fevereiro 25, 2012

Tecnologias Criativas e Amadorismo

Trago um texto de Eric Paulos, You Amateur!, publicado na última Interactions, sobre o amadorismo que vem totalmente ao encontro do número da revista Comunicação e Sociedade que estou a editar com o Pedro Branco sobre Tecnologias Criativas. Para alguns que seguem este blog, acredito que possa parecer algo paradoxal depois do meu texto anterior em defesa da Universidade, mas posso dizer que não o é. A Universidade continua a ser o local de excelência para se poder abrir caminho, mas isso não deve ser a única condição para que possamos investigar e criar aquilo que gostamos, assim como também não deve impedir que cada um de nós continue a desenvolver-se enquanto criador.

We often forget that the word “amateur” comes from the Latin amator, meaning to love. In fact, the individual citizens who participated in the revolution in Egypt could be called “amateur Egyptians”—lovers of Egypt.
In its definitions of amateur the Oxford English Dictionary includes “one who loves or is fond of,” but unfortunately the more common usage of the term differs from this meaning. The OED also defines amateur as “one who cultivates something as a pastime, as distinguished from one who prosecutes it professionally; hence, sometimes used disparagingly, as dabbler, or superficial student or worker.”
It is this second definition, a rather condescending view of amateurs as inferior dabblers, that often prevails in our culture. However, that has not always been the case. For example, the world of today’s professional scientist, shaped by peer-review journals and the priorities of funding institutions, would feel foreign to many early scientists. In fact, historically, many of these early scientists were simply curious amateurs - lovers of science.
O que está aqui em questão, são duas grandes dimensões, o ensino em banda larga por um lado, e a especialização por outro. Os primeiros anos da Universidade têm cada vez mais como função primordial o desenvolvimento de competências cognitivas de largo espectro, de forma a permitir que as pessoas possam depois definir-se em termos de rumo. Aquilo que um curso superior tem por obrigação garantir a um aluno, em 3 anos, é abertura e agilidade mental e uma boa dose de incremento cultural. Espera-se que o aluno com estes atributos se consiga encontrar, e consiga escolher o seu Elemento.


Nesse sentido, o que está em causa nas novas Tecnologias Criativas é o encontrar do Elemento. E o elemento só se encontra, quando encontramos aquilo que Amamos Fazer. As tecnologias criativas, possuem algo de específico, a que eu chamo de "conhecimento embebido". Ou seja, posso não saber ler uma pauta musical, mas consigo criar música, posso não saber programar mas consigo criar um jogo, posso não saber esculpir, mas crio um modelo tridimensional. O que está em questão é dar asas à imaginação de cada um, permitir que cada um se liberte e se realize na construção de várias experiências, que encontre a paixão para o seu acto de amadorismo. O que espero, é que esse encontro possa produzir na pessoa, algum tipo de transformação, não apenas emocional, mas mesmo identitária e social.

Entretanto se isto vos disser algo, aproveitem para submeter um artigo para o um número dedicado às Tecnologias Criativas, faltam apenas três dias para o final do prazo.

fevereiro 24, 2012

For The Remainder (2011), a beleza do abstracto

Mais um filme da escola de animação Bezalel de Israel que nos deixa sem palavras, For The Remainder (2011) de Omer Ben David. O filme impressiona pela qualidade da animação, os subtis movimentos são muito fluídos e de grande coerência. Graficamente estamos na presença de um objecto abstracto, que se socorre de uma narrativa minimal. Em termos cromáticos é um filme que segue um dos mais interessantes filmes desta escola, Between Bears (2010).


Eu começo a pensar que esta escola israelita tem tido a capacidade de criar uma identidade própria visual. Os últimos filmes de que aqui fiz nota, Between Bears (2010), Beat (2011) e agora este For The Remainder (2011), todos nos convidam para universos mais ou menos abstractos, tolhidos por um forte minimalismo e embalados em tonalidades pastel.




fevereiro 23, 2012

Entrevista sobre a concepção de Nostalgiqa

Trabalhei no passado com algumas das pessoas que constituem a empresa HumanSpot, no campo da produção audiovisual e que agora nos traz a App Nostalgiqa para o iPhone. Desse modo conhecendo as pessoas por detrás de Nostalgiqa quis saber mais sobre as motivações da sua criação, e sobre o modo como tinha sido definido o conceito. As respostas às minhas perguntas ficam aqui abaixo.


