dezembro 20, 2011

a arte de Alice por Luis Melo

Alice: Madness Returns (2011) é sucessor do imensamente badalado American McGee's Alice de 2000. Um sucesso que se deveu na altura muito à sua abordagem visual, tendo recebido um 10/10 da GameZone e um 9.4/10 da IGN. Desta forma não surpreende que o regresso da Alice de McGee seja agora coroado com o prémio Best Video Game Art in 2011 pela MSNBC.


Mas se trago aqui este prémio, não é apenas por ser admirador do trabalho de McGee, mas porque o prémio foi dado a uma equipa de artistas visuais, liderada por Ken Wong, e entre esses encontra-se o português Luis Melo.

Concept art de Ken Wong para Alice: Madness Returns (2011)

Screenshot do Hysteria Mode do jogo Alice: Madness Returns (2011)

Luis Melo com 30 anos e formado em belas-artes, tem-se dedicado à ilustração para videojogos. Esteve envolvido no projecto durante cerca de um ano e meio, tendo trabalhado apenas um par de meses em Portugal, e o resto do tempo em Shanghai junto da restante equipa da Spicy Horse que criou o jogo com American McGee. Interessante ver como é que o Luís chega ao mundo da ilustração e concept art.
"Foi algo imprevisível, e devido à minha ignorância sobre o meio, um pouco tardio. A meio da faculdade e um pouco insatisfeito com o curso, comecei a brincar com software para fazer jogos. Não sabia sequer que havia profissões a sério como “concept artist”. Foi ao pesquisar sobre arte para jogos e tutoriais que descobri a pintura digital. A partir do momento em que encontrei fóruns de ilustradores, tudo mudou para mim e começou a evoluir muito depressa. As comunidades online eram muito activas e o feedback que tive de outros artistas fez com que aprendesse imenso em pouco tempo"
Theatre, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Apesar de não ser um prémio muito conhecido no meio, não é de somenos quando sabemos que em competição estavam pesos pesados como Rage, Batman: Arkham City, ou The Elder Scrolls V: Skyrim. Aliás em conversa com o Luís no Facebook ambos declarámos o nosso espanto por este prémio tendo em conta a competição. Contudo a verdade é que os trabalhos criativos de McGee obedecem a um traço marcadamente singular em termos visuais, e isso sem dúvida está na base deste prémio. Nesse sentido o Luis Melo diz-nos,
"Não só a componente artística do jogo foi extremamente cuidada, como possui um estilo muito específico e muito difícil de “dominar”. Ideias que pareciam boas muitas vezes não funcionavam ou não se enquadravam, e foi um duro processo de aprendizagem que parecia nunca estar terminado. Ao mesmo tempo, foi um projecto altamente motivante do ponto de vista do design. Não é em qualquer jogo que somos premiados por desenhar chaleiras diabólicas ou polvos alcoólicos. Independentemente da originalidade deste título como jogo do ponto de vista técnico, a arte e o design que o compõem tiveram por trás um tipo de pensamento louco que não é comum na indústria mainstream" 
Maze, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Underwater, concept art de Luis Melo para Alice: MR (2011)

Sheet do personagem Octopus, com traços de José Saramago, por Luis Melo, para Alice: MR (2011)

Entretanto se quiserem mais, vejam o site do Luis Melo, joguem o jogo, ou então deliciem-se com o livro The Art Of Alice: Madness Returns da Dark Horse.

dezembro 18, 2011

José e Pilar (2010), a simplicidade da vida

Tenho de confessar que ainda não tinha visto o filme, vi-o ontem à noite finalmente, e fiquei muito emocionado. José e Pilar (2010) é um retrato fiel do que é ser-se humano, no qual a genialidade humana é resumida através de uma surpreendente simplicidade, em que somos conduzidos pela vida sem dogmas, transcendências ou mistérios. É um filme frontal que luta por um posicionamento justo na relação entre humanos, contra as ideias de ordem política, religiosa, ou sexual que oprimem, impõem, ou discriminam.


O filme nasceu das imagens recolhidas, por Miguel Gonçalves Mendes e a sua equipa da JumpCut, ao longo de 4 anos (2006-2009), na intimidade de José Saramago e Pilar del Río. Ao longo dos últimos anos de vida de Saramago, Miguel Gonçalves Mendes gravou 240 horas de imagens e sons de depoimentos, desabafos, suspiros, e muito amor. Por momentos podemos até pensar que José e Pilar é o que é por causa dos seus protagonistas serem quem são. Se não é menos verdade, que sendo quem é nos entusiasma, mais ainda sabendo que estamos a presenciar os últimos dias de alguém, aquilo que é preciso dizer é que esta não é uma obra de José Saramago mas do Miguel Gonçalves Mendes.


