"Creativity is just being like stupid enough to not realize you can't do something, and you just go and do it" Gareth Edwars [1]
Estou em choque. Acabo de perceber que o filme que vi ontem à noite, e ao qual atribuí mentalmente 4 em 5, foi feito com apenas 500 mil libras (600 mil euros), dois actores profissionais, num total de 7 pessoas que gravaram tudo percorrendo os locais juntos numa única carrinha. Em cima de tudo isto Gareth Edwards é: Realizador, Argumentista, Director de Fotografia, Designer de Produção e Efeitos Visuais.
Tinha ouvido falar em Monsters (2011) aqui e ali, mas não tinha ligado muito, até que vi que algumas revistas da especialidade também estavam a falar do filme. Não li nada sobre o mesmo, apenas quis perceber porque tinha vindo para a ribalta. Ao ver o filme fiquei entusiasmado com o facto de há muito não ver um filme trabalhar tão bem o poder da sugestão. Aliás vi na semana passada Battle Los Angeles (2011) que tenta fazer o mesmo, e que falta de jeito, para não dizer outra coisa.
O que mais me impressionou foram duas coisas, que agora percebo derivam em parte das condicionantes financeiras, mas funcionam como duas qualidades estéticas que definem todo o filme: a atmosfera visual, e os silêncios. Existe do lado visual um tal cuidado na criação do ambiente que durante todo o filme nunca me deu espaço para pensar que seria um filme de baixo orçamento. A cinematografia ainda que feita à custa de câmaras digitais de valor médio, assume um lugar de destaque, assim como o design da produção e os efeitos visuais. A beleza dos enquadramentos em corte dos motivos trabalham em toda a força para o efeito de sugestão.
O interessante é que todos os efeitos visuais foram feitos por uma única pessoa a partir do seu quarto, o centro das tecnologias criativas do futuro [2]. Gareth Edwards, armado apenas com o seu computador portátil e dois pacotes de software - a colecção da Adobe e o 3d Studio Max. Para além disso, o tempo 8 meses de edição, mais 5 para os efeitos, mas mais importante que isso o know-how. Edwards tem mais de 10 anos de experiência de Efeitos Visuais para documentários da BBC, alguns com orçamentos maiores do que este filme.
Do lado do silêncio, ainda que o guião o possa ter previsto, só é possível porque a dupla de actores, Whitney Able e Scoot McNairy, profissionais mas pouco conhecidos, funcionam em registos altíssimos. A uma determinada altura do filme só consigo olhar para eles, fixo-me neles, na beleza de Whitney Able em meio a tanta sujidade, e na honestidade de Scoot McNairy. Em jeito de road-movie, com um destino apontado, mas que não surge constantemente como um clímax relembrado. O filme deixa-nos viver o momento, o processo, deixa-nos aprender a compreender os monstros, a natureza. De salientar que todos os restantes actores são pessoas que vivem nos locais, não profissionais, e que trabalharam de improviso para o filme.
Monsters demonstra como um tema vulgarizado, das metáforas dos ETs como minorias étnicas, pode ser tratado de forma diferente e oferecido como algo mais do que essa metáfora. Penso em Avatar (2009) e toda a sua tecnologia, as centenas de técnicos especialistas, contra um único técnico generalista em Monsters. E vejo que a mesma narrativa sofre abordagens tão distintas. Monsters fala-nos de dentro de nós, Avatar é só exteriorização. Mesmo District 9 (2009) acaba por sair aqui na frente dos recursos tecnológicos mas atrás, no que toca à coerência visual e humanização da narrativa.
Gareth Edwards fala numa entrevista que um filme de influência para Monsters, foi Gerry (2002) de Gus Van Saint. Realmente ao ler isto fiquei colado, é verdade, pode-se sentir o respirar de Matt Damon e Casey Affleck neste filme, os ritmos, o road-movie sem clímax, o silêncio, muito silêncio. Duas pessoas que deambulam, e nós que deambulamos por entre eles.
[1] Making of a Monster Movie. Inside Indie Filmmaking. On Best Buy
[2] How I Made A Monsters Movie, entrevista de Mark Kermode no quarto de Gareth Edwards