1 – Quem é a HumanSpot? Quantas pessoas trabalham aí, e que formações têm? 
A HumanSpot é uma startup incubada no Instituto Pedro Nunes em Coimbra. A equipa onde todos se desdobram e partilham funções é constituída por: Emanuel Silva - Creative, Musician - Eng. Materiais; João França - Coder - Eng. Informática; Paulo Ribeiro - Coder, Musician - Eng. Informática; Ruben Semedo - Designer - Arquitectura


2 – Que projectos anteriores fizeram? 
Com o objectivo de financiar projectos internos, como o Nostalgiqa, a empresa dedica-se essencialmente à consultoria e desenvolvimento de software à medida, bem como à criação de conteúdos multimedia. O primeiro projecto com visibilidade foi e é a participação na série de animação infantil Gombby, concebida e produzida em Portugal pela Big Storm Studios. A série passa actualmente na RTP 2 e no canal Panda. O processo de internacionalização iniciou-se há poucos meses com a entrada no mercado espanhol através do canal TVE Clan. A colaboração da HumanSpot passa pela composição musical, sonoplastia e pós-produção audio para a série, que conta já com 52 episódios e um CD/DVD musical.



3 - Porquê uma aplicação interativa, e porquê sobre a Nostalgia, de onde veio a inspiração? 
Como o próprio nome indica, embora a tecnologia marque presença em todos os processos da HumanSpot, temos a preocupação de ocultar essa componente, dando destaque à componente humana. É certo que muitas empresas de base tecnológica mostram um cuidado crescente com usabilidade e experiência do utilizador. A HumanSpot pretende aproximar-se ainda um pouco mais do que é humano através de um apelo directo à emoção, não pela interface ou forma de utilização, mas pela temática dos seus conteúdos e das suas aplicações.

Esta vontade nasceu da experiência de dois dos elementos da HumanSpot, cujo percurso de trabalho os colocou em contacto directo com realidades empresariais onde a sobrevalorização da tecnologia e do negócio se alia muitas vezes à desumanização. O nosso objectivo foi, por isso, criar um produto que pudesse continuar a evoluir, tal como um quadro pintado por diversos artistas ou um livro escrito por diversos autores. Pensamos num produto como um ser vivo, alguém que precisa de condições para nascer, para crescer e para se desenvolver de forma sã e equilibrada. Utilizando a mesma imagem, uma aplicação é o resultado da sua herança genética - concepção, design e código - e do ambiente em que se desenvolve - os objectivos e acções dos seus criadores e da sua comunidade de utilizadores - sendo que todas as partes são essenciais para uma vida longa e próspera.

Se a tecnologia corre a um ritmo alucinante, as emoções permanecem porque são intemporais. Podemos conversar com uma pessoa que, independentemente do país onde vive, da tecnologia que usa (ou não) e da sua idade, saberá sempre expressar aquilo de que gosta e não gosta, aquilo que a faz rir ou faz chorar. A ligação com essa pessoa será tanto mais forte quanto maior e mais aberta for a partilha mútua de experiências. Quando o presente de duas ou mais pessoas se cruza, criam-se memórias e quando essas memórias se cruzam, estabelecem-se ligações, sendo que as memórias passam a funcionar como um fio condutor entre as suas vidas e as gerações seguintes.

Aquilo que somos e a forma como agimos deve-se em grande parte a experiências passadas - pessoais e de outros - que não são mais do que memórias. Talvez por isso elas sejam universais e intrinsecamente humanas. O Nostalgiqa baseia-se nesta visão poética e ao mesmo tempo romântica do tempo que passa e que promove a transmissão de momentos, vivências e emoções comuns a qualquer ser humano.