São quatro anos reais, resumidos em duas horas que nos apresentam uma realidade re-construída com base no melhor que a gramática fílmica tem. Miguel Gonçalves Mendes construiu uma obra que nos carrega, nos conduz, nos condiciona e emociona. Temos aqui uma narrativa plena, não há lugar ao meramente descritivo, apenas à dramatização. Por vezes quase que esquecemos que é um documentário, que são pessoas reais, que não há guião, nem ensaio, que não há direcção de actores que o que vemos são vidas que se desenrolam em frente a uma câmara. E isto acontece porque o trabalho realizado, tanto na captura das imagens, nas entrevistas e construção de questões, como depois na selecção e edição é de uma enorme qualidade. E só esta qualidade é que permite que o filme quase se apague, se torne invisível, e nos dê apenas a sentir José e Pilar, ainda que pelos olhos de Miguel Gonçalves Mendes.


A música ajuda muito, é um documentário carregado de música, não apenas para encher a paisagem sonora, mas para conduzir a narrativa. Faz parte da linguagem, porque o meio é não apenas visual, mas também sonoro. A banda sonora é aqui ainda mais importante uma vez que grande parte da construção dramática é construída sobre fragmentos de realidade. O filme fica assim a dever bastante à excelência do trabalho de David Santos, aka Noiserv.

"Nascer, viver e morrer. E acabou. Mais nada." Saramago in José e Pilar (2010)


Impressiona como a simplicidade nos torna mais lúcidos, menos ansiosos, e mais humanos.

dezembro 17, 2011

Off Book: "Product Design"

Mais um episódio da série Off Book, este trata o Design de Produto. É mais uma óptima oportunidade para confrontar as ideias entre o valor da arte e o valor do design e perceber não apenas a diferença, mas a enorme importância do design para a sociedade.


"opportunities for design to continue to make a difference, it's going to be about sustainability examples that actually work"


"We swim in an ocean of products. Behind each one, there is someone (hopefully) thinking about the way we experience it."


Episódios anteriores da série Off Book

1 - Light Paint
2 - Type
3 - Visual Culture Online
4 - Steampunk
5 - Hacking Art 
6 - Street Art
7 - Etsy Art & Culture
8 - Video Games
9 - Fashion of Artists
10 - Generative Art

Alucinando Imagens, à la CSI

Um grupo de investigação da Microsoft Research, liderado por Ce Liu, anda há alguns anos a trabalhar num método de "alucinação facial" para imagens estáticas. Este método tem sido melhorado e o mais recente desenvolvimento publicado pela equipa, A Bayesian Approach to Adaptive Video Super Resolution (2011), dirige-se ao vídeo, ou seja às imagens em movimento.

Acima tenho apenas uma imagem, o vídeo pode ser visto no site de Ce Liu

A alucinação de imagens diz respeito a um método que procura dar resposta a um dos maiores problemas que ocorre no processo de aumento de imagens. Ou seja quando tenho uma imagem pequena digital e preciso de a aumentar, o resultado é sempre bastante fraco, e quanto mais aumentamos menos semelhança vai tendo a imagem aumentada com a original. No fundo a alucinação é um processo que melhora a qualidade dos processos de aumento de imagem. O método chama-se alucinação, porque não se trata de uma reconstrução mas antes de uma criação sintética extrapulada a partir de uma análise matemática das imagens.

O sistema tem de ser previamente ensinado em termos do tipo de imagens (neste caso grandes planos de faces) que deve alucinar.

É uma área de investigação muito interessante porque não só complexa, mas também pela quantidade de aplicações que pode servir. Aliás isto é algo que vemos muito no cinema e séries como o CSI, como processos de pura ficção, quando eles ampliam reflexos em espelhos, ou sombras e reconstroem a cara do assassino. O que a equipa de Ce Liu faz, assim como outras equipas a trabalhar neste campo, é tentar apontar possíveis soluções para este problema.


Contudo devemos continuar bastante cépticos, o termo alucinação é o termo adequado porque continuamos longe da realidade. Dificilmente algum dia poderemos ampliar uma imagem para ver lá detalhes que não eram visíveis no seu tamanho original reduzido. É muito bom isto que aqui vemos, mas na verdade é mais uma melhoria estética do que propriamente uma revelação do não visível. E aquilo que vamos vendo no CSI, como neste excerto, continua a ser uma utopia.

dezembro 15, 2011

Pacotes de Jogos Indie #4

Os Humble Indie Bundles são pacotes de jogos independentes, que são vendidos e distribuídos online, por um preço que é determinado pelo jogador que compra. Para além disso os jogos são sempre multi-plataforma (Win, Mac e Linux) e livres de DRM. Uma vez comprados, ficamos com acesso a download vitalício do jogo.


