Assim esta entrevista acontece motivada pelo lançamento do seu livro, Digital Body (2011), um livro desenhado exclusivamente para iPad que conta com cerca de 80 páginas com imagens e vídeos de exibições. Contém ainda três zonas interactivas que podem ser exploradas com o movimentar dos dedos no ecrã. É um livro através do qual podem ficar a conhecer o melhor do trabalho do João Martinho Moura dos últimos 5 anos.
1 - O que pensas da tua condição de conseguir produzir trabalhos de grande complexidade tecnológica e simultaneamente estética? Que formação formação formal fizeste e porquê?
Pertenço ao conjunto de alunos, que na fase de entrada para o ensino superior teve dúvidas entre as artes e as ciências. Optei pelas ciências, segui a área das ciências da computação e dos sistemas de informação, na Universidade do Minho. Este caminho cimentou os meus conhecimentos técnicos na área do software e da programação, principalmente na computação gráfica, à qual dediquei sempre parte do meu tempo de estudo e evolução. Esforcei-me bastante para atingir bons resultados, mas durante este meu primeiro ciclo de estudos, sentia sempre a necessidade de explorar as tecnologias mais relacionadas com a arte digital, como a arte generativa, a estética computacional, a algoritmia gráfica, sonora, enfim, tudo o que estivesse ligado à parte mais estética do digital.
Mais tarde, soube que iriam abrir vagas para o novo curso de Mestrado em Tecnologia e Arte Digital (MTAD), na Universidade do Minho. Esta seria certamente a hipótese tanto esperada de me poder aproximar mais da minha vocação nativa. Pertenci assim ao pioneiro grupo de alunos deste Mestrado, único e inovador em Portugal. Esta foi a minha grande oportunidade de evoluir, e acima de tudo, seguir os meus estudos na arte digital. É realmente um mundo maravilhoso, onde me sinto muito bem a trabalhar, e a investigar.
Sempre gostei de explorar ferramentas relacionadas com a criatividade, e este mestrado proporcionou-me a possibilidade de desenvolver as minhas próprias ferramentas, que mais tarde viria a usar em exibições que tenho vindo a fazer. A simples hipótese de termos os conhecimentos para criar, em vez de usar software já existente, abre a quem cria um leque infinito de possibilidades.
2 - Qual é a tua opinião sobre as oportunidades para trabalhar no campo da arte digital em Portugal? É sustentável viver disso apenas ou tem de funcionar como hobby?
É necessária muita persistência, e resistência. Esse é o principal desafio na área da arte digital, que é transdisciplinar pela sua natureza. É muito difícil, como em qualquer outra arte, superarmos os nossos erros e aprender com isso. Tive o privilégio de o meu trabalho ser bastante referido logo nas primeiras fases da sua apresentação. A publicação constante em conferências académicas na área, com toda a colaboração da comunidade de docentes do MTAD, foi também fundamental, para que a divulgação do trabalho acontecesse. As minhas exibições são sempre comissionadas pela instituição/organização que a recebe, e tem existido todo o suporte por parte das instituições que exibiram as minhas peças. Na área da arte digital dificilmente existe a venda directa de uma obra, como acontece por exemplo em outro tipo de obras de arte. Mas os museus e espaços estão cada vez mais receptivos a este tipo de obras. Estas obras atraem pessoas, pela sua natureza interactiva, imersiva, e sensorial.
3 - Quando comparado com os outros países aonde tens exposto o teu trabalho o que te parece que falta em Portugal ou aos portugueses?
Sempre fui muito bem recebido em Portugal e no estrangeiro. A abertura perante as organizações/instituições que receberam as minhas peças foi sempre total. Lamento é não ter tempo e disponibilidade para aceder a todos os convites que tenho recebido. Em Portugal existe uma crescente aceitação para este tipo de obras. A comunidade artística na área da arte digital em Portugal é também já relevante. É importante, a existência de blogs como o Virtual Illusion, que abordam muito estas temáticas. Acredito na crescente curadoria relativamente à arte digital em Portugal, por parte das Organizações, dos Museus, e o pelo próprio Ministério da Cultura.
4 - Que conselhos podes dar a quem queira trabalhar na área da arte digital e dos media interactivos em Portugal? Que apostas devem fazer, em termos de saberes, de tecnologias ou outros?
É necessário ser muito ponderado em relação a dois eixos essenciais: a arte e a ciência. Estes dois eixos deverão estar sempre muito bem equilibrados, de modo a que a mensagem do autor, da sua obra, sejam bem transmitida. Não podemos descorar um eixo em relação ao outro. Se dermos demasiada importância à tecnologia, o resultado final é efémero, passageiro. Se dermos demasiada importância ao conceito, descorando a sustentação tecnológica que lhe dará suporte, ficamos perdidos. O importante é mesmo errar. E quanto mais errarmos, mais assertivos seremos na próxima. Nesta área é sempre bom errar. Os erros só acontecem quando nos dedicamos. A tecnologia por si só cria muitas expectativas no autor que está a criar uma obra digital. Essas expectativas facilmente são defraudadas quando não assentes numa base crítica sólida. Após a fase de confronto com a tecnologia, e com as dificuldades associadas à programação de código, cujo domínio é essencial, começa a surgir o espaço para que a criatividade aconteça, de uma forma natural. Recomendo o ciclo de estudos no Mestrado em Tecnologia e Arte Digital, da Universidade do Minho, a todos os interessados no estudo e desenvolvimento de Arte Digital.
5 - Finalmente, parece-te que o iPad e outros tablets podem servir de plataforma e inspiração para que surjam mais produtos de entretenimento digital nacionais como os livros interactivos e os videojogos?
Sim, sem sombra alguma de dúvidas. O iPad não irá substituir os livros, mas poderá cobrir um conjunto de produtos, para as áreas do entretenimento ou educação, que tirem partido das suas potencialidades interactivas. É muito bom exemplo o caso do livro Alice and Andy in the Universe of Wonders - The Planet Earth (2010), da ScienceOffice, projecto no qual participei, liderando a equipa de programação e desenvolvimento da TECField. Este livro é uma magnífica obra, com uma história muito interessante de dois irmãos gémeos que exploram o planeta terra, e que contou com o contributo de bons profissionais nas áreas da narrativa, da música, da locução, e da ilustração. Um projecto português que está disponível em seis línguas, e com bastante sucesso fora de Portugal. A leitura de um livro como este possibilita a exploração de uma história que seria impossível no livro tradicional.
Entretanto fica a notícia de que Digital Body (2011) entrou directamente para o 1º lugar da secção New & Noteworthy da App Store, e o livro Alice & Andy (2010) da Science Office, desenvolvido pela equipa da TECField, liderada pelo João Martinho, aparece também destacado pela Apple na secção What's Hot.