4 - Tendo nós em português a particularidade da palavra Saudade, imortalizada pela Sodade da saudosa Cesaria Evora, porquê a enfase em Nostalgia? 
Como portugueses que somos, gostamos imenso da palavra “saudade” e ponderámos várias vezes a sua utilização. No entanto, o obstáculo que se apresentou foi a sua adaptação/tradução. Quando se pretende um alcance universal, torna-se difícil utilizar palavras específicas de uma cultura, neste caso a portuguesa, desconhecidas para uma boa parte do mundo. A palavra “saudade” insere-se neste conjunto de palavras para as quais não existe tradução directa noutras línguas. Como tal, “nostalgia” pareceu-nos a solução mais adequada. Nostalgiqa é a primeira aplicação da HumanSpot, sendo que outras se seguirão a médio prazo. Com o objectivo de manter uma certa coerência na nomenclatura aliada a facilidade na memorização, a escolha de um nome com base na palavra “nostalgia” também fazia mais sentido.


5 - Em que termos Nostalgiqa se diferencia de outras redes sociais como o Facebook, mas mais em particular do Flickr? Além do facto de terem uma temática em concreto, como é que vocês garantem uma mais valia experiencial às pessoas ? 
Existem várias diferenças entre o Nostalgiqa e as principais redes sociais a que nos habituámos, das quais destacamos:

● O Nostalgiqa valoriza tanto a componente privada como a componente social. Isto significa que os utilizadores podem manter as suas memórias privadas ou partilha-las com os restantes utilizadores. A própria aplicação foi construída para dar ao utilizador uma sensação de privacidade pouco comum em redes sociais, pelo que o acesso a conteúdos produzidos pelos outros utilizadores não é feito a partir da primeira página.

● O facto de existir uma temática clara permite-nos escapar com maior facilidade do principal problema das redes sociais: a perda de contexto, que se traduz em quantidades significativas de ruído. Se, por um lado, o Nostalgiqa não é uma aplicação onde os utilizadores criem conteúdos com a regularidade que vemos no Twitter, Facebook ou Flickr, por outro lado, os utilizadores têm um cuidado adicional com as memórias que capturam e partilham.

● São disponibilizadas várias ferramentas aos utilizadores para que eles se comportem como “curadores” do Nostalgiqa. Em vez de utilizarmos um botão “like” demasiado generalista e tantas vezes sobre-utilizado, criámos os botões “meaningful” e “nostalgic”, de forma a promover uma maior coerência e qualidade dos conteúdos. Além disso desenvolvemos o “Emotiqa”, uma ferramenta que permite aos utilizadores catalogarem memórias com emoções.

● Porque as memórias são geralmente constituídas por mais do que uma simples experiência que possa ser retratada por um texto ou fotografia, existe a possibilidade de agregar diversos fragmentos numa única memória. Isto permite aos utilizadores criarem histórias à volta das suas memórias.

● Pedindo às pessoas para introduzirem a data/época e o local em que as memórias foram vividas, ganhamos duas novas dimensões que enriquecem a aplicação: o espaço e o tempo.

Resumindo, a nossa preocupação é mais qualitativa do que quantitativa. Enquanto que as redes sociais têm como objectivo principal o crescimento em termos de utilizadores e conteúdos, o nosso foco recai sobre o contexto e a qualidade desses conteúdos dentro de um tema muito específico - neste caso memórias - com o objectivo de acrescentar algum valor humano que traga maior significado e impacto emocional para os nossos utilizadores.

fevereiro 21, 2012

Nativos Digitais #57: Videojogos

O programa Nativos Digitais é uma produção da produtora Farol de Ideias, que tem por objectivo contribuir para o esclarecimento da sociedade nos domínios da Educação para os Media. O programa é escrito por Sérgio Sousa Costa e Silvia Camarinha e conta com a consultadoria científica do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho.


Nativos Digitais está no ar desde Outubro de 2010, e desde então já foram realizados mais de 50 programas dedicados à Educação para os Media. O programa 57, exibido a 14 de Fevereiro de 2012, com o título, As Vidas e os Bónus dos Videojogos, foi inteiramente dedicado aos Videojogos.


Tenho de dizer que face à enorme quantidade de material que fiz chegar à redacção do Nativos Digitais, e as entrevistas que estes realizaram, o guião ficou excelente. Aliás a verdade, é que tentar sintetizar tudo isto em apenas 15 minutos, era uma missão impossível, e por isso mesmo a redacção resolveu criar dois episódios dedicados à área. Assim este documentário que foi agora publicado, retrata apenas a primeira parte do trabalho desenvolvido pela Farol de Ideias. Em breve teremos mais um episódio dedicado à arte dos videojogos.