De cada compra reverte sempre uma parte para associações de caridade (Cruz Vermelha Americana, ou Child's Play), no momento em que compramos podemos definir como é feita a divisão do dinheiro que pagamos: a percentagem que vai para a caridade, a percentagem para a distribuição, e a percentagem para os autores dos jogos. Como estes pacotes contém normalmente jogos num valor muito acima da média do que cada jogador paga, os pacotes nunca são disponibilizados durante mais do que 15 dias. Neste 4º pacote temos quatro grandes jogos independentes, entre outros.

Super Meat Boy (2010) é um jogo plataformas controverso, desenvolvido por apenas duas pessoas, Edmund McMillen e Tommy Refenes numa autêntica maratona para cumprir o calendário imposto pela Microsoft. Leiam o magnifico post-mortem do jogo realizado pela Game Developer Magazine.


Bit.Trip Runner (2011), foi o vencedor este ano do Excellence in Visual Arts, no 14º Annual Independent Games Festival.

NightSky (2011) é um jogo muito interessante de fisica em plataformas, mas que prima sobretudo pela beleza atmosférica.

Shank (2010), é destes quatro o que apresenta uma estética menos indie, e mais próximo da grande indústria até porque é distribuido pela EA. Julgo que a arte está muito boa, e só por isso vale a pena jogar.

A arte vista pelo nosso cérebro

Enquanto visitava virtualmente a Capela Sistina pintada por Michelangelo (tecto e altar), lia o recente artigo que Jonah Lehrer publica no seu blog, How Does the Brain Perceive Art?. Um artigo no qual Lehrer trata um assunto previamente muito bem trabalhado por Paul Bloom, em How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like, mas que ganha aqui mais estudos de suporte científico do campo da neurociência. Basicamente, o que está aqui em causa fica sintetizado nesta frase de Lehrer.
"We only see the beauty because we are looking for it." 
Capela Sistina (Séc. XV), Vaticano

Neste caso da capela em que Michelangelo trabalhou com vários outros artistas na pintura da capela, é interessante como as pessoas falam normalmente apenas e só do tecto da capela, e esquecem todo o restante trabalho aí presente.

Tecto da Capela Sistina (1508-1512), frescos de Michelangelo

Ou seja, claramente que se perderem algum tempo a olhar para os frescos da capela vão perceber que existem diferenças entre os que são do Michelangelo e os que são de Botticelli, Rosselli, ou Perugino mas essas diferenças não têm de significar obrigatoriamente uma superioridade, antes marcam diferenças estilísticas.

Punição dos Rebeldes (1480-1482), fresco de Botticelli na Capela Sistina

O que acontece é que quando se constrói toda uma ideia à volta de um determinado artista, essa ideia tolda a capacidade de análise do receptor. No estudo de Huang da Universidade de Oxford foram analisadas imagens da ativação cerebral durante o visionamento de trabalhos de Rembrandt, sobre a variável de autenticidade. Ou seja eram apresentados quadros de Rembrandt e cópias, e alternadamente era dito às pessoas que os quadros reais eram cópias, e vice-versa.


A resposta da nossa capacidade analítica é muitíssimo interessante, confirmando os trabalhos de Paul Bloom,
Interestingly, there was no difference in orbitofrontal response when the stamp of authenticity was applied to a fake Rembrandt, as the brain area responded just as robustly. The quality of art seemed to be irrelevant. 
Ou seja, mais importante do que aquilo que estamos a ver, é aquilo que nós já sabemos sobre aquilo que estamos a ver. E é exatamente este fenómeno que permite à arte criar toda uma cultura, capaz de através do enaltecimento crítico subjugar e dominar massas. Consequentemente permite que uma tela com apenas 77cm x 53cm tenha visto o seu valor subir astronomicamente ao longo da sua existência. Falo da Mona Lisa (1503–1506) de Da Vinci que avaliado apenas em termos de seguro, em 1962, estaria na casa dos mil milhões de euros, em valores de hoje. Mas em termos reais o quadro vale mais do que isso porque passou de não vendável ao estado de não poder sequer ser emprestado entre museus, o que lhe atribui um valor incalculável.


Será que podemos atribuir isto à qualidade do trabalho de Da Vinci? Claramente que não, o que está aqui em causa, é toda uma componente misticista construída culturalmente na psique colectiva que é conferida pelo carácter da autenticidade. As massas quando entram na sala 6 do Louvre, não olham verdadeiramente para a arte do desenho e pintura de Da Vinci, mas antes apenas e só, conferem e associam aquela imagem a todas histórias anteriormente contadas sobre aquela tela. E a verdade é que todo o tempo que estão naquela sala, estão de costas voltadas para uma obra magnífica de Veronese, Les Noces de Cana, saindo da sala quase sem reparar em algo que é impossível de passar despercebido, dado o seu tamanho imponente (994cm x 677cm).

