiam provas concretas. Este pequeno vídeo da National Geographic dá mais detalhes sobre o assunto.


Entretanto já em Fevereiro deste ano, a partir de um trabalho coordenado por José Luis Sanchidrián da Universidad de Córdoba, tinham sido reveladas seis pinturas na cave de Nerja (Málaga). Pinturas que parecem ser focas, e que nos primeiros testes de datação realizados nos EUA apontam para entre 43 000 e 42 000 anos.

Focas (+- 42 000 anos), Caverna de Nerja, Málaga, Espanha

A confirmar-se irá obrigar a rever alguns princípios nomeadamente no que toca às capacidades cognitivas dos Neandertais, predecessores do Sapien. Até agora temos acreditado que apenas os Sapiens tinham sido dotados de pensamento complexo, suficientemente evoluído para desenvolver valores estéticos e gerar arte. Claramente que estas imagens de focas estão muito longe da complexidade estampada nas caves de Chavet, em cavalos, rinocerontes e ursos.

Imagens das paredes das Caves de Chavet

As mesmas caves recentemente filmadas em 3D por Werner Herzog, Cave of Forgotten Dreams (2010), e que os estudos davam como datadas de há 20 000 anos, aparecem agora aos olhos das mais recentes descobertas com novos meios de datação, como podendo ter sido criadas entre 28 000 a 40 000 anos atrás.

maio 07, 2012

o Prazer de ler

Acabo de descobrir uma obra de grande valor, Como um Romance (1992) de Daniel Pennac (edição ASA). Foi-me recomendada pelo João Cardoso, um aluno meu de mestrado, não pelo conteúdo, mas pela forma. O livro desenvolve-se em pequenos capítulos de 2 a 3 páginas, criando no leitor um amplo sentimento de progressão, que facilita per se o acto de leitura.


Mas o que descobri no seu conteúdo deixou-me ainda mais encantado. Neste livro de 1992 Pennac já diz muito daquilo que hoje discutimos em redor das palestras de Ken Robinson. Neste ensaio defende o valor da leitura, não pela sua necessidade mas antes pelo seu prazer. Critica fortemente as práticas pedagógicas que fazem da leitura uma tortura e com isso retiram o prazer de ler às crianças.

Autor desconhecido

Pelo meio apercebi-me de algo que comentei aqui sobre o livro The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2010), é que esta coisa de os alunos e as pessoas não gostarem de ler não tem nada que ver com a Internet. Este ensaio é de 1992, tem 20 anos, e aponta exactamente os mesmos dramas no incentivo à leitura nos liceus franceses. Por isso hoje quando nos dizem que as crianças têm muitas outras atracções, é verdade, mas não é por causa disso que não lêem. Cabe-nos a nós descobrir a forma de os ajudar, e não apenas resignar-nos. Este livro de Pennac é um excelente ponto de partida para encontrar formas de o fazer.


Pennac relembra os pais de que mais importante do que compreender as histórias que lhes leram, é que as crianças tenham prazer com esses momentos. Não posso concordar mais, assim como tenho de concordar com a sua ideia de exame final de liceu em Português, que deveria passar não por exigir a análise de um texto, mas antes por contar sobre os livros que leu.

Ao longo do livro Pennac demonstra com vários exemplos como a análise vem pouco a pouco, à medida que se vai lendo mais e mais, e que não se aprende apenas porque é ensinada de modo obrigatório. Pennac faz do objecto um prazer, e não uma tortura, dessacralizando a leitura e elevando o amor à leitura. Trabalha a arte da leitura como algo que nos deve tocar profundamente o coração, em vez de nos colocar a debitar respostas. E para isso fecha o livro com os fantásticos 10 direitos do leitor:
1. O Direito de Não Ler
2. O Direito de Saltar Páginas
3. O Direito de Não Acabar Um Livro
4. O Direito de Reler
5. O Direito de Ler Não Importa o Quê
6. O Direito de Amar os «Heróis» dos Romances
7. O Direito de Ler Não Importa Onde
8. O Direito de Saltar de Livro em Livro
9. O Direito de Ler em Voz Alta
10. O Direito de Não Falar do Que se Leu
Com um discurso bem disposto e convincente, quase que me consegue fazer sentir culpado. Culpado por ter deixado de ler romances. Uma decisão consciente que tomei há alguns anos. Porque não é possível dedicarmo-nos a todos os prazeres, deixei o lado do romance para o cinema. Mas por vezes, nomeadamente nas paragens mais longas do verão, ainda volto aos seus prazeres por breves passagens.


maio 06, 2012

Uncharted 3, incapaz de surpreender

O simples facto de ter demorado 5 meses a terminar Uncharted 3, quando demorei apenas 5 dias a terminar Uncharted 2, diz muito sobre cada um destes. A série Uncharted é sem sombra para dúvidas uma das grandes séries dos videojogos, e Drake ganhou desde já o seu lugar ao lado de Indiana Jones e Lara Croft. Mas como esses, sofre do problema do efeito do seriado, a repetição, a redundância, a incapacidade para surpreender e ir além do que nos foi dado antes.