"O entretenimento já não é o único objetivo de um jogo. ONGs, agências de publicidade e até órgãos de comunicação social, aproveitam o poder comunicacional dos videojogos." 

Deixo um resumo em imagens do programa, e em baixo podem ver o programa de 15 minutos na íntegra. 











As Vidas e os Bónus dos Videojogos

fevereiro 20, 2012

Hævnen (2010), contra a violência instintiva

Hævnen (2010) ganhou o Oscar 2011 para Melhor Filme Estrangeiro na corrida contra Incendies (2010), não por ser melhor, mas por ter uma mensagem de esperança mais poderosa. O título em inglês, fala-nos de Um Mundo Melhor, e é sobre isso mesmo que o filme trata.


Ver Hævnen, é uma experiência formadora, o título original traduz-se por "vingança", e é isso que vemos ser contrariado pelo desenrolar do filme. Hævnen luta contra os nossos instintos primários de preservação pela violência. Começamos por sentir o prazer de ver a vingança efectivar-se, e à medida que o filme vai evoluindo, vamos sentindo o que nos diz, e vamos evoluindo com o filme.


IncendiesHævnen partilham o tema da violência, Incendies é muito mais visceral e ao mesmo tempo profundo. Contudo Hævnen não deixa de ser uma obra pesada, embora contenha em si uma ideia para mudar o mundo.

Inovar na Linguagem dos Videojogos

Na última entrevista dada por David Jaffe (God of War, 2005) a propósito do novo Twisted Metal (2012) fala-nos da Linguagem da Interactividade e acaba por tocar ao longo da entrevista em vários dos assuntos sobre os quais passei anos a estudar, e outros passaram antes de mim. Falo das emoções estimuladas pelos videojogos, e essencialmente das suas capacidades para estimular Tristeza. O assunto da tristeza foi primeiramente apresentado pela equipa da Electronic Arts no lançamento da mesma, em 1982, num anúncio com a questão, "Can a Computer Make you Cry?".

Right now, no one knows. This is partly because many would consider the very idea frivolous. But it's also because whoever successfully answers this question must first have answered several others.
Why do we cry? Why do we laugh, or love, or smile? What are the touchstones of our emotions?
Until now, the people who asked such questions tended not to be the same people who ran software companies. Instead, they were writers, filmmakers, painters, musicians. They were, in the traditional sense, artists.
We're about to change that tradition. The name of our company is Electronic Arts.
No meu doutoramento fui ao ponto de dizer que existe um "paradoxo das emoções interactivas", daí que o meu livro se chame mesmo Emoções Interactivas. A questão é que conseguimos produzir este tipo de emoções, quando utilizamos cutscenes, mas tudo se complica quando não as queremos utilizar.


 Como diz Jaffe,
It's not about using cinematic techniques to express that. It's about using interactive language to express that.
Contudo apesar de estar de acordo com esta parte do discurso de Jaffe, não concordo com a sua resignação. Bem sei que andamos há décadas nisto, que já se fizeram vários doutoramentos à volta desta questão, e centenas de tentativas falhadas. Mas a questão é mesmo essa, avançar e inovar aonde existe problemas para resolver. E não seguir uma resignação como se pode ver aqui no seu discurso,
But if my only goal is to make people feel emotions and that's what I really want -- I want to make them feel sadness, or I want to make them think about man's place in the universe. Think about that. If you're really a fucking artist. If you're really a fucking artist, and you've got something to say, then you fucking pick the right medium to say it in. But if you're sitting there going, "I want to say this, I want to say this," and games have never indicated, and your game has never indicated, that the medium is capable of saying that that well, then why are you making a fucking game?
E é exatamente nesse sentido que trabalham muitas das mentes brilhantes do movimento indie, tais como Jenova Chen ou o Jason Rohrer entre muitos outros. E se falo destes dois, é porque são exactamente eles que aparecem desta vez a dar a cara num novo documentário, Us and the Game Industry (TBC), sobre a inovação proporcionada pelas equipas indie à Linguagem dos Videojogos. Este novo documentário que está a ser produzido por Stephanie Beth, tem já um trailer que é bastante inspirador.

