maio 28, 2019

As Duas Culturas (1959)

Este livro foi feito a partir de uma palestra dada por C.P. Snow em 1959, tendo gerado imensas ondas em toda a academia, muitas delas contra Snow, condenando-o por contribuir para o aumento da divisão que queria ilustrar entre ciências e humanidades. Devo confessar que fiquei surpreso por ler tais condenações, ainda mais quando feitas por pessoas como Stephen Jay Gould, e não menos fiquei ao procurar comentários mais recentes e encontrar pessoas defendendo que Snow se limita a afirmar o óbvio, para a seguir dizerem que as coisas são muito simples e deveríamos ser todos capazes de nos entendermos. Isto demonstra uma atitude baseada em ideais e não numa análise minimamente objetiva da realidade.


Talvez se fosse há alguns anos eu teria concordado com a ideia de que todos os grupos de pensadores se deveriam entender, independentemente da abordagem ao real que fazem, mas hoje, isto parece-me no mínimo ingénuo. Acreditar que Aristóteles discordou em quase tudo do seu professor Platão apenas por birra, só pode ser tonto. As suas discordâncias estão exatamente na génese daquilo que Snow aqui identifica, e têm que ver com as motivações e personalidades de cada um que os levaram a construir modelos da realidade distintos, no caso, opostos. Ou seja, não penso o mundo a partir de uma tábua rasa e do conhecimento que experiencio ou me transmitem, mas filtro-o através daquilo que sou, e do modo como desejo transformar o mundo que me rodeia.

É verdade que o livro não ajudou, porque Snow não ajuda, nada mesmo. Não há um método na divisão, nenhuma definição sequer é apresentada sobre ambos os lados, nenhuma caracterização dos diferentes perfis é apresentada, nenhuma análise social é feita, menos ainda qualquer traçado comportamental, cognitivo ou emocional é apresentado. Deste modo, Snow cria um argumento meramente no ar, a partir de uma ideia do senso comum que segue o erro, hoje clássico, de caracterizar pólos a partir de médias. Vemos muito isto quando se quer classificar atividades em termos de orientação: homem ou mulher. Nestes casos usam-se curvas de Bell que nos mostram que existem maiorias de homens que gostam de A e maioria de mulheres que gostam de B, e por isso diz-se que os homens gostam de A e as mulheres gostam de B. O problema destas abordagens é que esquecem que junto ao pico da média dessas curvas, existe uma divisão, e para um desses lado, existem faixas enormes de homens e mulheres que não se identificam, que não encaixam nessas classificações simplistas. E foi isso que aconteceu com este texto de Snow, porque usar cientistas contra estudiosos de literatura, não podia dar outra coisa se não um mar de cientistas que adora literatura, e um mar de estudioso literários que manifestam interesse pelas ciências, e que por isso consideram toda a conversa de Snow ridícula.

Se Snow tivesse apresentado um divisão por interesses, objetivos ou metas em vez de classificar as pessoas em etiquetas genéricas, teria com certeza conseguido gerar uma discussão mais equilibrada em redor desses argumentos, em vez de colocar grupos sociais uns contra os outros. Por outro lado, se o tivesse feito não teria conseguido chamar tanto a atenção, só um nicho se teria interessado pela discussão, e o livro talvez tivesse caído rapidamente no esquecimento.


Nota sobre a tradução: Acabei desistindo desta edição portuguesa, mas depois de pegar na original de Snow, percebi que o problema não era da tradução, o atabalhoamento da discussão está mesmo no original, talvez por se tratar de um texto transcrito de uma comunicação. Ainda assim considero que Snow poderia, deveria, ter revisto o texto antes de o deixar publicar.

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