Em 2009 deixei aqui uma análise extensa de Uncharted 2, manifestando a minha total surpresa com o jogo. Uncharted 3 não faz nada a menos do que Uncharted 2, aliás tecnicamente faz mais, tem muito mais cenas de acção narrativa interactiva. Mas perde por ter ampliado os níveis de acção. Ao fazê-lo damos conta que passamos uma grande parte do jogo aos tiros e a esconder-nos dos tiros dos outros. Exagero, e como tal quem perde é a narrativa.


No final do jogo, o fechamento tem pouco um nenhum interesse, mais uma cidade tesouro perdida que se afunda e assim acaba a nossa Quest. O isco no final da narrativa era apenas um pretexto para nos fazer jogar. Sabe a pouco, ou melhor não sabe nada, porque não retiro qualquer significado do meu jogo, a não ser o prazer de o ter jogado.


Numa nota mais subjectiva, era também difícil levar as areias do deserto do Yemen a superar as montanhas coloridas e verdejantes do Nepal!





pós-produção de Exotermia

Ognian Bozikov é formado pela Academia de Artes de Sofia, Bulgaria e é docente na área de pós-produção no Art Institute of Colorado, EUA. No ano passado o Instituto concedeu-lhe 3 meses de sabática que este aproveitou para dar vida ao projecto Exothermic.


Neste projecto podemos ver em evidência a força da montagem e da pós-produção na construção do universo-história, e de atmosferas. Em termos técnicos, acho que para além do tracking e partículas 3d, o que mais me impressiona é a retexturização dos ambientes e a excelência da montagem. Para a construção deste filme Bozikov utilizou essencialmente o Nuke e Photoshop para a pós-produção, o Maya para o 3d, e ainda se socorreu do ZBrush e do PFTrack. Vejam o filme, e depois abaixo podem ver o making of.


Bozikov realizou entretanto um making of com 4 streams: previz, video raw, breakdown e final. Julgo que o previz não nos traz muita informação relevante e por isso preferia ver o breakdown em full. De qualquer modo é delicioso ver todo o trabalho em termos comparativos, entre o Raw e o Final.

maio 04, 2012

Nicholas Carr, a internet e o nosso cérebro

O livro de Nicholas Carr, The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2010) não é um grande livro, mas é um livro sobre a nossa condição actual, que nos fala das preocupações produzidas pela cultura contemporânea, nomeadamente a produzida pelos tempos da internet. Como tal é um livro que faz parte de um pensamento em construção, e que no futuro ele próprio fará parte desta história. E é por isso que faz sentido deter-nos um pouco sobre o que nos diz Carr. Não sendo propriamente um ludita, está longe de se apresentar como um defensor das tecnologias web. É um livro anterior à publicação do artigo da Science do ano passado de que falei aqui, mas que se foca sobre a mesma problemática das supostas alterações cognitivas despoletadas pelos novos modos de aceder à informação via internet.


O maior erro deste livro passa por assumir as teorias da neuroplasticidade como algo muito mais activo do que aquilo que realmente é. É verdade que fomos descobrindo que o nosso cérebro não pára de se adaptar aos 16 ou 17 anos, que continua a fazê-lo pela vida fora. Mas também é verdade que se o faz é a um ritmo bastante lento, e não em toda a sua extensão. Por isso procurar basear toda uma teoria no facto de que os nossos cérebros se alteram apenas com o contacto com a web é esperar demasiado desta nossa capacidade. Era bom que assim fosse, pois muitos outros problemas e patologias teria aqui muitas soluções.

Assim e passada a primeira grande metade do livro a discutir a neuroplasticidade, existem porém coisas a reter porque não são meras especulações, são trabalhos que temos feito e sobre os quais temos dados. Nesse sentido concordo com algumas das questões lançadas sobre a dispersão e fragmentação de mensagem que o hipertexto veio introduzir no discurso do Livro. É algo que transcrevo para aqui, porque é importante em termos de percepção sobre a Interactividade.
"Back in the 1980s, when schools began investing heavily in computers, there was much enthusiasm about the apparent advantages of digital documents over paper ones. Many educators were convinced that introducing hyperlinks into text displayed on monitors would be a boon to learning. Hypertext would strengthen critical thinking, the argument went, by enabling students to switch easily between different viewpoints. Freed from the lockstep reading demanded by printed pages, readers would make all sorts of new intellectual connections between diverse works. The hyperlink would be a technology of liberation.