Us and the Game Industry (TBC)

Us and the Game Industry is a film about the new thinkers at the new frontier of experimental computer game development. We delve into this untapped world of potential to meet the people who are succeeding in reinventing the medium of game design and challenging the established norms with their finely crafted work. This film explores how their motivation, design process, focus and execution are creating unique and new possibilities of connecting people and providing the possibility for uncharted experiences outside the normal realm of commercial games.

fevereiro 18, 2012

O fim da Universidade, ou a simples arrogância tecnológica

Vou deixar aqui algumas ideias sobre o assunto da aprendizagem à distância, de que se fala desde há muito. O e-learning é algo recente, mas o ensino à distância existe desde muito antes disso, fazendo uso de canais como o correio ou a televisão. Impressiona ver como as pessoas passam por cima das experiências do passado e seguem debitando ideias sem parar para pensar realmente naquilo que estão a dizer. Sobre a ideia de ter um professor a leccionar para milhões no planeta inteiro, só posso dizer que é das coisas mais insanas que alguma vez ouvi. Muitas destas ideias, seguem apenas o buzz do momento, e limitam-se a meras conjunturas pensadas sobre o joelho, ou utopias baseadas em ficção-científica.

À L'École, representação da visão da escola para o ano 2000, vista a partir de 1910

Muito se tem falado das aulas do MIT e Yale que já se podem encontrar gratuitamente online, mas foi agora com a recente decisão do MIT de começar a oferecer certificação online gratuita que os discursos se inflamaram. Para alguns, isto é o sinal do fim das Universidades estatais americanas, e de milhares de universidades espalhadas pelo globo. Alguns referem como exemplo para o futuro da escola, as famosas aulas vídeo da Khan Academy, outros referem que os alunos aprendem directamente a partir da Wikipedia e do Facebook. Nomes conceituados das TIC como Bill Gates, afinam pelo mesmo diapasão, afirmando que as Universidades são uma espécie em vias de extinção. Outros escrevem sobre um futuro em que a cultura disponível no mundo online e uma abordagem DIY (Do-it-Yourself) criará as condições para que as Universidades se tornem obsoletas. Tudo isto ideias, que de algum modo parecem assentar no velho mito do self-made man.


Mas mais interessante, é que todos estes discursos são proferidos, não pela sociedade em geral, mas tudo por pessoas oriundas dos sistemas de ensino mais elitistas do planeta. O defensor da auto-formação via Wikipedia/Facebook doutorou-se em Yale, a autora do texto apocalíptico sobre a Universidade pós-elearning tem um MBA da Universidade de Chicago, o fundador da Khan Academy, possui 3 licenciaturas do MIT e um MBA, assim como o atual presidente da Khan Academy possui 4 licenciaturas do MIT. Bill Gates esteve na Universidade de Harvard alguns anos, apesar de não ter terminado a licenciatura, não por não querer, mas por se ter envolvido na criação da Microsoft. A autora do movimento DIY-U é formada em Yale. E isto deve-nos fazer questionar sobre o que seria cada uma destas pessoas, sem estes sistemas de ensino por detrás, teriam chegado todos até aqui?

Salman Khan

As pessoas esquecem que a escola sempre existiu, o que nasceu no século XVIII não foi a escola, mas o modelo de escola moderno que hoje temos. A escola existe desde que iniciámos a caminhada neste planeta enquanto espécie gregária, enquanto espécie social, que depende do grupo para sobreviver. No grupo, os mais velhos sempre tiveram o papel obrigatório e fundamental de ensinar os mais novos, para que estes pudessem evitar perigos conhecidos, através do conhecimento empírico legado pelas gerações anteriores. Com o passar de milénios fomos criando formas de registo externas, sendo as primeiras formas, as próprias ferramentas de pedra e madeira esculpidas há um par de milhões de anos. Mas tivemos de esperar que o nosso sistema de linguagem evoluísse para que ideias mais complexas se criassem, e isso criasse em nós a necessidade de dar corpo material a essas mesmas ideias.