Les Noces de Cana, (1563) óleo de Veronese

Levando estes dados para outras áreas da arte, mais dedicadas ao entretenimento por exemplo, talvez isto explique a razão pela qual a grande indústria americana, não se importe de pegar em 30% do valor investido na criação de um filme ou jogo, para produzir publicidade e acções de marketing. Porque sabe que mais importante do que a qualidade da obra que estão a vender, é aquilo que as pessoas pensam em associação a essa obra.

FIRST 2011: Animação nos Videojogos

Na passada terça-feira passei pelo FIRST 2011, o 5º Encontro de Estudantes das Artes da Animação nas Caldas da Rainha, a convite do Fernando Galrito, para falar dos processos e técnicas de animação nos videojogos, incidindo também sobre a comparação entre geração de animação para filme e para ambiente interativo.


Participei numa mesa com o Marco Vale da Vortix Games Studios que fez também uma óptima apresentação sobre os trabalhos desenvolvidos por várias empresas nacionais por onde circulou, e dando claro depois uma maior ênfase aos últimos projectos desenvolvidos na Vortix Games Studio.
Ficam aqui os slides da minha apresentação.

dezembro 12, 2011

Workshop de Concept Art para Videojogos

O concept artist de vários videojogos nacionais produzidos por empresas como a RTS, a Ignite ou a BlitPop, vai dar um workshop sobre concept art, principalmente de cenário e ambiente, direccionado para pessoas que queiram seguir carreira em videojogos ou animação.



O Tiago Lobo Pimentel frequentou Design Visual no IADE, mas o que ele trará de melhor para um workshop deste género é a sua experiência acumulada ao longo dos vários anos no desenvolvimento de concept art específica para videojogos. Não existem muitos concept artists em Portugal, e menos ainda com experiência neste campo. Por isso será uma excelente oportunidade de contactar e aprender directamente com quem faz.


O workshop será dado em Lisboa (14, 21 e 28 de Janeiro 2012), e no Porto (17, 18 e 25 de Fevereiro 2012). Mais informação sobre datas, locais, e preços no site da EDIT.

Bastion (2011), no Chrome

Bastion (2011) um dos mais fortes candidatos a jogo do ano está desde há dois dias disponível para jogar no Browser. Depois de ter sido lançado para a XBox Live, é um dos melhores exemplos a fazer uso do novo sistema da Google, o Native Client.


Assim são duas excelentes surpresas, e enquanto jogo Bastion, não sei com qual mais me admiro se com o quão espantoso é a arte de Bastion, ou se ter tudo isto a correr num browser independentemente da máquina. É que Bastion saiu para a Xbox e depois disso saiu no Steam mas apenas para PC, e andava um pouco triste com o facto de ainda não ter podido experimentar esta pequena jóia. Por isso agora percebem porque fiquei tão contente com esta inovação da Google.


Para além da SuperGiant Games, criadora de Bastion, já aderiram ao Native Client a Square Enix, a Bungie e a Unity Technologies. Ainda há uns dois meses a Unity se juntava ao Flash, e o UDK prometia também exportar para Flash. Agora a Google parece querer mais. É todo um mundo novo, e será uma questão de tempo até termos o sonho da Google concretizado, a substituição do OS pelo Browser.


Bastion é uma verdadeira jóia em três domínios concretos: arte visual, storytelling e música. Os três elementos combinados criam uma experiência de excelência rara num videojogo. E por isso mesmo é que será muito provavelmente o jogo do ano. Um jogo vindo de um pequeno estúdio independente, com um pequeno personagem, a fazer lembrar um outro grande jogo independente Braid (2008).

A narração dinâmica é muito boa, não é a primeira vez que vejo, mas aqui está muito bem conseguida, tanto na voz escolhida como no modo como usa as nossas acções em tempo real, para assim criar ainda mais envolvimento. Depois no campo da arte visual, é uma delícia, estamos constantemente a ser surpreendidos por zonas carregadas de detalhe e cor, arriscaria dizer que Bastion sofre de excesso, e talvez por isso o classificaria como, manga barroca. A música vai no mesmo sentido, diria que sinto um pouco do sabor dos épicos dos anos 80, muito ritmada, concede à narração toda uma outra densidade e dá vida à aventura. Não se deixem levar pelo trailer, joguem, o que eu descrevo aqui acima só é possível experienciar jogando.