By the end of the decade, the enthusiasm was turning to skepticism. Research was painting a fuller, very different picture of the cognitive effects of hypertext. Navigating linked documents, it turned out, entails a lot of mental calisthenics—evaluating hyperlinks, deciding whether to click, adjusting to different formats—that are extraneous to the process of reading. Because it disrupts concentration, such activity weakens comprehension. A 1989 study showed that readers tended just to click around aimlessly when reading something that included hypertext links to other selected pieces of information. A 1990 experiment revealed that some “could not remember what they had and had not read.”
Aliás isto mesmo é o que ainda hoje muitos continuam a pedir à Escola, que esta avance no sentido do ensino online por vias interactivas, quando essa não pode nunca servir de via substitutiva, mas apenas complementar. Esta questão do hipertexto e do ensino online, liga-se muito intimamente ao assunto do multitasking. Porque nestes discursos do ensino tecnológico, começamos a ouvir falar das novas gerações, dos nativos digitais. Jovens que não só sabem mais do que os professores como possuem capacidade para fazer várias coisas em simultâneo. Mas a realidade é que um pequeno teste, como o que se pode ver no vídeo aqui abaixo, em que pedimos a um jovem em 2012, ou seja um suposto nativo digital, para conduzir e mandar um SMS ao mesmo tempo, e o desastre é total. Simplesmente verificamos, que o milagre da Neuroplasticidade nas novas gerações não aconteceu, e que o Multistasking humano não é mais do que um mito.


Este discurso mais negativo sobre o Hipertexto, Hipermedia e Multitasking faz sentido e temos estudos que o suportam. Aliás sabemos disto quando partimos para a construção de narrativas em ambientes interactivos. Que se cedermos à vontade total da interactividade, e criarmos um jogo totalmente hipermediado, perdemos o nosso jogador, em termos narrativos. Ou seja a história fragmenta-se e no final do jogo, o jogador já não se lembra de onde partiu a história, menos ainda por onde andou. Por isso mesmo nos jogos mais interactivos, continuamos a forçar a linearidade narrativa, porque essa é o garante da construção de compreensão da mensagem. Sobre isto escrevi bastante em Emoções Interactivas.

Isto relaciona-se com várias coisas, nomeadamente com o modo como construímos as nossas memórias. Estas requerem altos níveis de atenção focada, por forma a dar tempo à criação de novas ligações, ou novas sinapses. Estas ligações só se conseguem com concentração mental, repetição e forte envolvimento. Isto é o que fazemos num livro, mantemos a atenção focada apenas naquela página, e naquele fio narrativo. O problema do objecto hipermedia ou internet é que este ao permitir saltitar entre assuntos, ou linhas narrativas, retira a focagem, logo diminui atenção, por sua vez diminui a solidificação de novas memórias. Carr vai pegar nisto para explicar que a web está a danificar as nossas capacidades de concentração, a diminuir as nossas memórias, e logo a diminuir as nossas capacidades cognitivas de aprendizagem e de crescimento enquanto seres.

How to focus... , de Leo Babauta

Ora isto não faz muito sentido, porque ninguém disse, quer dizer exceptuando os arautos do novo mundo tecnológico, que o multimedia, que a interactividade, ou que a internet, estava cá para substituir os livros, o cinema, o teatro ou qualquer outra forma de expressão e construção do Eu ou do Nós. Os Media Interactivos possuem muitas valências de relevo, nomeadamente a sua componente de interactividade que lhes permite gerar situações de pura simulação e experienciação e que com isso conseguem gerar aprendizagens mais eficientes e duradouras que um livro. Aliás basta ver o exemplo da diminuição drástica de acidentes de aviação após os pilotos terem deixado de aprender a pilotar ouvindo os pilotos mais experientes, e terem passado a treinar em simuladores, como nos relata Lehrer.


Mas este tipo de aprendizagem por acção, ou simulação de acção, não se aplica a tudo aquilo que nós somos enquanto espécie. Existe todo um mundo de acções externas as quais acredito que a internet e nomeadamente os artefactos interactivos desenhados para o efeito conseguem ultrapassar facilmente o livro na transmissão e construção de novas memórias. Mas depois existe todo um reino de inacções, de construção interna do ser, do indivíduo que não se consegue construir por aqui. Interactividade, significa acima de tudo acção e reacção que por sua vez está na antítese da empatia e da contemplação. Características essenciais na construção emocional, social e cultural do indivíduo.