A escola representada em pinturas do antigo Egipto

Assim a linguagem apareceu apenas há cerca de 50 mil anos, e os primeiros registos externos vieram em forma de pintura há 40 mil anos espalhados por algumas cavernas do centro-sul da Europa. A linguagem e a pintura levariam à criação dos primeiros sistemas de partilha de informação codificada, criando assim os primeiros sistemas de escrita há uns meros 4 mil anos atrás. Tudo o que criámos depois disto, são mesclas conceptuais permitidas pela evolução tecnológica e artística. Registos como a fotografia e o vídeo que descendem directamente da pintura, ou os videojogos que descendem directamente da escultura.

Pinturas nas cavernas de Lascaux, datadas de 40 mil anos

Todas estas formas de registo, aliviaram os nossos constrangimentos de memória, libertando a nossa mente para se dedicar mais e mais à inovação. Mas os mais velhos nunca deixaram de ser importantes, na transmissão do conhecimento, porque aquilo que verdadeiramente se transmite de geração em geração não se pode definir num punhado de dados discretos, mas reflecte-se antes num conjunto de experiências que se ramificam e inter-conectam com lugares, pessoas, e momentos no tempo.

Ruínas da Universidade de Nalanda, criada em 400 A.C.

E as Universidades não foram criadas no século XVIII, a primeira Universidade, com 10 mil alunos de que temos registos, data de 400 A.C. na India, a Universidade de Nalanda. A ocidente na Europa, teríamos de esperar até ao início do segundo milénio D.C. para ver nascer a Universidade de Bolonha. Mas o que aconteceu então no século XVIII? Foi criado o modelo industrial de escola. Um modelo estruturado no tempo e com métodos de avaliação e classificação, que requerem muito da componente de memorização, assim como raciocínio humano, mas que acima de tudo ignora o estilo individual de aprendizagem e busca um padrão que sirva a massificação do ensino. E é esta a ideia de escola que criticamos. No entanto depois de tanta discussão em redor deste problema, que parece ter sido compreendido por uma grande parte da sociedade, através do magnífico trabalho de pessoas como Ken Robinson ou Howard Gardner, tudo parece ter sido esquecido.

Universidade de Bolonha, criada em 1088

De repente parece já não ter importância, ter massas de pessoas a aprender de forma igual, e a aprender o mesmo, mas queremos mais do que isso, queremos um sistema universal, que chegue aos milhões de pessoas. Queremos que um único professor debite a sua perspectiva subjectiva, e formate todo o planeta como um só. Dizem-nos que as Universidades vão desaparecer, e vão apenas restar as grandes Universidades, as que possuem uma Marca, capaz de imprimir diplomas importantes!!! Mas?! Alguém se questionou porque é que o canudo do MIT é importante, não será o facto de esta ser altamente exclusiva, que faz dela uma marca de "qualidade"? A regra básica da persuasão social, diz-nos que a raridade dos elementos, torna-os apetecíveis, o seu contrário torna-os desprezíveis. Mas mais do que as regras de marketing, fará sentido recorrer a uma visão única do conhecimento para a resolução de problemas singulares, com particularidades próprias das zonas geográficas aonde se encontram, com as particularidades sociais e culturais das comunidades em questão, e acima de tudo com as especificidades psicológicas, emocionais e motivacionais de cada indivíduo?!

Voltando ao discurso dos senhores da elite universitária, que agora adivinham o fim do sistema. Estes só demonstram que quem usa massivamente as tecnologias para criar e inovar, não são os autodidatas que não foram à universidade, mas são aqueles que frequentaram as universidades. Ou seja para poder usar as tecnologias, construir, criar algo, não é preciso aprender a usar as tecnologias, que cada vez tornamos mais fáceis no seu uso. É preciso antes aprender a pensar, aprender a aprender, aprender a ser autónomo, proactivo, empreendedor, e é preciso construir uma forte bagagem cultural. Tudo isto não se aprende com um simples acesso à web, depende antes de uma interação forte com professores e alunos. O e-learning ajudará, mas de forma alguma conseguirá substituir-se ao ensino presencial, porque o que está em causa é a forte interação humana.

