dezembro 23, 2017

Motivação mais relevante que QI

Quem me conhece sabe que defendo o ensino profissional, ou técnico-profissional, ou vocacional, ou como desejarem chamar-lhe, há décadas. Não por razões económicas, não por trazer benefícios ao país, não para nos equiparar ao sistema alemão, mas simplesmente porque que a principal função da Escola é ajudar cada sujeito a encontrar-se. E é sobre isto que o texto da professora Rebecca Haggerty, da Annenberg School for Communication — "Highly motivated kids have a greater advantage in life than kids with a high IQ" — nos fala.


Continuamos a ser iludidos com medições e rankings, adoramos números, aparente garantia de sucesso, por isso desenvolvemos todo o tipo de medidas e quantificadores, sendo o do QI (Quoeficiente de Inteligência) um dos mais louvados pela sociedade contemporânea. Contudo, como vem sendo desmontado nos últimos anos o QI serve de pouco. Primeiro tivemos toda uma enorme discussão à volta do QE (Quoficiente Emocional), que nada resolveu por se querer limitar a fazer o mesmo que o QI, testando e medindo para o sucesso. Só mais recentemente começámos então a falar de Perseverância (ver: Grit & Character), Curiosidade (ver: Curiosity) e Motivação (ver: Drive & Motivation).

Haggerty cita agora o trabalho dos professores Adele e Allen Gottfried que assenta num estudo longitudinal — Fullerton Longitudinal Study — que seguiu 130 bebés ao longo de 4 décadas, recolhendo informação sobre os pais, professores, testes de QI e de motivação, visitas às casas, estudo de ambiente e hábitos, acesso a transcrições de muito daquilo que rodeou as vidas destes sujeitos, tendo recolhido milhares de evidências em redor dos 107 participantes sobreviventes até à data. A principal descoberta não me surpreendeu, vindo totalmente de encontro ao que referencio acima:
"As crianças que obtiveram maior pontuação em medidas de motivação intrínseca académica numa idade jovem - o que significa que eles gostaram de aprender por si próprios - obtiveram melhores resultados na escola, aceitaram cursos mais desafiadores, e obtiveram graus mais avançados do que os seus pares. Foram mais propensos a tornarem-se líderes e tinham mais autoconfiança sobre o trabalho escolar. Os professores viam-nos a aprender mais e a trabalhar mais. Como adultos jovens, continuaram a procurar desafios e oportunidades de liderança ".
Mas estes miúdos que conseguiram o sucesso nas suas vidas não eram os mais dotados intelectualmente. Só raras excepções dos 20% de miúdos do estudo com IQ acima dos 130, conseguiram surgir no grupo dos mais bem sucedidos, apontando a relevância dos factores motivacionais. A grande questão passa então por tentar compreender como podemos ajudar as nossas crianças a tornarem-se pessoas mais motivadas? E não pessoas mais "inteligentes" (redutor e usado aqui apenas no sentido de conseguir ter boas notas nos testes das escolas). Ora o que os estudos destes colegas apontam, também não é nada de novo:
"Em geral, os pais que incentivaram a inquisição, a independência e o esforço, e que valorizaram a aprendizagem por si mesmos, tiveram filhos com níveis mais altos de motivação e realização intrínseca. Além disso, os efeitos dessas práticas prolongaram-se à medida que as crianças cresciam. "Aquilo que vocês fizerem aos nove anos não só terá um impacto imediato, mas também um impacto de acompanhamento ao longo do tempo" disse Adele (..) recompensas externas como dinheiro ou estatuto tendem a diminuir o gozo de uma atividade por parte das pessoas, mesmo que antes gostassem de a fazer. As crianças para terem sucesso precisam de ser intrinsecamente motivadas - isto é, ver o aprender e o assumir de novos desafios como a própria recompensa. "Ensinar o desejo de aprender", escreveu o Gottfrieds em 2008, "pode ser tão importante quanto o ensino de habilidades académicas"."
Daqui pode passar a ideia de que então em vez de treinarmos com matemática ou português devemos treinar para a motivação, mas isso é o erro que tem impedido o sistema de educativo de se transformar, porque não se pode treinar para motivação, pelo menos em grande parte não é possível formatar essa motivação, já que ela está intimamente conectada com o ser individual de cada criança.

Deste modo, o que é preciso, tanto do lado da escola, e acima de tudo dos pais, é garantir as experiências, é abrir o leque de oportunidades, é mostrar o mundo, e dar pequenos empurrões mantendo iluminada a rede de segurança. É oferecer a oportunidade ao ser humano em potência de se encontrar a si mesmo. Sheri Werner, diretora de uma das escolas Charter americanas, diz então:
"'Há muito o medo de que se permitirmos às crianças aprenderem o que desejam aprender, elas não entrarão na faculdade.' Werner viu a ansiedade dos pais crescer ao longo dos anos, à medida que a concorrência foi subindo nas universidades e no mercado de trabalho. Mas ela acredita que as escolas não fazem favor nenhum quando dissuadem as crianças de explorar os assuntos que naturalmente lhes interessam, obrigando-os à força a estudar Cálculo. 'Que mensagem estamos a passar as crianças? Não é preciso sofrer no trabalho para chegar até ao fim-de-semana. É possível desfrutar do que se faz na vida'."
E é por isso que eu acredito tanto nas escolas profissionais/vocacionais, porque são elas as que podem garantir às crianças encontrar algo que as possa conduzir à sua própria realização, que lhes possa garantir retorno efetivo em termos emotivos para garantir a manutenção da motivação intrínseca. Acreditar que se pode motivar uma criança oferencendo-lhe no final pontuações (de 1 a 5, ou 1 a 20), ou a colocação em tabelas de líderes de turma (pautas de notas) ou crachás de líderes destacados de ano (quadros de honra) não passa de um conjunto de tiros no pé, aos quais muitos pais ainda acrescentam oferendas de fim de ano como consolas, viagens ou carros.

A motivação anda de mão dada com a criatividade. Permitir que a segunda se revele é aumentar o poder motivacional intrínseco de cada um. O problema é que nem todos se vão rever no Lego, porque também nem todos se reveem na matemática, assim como também nem todos se reveem na criação de histórias. O primeiro factor para se encontrar surge pelo brincar, e esse precisa de continuar a ser estimulado pela ação criativa individual.

A questão central é que o ser humano precisa de ser movido a partir de dentro, precisa de um centro interior de energia auto-renovável, e esse só se cria por meio da progressão no caminho para a realização pessoal, que não passa pela conquista externa de marcadores, sejam eles cursos superiores, dinheiro ou outra coisa qualquer.


Ler mais:
Porque fazemos o que fazemos?, 2015 no VI
Cognição e biologia na base do sucesso, 2013, no VI
Drive (2010) de Daniel Pink, 2011, no VI
Mais artigos sobre Motivação no VI
Mais artigos sobre Criatividade no VI

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