Quanto às questões levantadas por Carr sobre a sua experiência pessoal de se sentir cada vez mais incapaz de concentrar, e de ter que se deslocar para as montanhas para conseguir escrever este livro. Nada de novo, isso já acontecia antes com diferença entre o ambiente citadino e rural. O problema da nossa concentração no dia a dia não é a internet, mas a quantidade de coisas em que nos envolvemos, e sobre as quais temos de aprender a dizer que não.

À la recherche du temps perdu (1913-1927), de Marcel Proust

E isto aplica-se também à questão do Deep Reading que Carr diz que está a desaparecer da sociedade, e que de algum modo o próprio Clay Shirky vem dizendo em alguns dos seus textos, argumentando que nos dias de hoje já ninguém quer saber de ler Guerra e Paz ou Em Busca do Tempo Perdido. Mas isto nada tem que ver com a internet basta pegar em qualquer jornal, revista ou livro que relate experiências escolares dos anos 1980 ou 1990 pré-internet para vermos como os alunos já fugiam da leitura. Livros grandes ou pequenos, a leitura sempre foi vista como a impossibilidade do acto de brincar livre, pela sua necessidade de absoluta concentração. Por isso mesmo a escola, continua a ser um lugar de esforço, de obrigatoriedades, em que não podemos fazer apenas aquilo que queremos. Sem esforço, não se consegue o deep reading, sem o deep reading, não se consegue a construção de conhecimento interno capaz de nos fazer evoluir enquanto indivíduos.

animação da cor no 9/11

Will (2012) é uma magnífica animação de final de curso de Eusong Lee realizada na CalArts. Para muitos americanos será quase impossível na largar uma lágrima ao ver o filme já que este agarra um tema marcante da sua história recente o 9/11.


O filme consegue com brilhantismo desenhar toda uma narrativa minimal, suportada por um design de som atmosférico e uma tocante banda sonora. Mas é na forma visual, no traço e muito na cor, que o filme nos impacta, nos enche os olhos e aquece a vontade de lacrimejar.



No seu blog descobri esboços do planeamento visual de coloração da curta que são per se uma delícia. Os colorscripts do ambiente e dos personagens são trabalhados ao pormenor, e isso sobressai de forma brutal ao longo de todo o filme. A caracterização das personagens também foi extremamente cuidada. E no final temos um trabalho de excelência de um nível elevadíssimo, e ao qual é impossível ficarmos indiferentes.



Todo o minimalismo da narrativa, que passa pela necessidade de dar conta de um evento tremendamente trágico e forte, em apenas 4 minutos, é conseguido através de uma metáfora simples, o yo-yo, que consegue realizar um trabalho duplo, reverter a história e atirar-nos para dentro do mundo daquela criança. Vejam.




[dica Short of the Week]

maio 01, 2012

Filmes de Abril 2012

Mês com poucos filmes, fruto da quantidade de demasiados coisas marcadas no mês que não podiam esperar. De qualquer forma alguns bons filmes como Into the Abyss e Margin Call, apesar de serem os dois bastante desoladores, serviram para me deixar a planar sobre ideias e questões por alguns dias.


xxxx Into the Abyss 2011 Werner Herzog USA/Germany [Análise]

xxxx Margin Call 2011 J.C. Chandor USA

xxxx The Descendants 2011 Alexander Payne USA

xxxx El hombre de al lado 2009 Mariano Cohn, Gastón Duprat Argentina


xxx The Awakening 2011 Nick Murphy UK

xxx Dr. Seuss' The Lorax 2011 Chris Renaud, Kyle Balda USA

xxx Restless 2011 Gus Van Sant USA

xxx Beautiful Boy 2010 Shawn Ku USA


xx War Horse 2011 Steven Spielberg USA

xx Captain America: The First Avenger 2011 Joe Johnston USA


x Cowboys & Aliens 2011 Jon Favreau USA

[Nota, Título, Ano, Realizador, País]
[x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima]

"Into the Abyss", momentos da vida e da morte

Senti-me desolado depois de ver Into the Abyss (2011) de Werner Herzog, tudo aquilo que é questionado ao longo do filme cria em nós uma sensação estranha, um questionamento sobre os momentos da vida. No final dei por mim imensamente deprimido, não por uma tristeza contagiada explicitamente pelo filme, mas por tudo aquilo que este me fez questionar.