A Telescola portuguesa

Apesar de ser um grande defensor das tecnologias interactivas, dos videojogos na educação, não tenho qualquer dúvida sobre of facto de estes não poderem servir o fim do ensino de modo exclusivo. A Telescola não o fez, e não será agora por termos mais informação e a possibilidade de desenvolver tecnologias interactivas, que isso vai acontecer. A razão principal para eu ver isto deste modo, é só uma, o processo de socialização humano. Mais do que os conteúdos na especificidade, a escola é um dos principais pilares no processo de construção do Eu, desde a Infantil à Universidade. Deste processo que se constrói lentamente ao longo de anos, fazem parte duas questões essenciais ao humano, a mímica e a empatia, que por sua vez se tornam responsáveis pelo desenvolvimento de competências para a construção de novos comportamentos, novas visões, e claro novos horizontes. Voltando à primeira imagem deste texto, aprender não é meramente absorver o que está escrito num livro.

Fold.it, jogo de investigação

Os videojogos são hoje uma forma de representação de tal forma eficiente, ao ponto da investigação científica os ter começado a utilizar como ferramenta de observação e experimentação. Este é o assunto do meu texto desta semana para a Eurogamer, e sobre o qual resolvi deixar aqui mais alguns apontamentos a propósito de um jogo em particular.


No campo da investigação científica em biologia, foi criado o jogo Fold.it (2008), no qual os jogadores são convidados, fazendo uso de mecânicas de puzzles gráficos tridimensionais, a dobrar e a torcer modelos de estruturas de proteínas, no sentido de encontrar a melhor configuração tridimensional possível tendo em conta os requisitos. Estes modelos são por sua vez enviados para uma base de dados online que vai catalogando cada um dos modelos enviados.


A importância das acções dos jogadores tem sido de tal modo importante nos avanços da investigação deste grupo, que num dos artigos publicados pelo grupo na revista Nature em 2010, foram mencionados os jogadores como parte da equipa responsável pelos resultados de investigação. No entanto seria 2011 a ficar marcado por Fold.it, com a publicação de resultados conseguidos por um grupo de jogadores que conseguiram criar modelos que viriam a ajudar os investigadores a avançar no decifrar das estruturas causadoras do vírus da Sida nos macacos.





UPDATE 19 Fevereiro 2012

Como forma de complemento a este texto, e ao publicado na Eurogamer, fica aqui a minha mais recente descoberta. A NASA também resolveu passar a utilizar a linguagem dos videojogos para comunicar com as audiências. Por um lado existe aqui uma estratégia de promoção, mas é mais do que isso, são jogos que têm como objectivo assumido, o aumento da literacia em STEM ("Science, Technology, Engineering, and Mathematics").

fevereiro 12, 2012

Amazing Stories, no domínio público

Amazing Stories foi a primeira revista de sempre integralmente dedicada ao género da Ficção Científica (FC). Tendo entrado no domínio público pode agora ser disponibilizada de modo gratuito, e é o que começou a fazer o Projecto The Pulp Magazines. Os primeiros seis números (de Abril 1926 a Setembro 1926) já podem ser lidos aí na íntegra.

Amazing Stories, nº 1, Abril 1926

A revista foi criada em 1926 por Hugo Gernsback e seria responsável por publicar os primeiros textos de três dos maiores autores de FC de sempre Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein, entre muitos outros. Hugo Gernsback tinha nascido em Bonnevoie, um bairro da capital do Luxemburgo, aonde por acaso eu próprio vivi alguns anos, e mudou-se para os EUA em 1905. Em 1908 criou a revista Modern Electrics que viria a servir de base para o lançamento da Amazing Stories.

A primeira história de H.G Wells publicada na Amazing Stories nº1

A importância da Amazing Stories e Hugo Gernsback na criação do movimento da FC é enorme. No final do século XIX apareciam os primeiros contos de autores como H.G. Wells, Jules Verne ou Edgar Allan Poe que eram publicados de forma avulso em várias revistas de ficção literária. Foi preciso esperar por 1926 para que alguém acreditasse na existência de um movimento, e criasse uma revista inteiramente dedicada, fomentando assim o aparecimento de mais e mais textos na área.

O primeiro editorial e a definição de Scientifiction, que viria tornar-se em Science Fiction

A verdade é que o próprio nome Ficção Científica viria a ser cunhado por Hugo Gernsback, embora este preferisse chamar-lhe "scientifiction". E daí que não se estranhe que o maior prémio na área da FC, reconhecido internacionalmente, dê pelo nome de Prémios Hugo, em sua homenagem.