Este filme obriga-nos a parar para pensar, de repente somos colocados de frente para aquilo que a vida é, um fio frágil de decisões. O filme conduz-nos através dos nossos medos viscerais da relação com as decisões diárias, obriga-nos a questionar sobre decisões que tomámos no passado, e sobre aquilo que poderia ter acontecido se tivéssemos optado por outras soluções. A vida é curta, mas feita de momentos insignificantes que adquirem significâncias definitivas.


O filme não fala explicitamente sobre a vida, não questiona o que andamos cá a fazer. Simplesmente mostra dois sujeitos que mataram outros três, as suas famílias, e as pessoas da instituição responsável por efectuar a pena. Herzog procura alguma neutralidade dando voz a todos os intervenientes. Consegue de forma brilhante dar-nos a ver a perspectiva de todos os envolvidos na pena capital - o condenado, o carcereiro, e a família da vítima. Este trio abre explicações para o que acontece ali, e explica o que sente cada um.


As três perspectivas são apresentadas de uma forma bastante clara, ainda que de forma muito emocional. As entrevistas são realizadas pelo próprio Herzog num tom de voz de uma calma imensa, e com pezinhos de lã para evitar ferir susceptibilidades. Mas no final do filme não partimos como entrámos, apesar de que acredito que cada um sairá com as suas próprias convicções ainda mais reforçadas.

abril 30, 2012

"Arte e Ciência não se Misturam" !!!

Semir Zeki, professor da University College of London, trabalha no campo das neurociências desde os anos 1980 e é um dos pioneiros do campo de estudos de Neuroestética. No seu blog publicou recentemente vários textos sobre os medos da Neuroestética que depois foram coligidos num único texto, The Fear of Neuroesthetics, no site The Creativity Post. Neste texto revê vários ataques que têm sido perpetrados contra a disciplina, definindo-a como "lixo", ou como uma tentativa de "alisar toda a complexidade da cultura".

The Call to Arms, 1879, Auguste Rodin

Não deixa de ser impressionante que em pleno século XXI ainda exista quem escreva textos como, Art and Science don’t Mix. Stuart Kelly não é cientista, mas é um crítico literário britânico que escreve para vários jornais como o The Guardian. Um comentário deixado no site como resposta a Kelly diz tudo, "I would be very interested in what Leonardo might have to say about the statement "Art and Science Don't Mix"".

Annunciation (1472) Leonardo Da Vinci

Dito isto se trago o texto de Semir Zeki não é apenas pela sua autoridade no campo, mas antes porque ele representa um grito de alerta contra um obscurantismo que regeu o pensamento durante milénios. Eu próprio tenho sentido alguns destes ataques no meu trabalho. Nomeadamente porque tenho sempre optado por basear o meu trabalho sobre a emoção estética nas neurociências e não nas humanidades, e isso cria atritos, desconfiança do valor daquilo que se possa construir em termos de conhecimento.

Belvedere, (1958), M.C. Escher

A verdade é que os investigadores das humanidades acreditam que de algum modo são os únicos que podem verdadeiramente estudar, compreender e interpretar a arte. Todo o seu discurso está contaminado por uma oposição feroz ao uso de qualquer metodologia científica que procure estudar a arte em seu lugar. Porque segundo estes o que está em causa na criação artística é de uma ordem de complexidade tão grande que se torna impossível explicar. Então mas se assim é, como é que se explica, como diz Zeki, que existam milhares de livros e artigos escritos sobre Hamlet, ou que o número de livros e artigos sobre o simples "acorde de tristão" exceda os 2000. Se os críticos e estudiosos encontraram tanto para dizer, é porque então existe algo para explicar.

El vol de la libèl·lula davant del sol, (1968), Joan Miró 

Mas uma das constatações mais interessantes do artigo, aparece quando Zeki procura dizer que nem todos os investigadores das humanidades são contra a entrada das neurociências nas artes, e acaba dizendo que isto é especialmente verdade para o artistas e compositores. "Esses parecem não sentir medo. Eles querem saber mais." E aqui reside um dos maiores problemas das humanidades, que se resume a investigadores que se dedicam a estudar arte, sem tentar fazer arte. É que o papel de criar, vai além do de interpretar.


A verdadeira problemática é que toda a tecnologia, desde as tintas utilizadas nas cavernas de Lascaux ao computador, foi criada por processos científicos. Toda a evolução operada surgiu de processos científicos trabalhados sobre os objectivos da arte. A ligação entre Arte e Ciência é verdadeiramente umbilical, e quem não vê isto, simplesmente não descobriu ainda o que é a Arte.