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julho 06, 2017

Uma animação sobre a dor e a perda

Dan Stevers concebeu uma ideia para uma pequena animação que falava do sentir da dor da perda, para o que contou com a brilhante performance de Sh'maya e a música de Ryan Taubert que serviriam de mote para convencer Tyler Morgan e Sarah Beth Hulver a investirem quase 2 anos de horas fora de expediente para desenvolver o filme que agora podemos experienciar.



Se a animação nos agarra, a componente sonora é a grande responsável pelo sentimento, como diz Hulver: "I remember putting on my headphones, listening to the audio for the first time, and feeling completely blanketed in emotion. Sh'maya's voice is so soulful, so full of hidden layers. His poetic performance combined with the score by Ryan Taubert completely sold me. We couldn't turn it down."

De certa forma senti o trabalho de animação como ilustração das ideias expressas no texto, uma espécie de fusão entre motion design e visual thinking. O que no meu caso faz perder um pouco o trabalho, já que acabo a fixar-me no modo como dão a ver determinada ideia ou conceito verbalizado pelo texto. Apesar disso, senti bastante o filme, e mais importante, adorei o trabalho dos vários domínios envolvidos.

"Cocoon" (2017) de Dan Stevers

"...Where are You now?
Where is Your touch?
Where is the reason?
The answer?
The end?
Now I’m chasing Your shadow
And I’m grasping for questions
I’m calling out
I’m asking why?..."

maio 19, 2017

Audiodrama animado

Uma curta de animação de estudante, realizada este ano, vem dar conta da capacidade e poder hipnótico da narração oral. Não fosse a ilustração e composição tão boas, e quase podíamos dizer que a componente visual servia apenas de suporte à voz e som, até porque no campo da animação temos apenas os mínimos.




"Winston" (2017) foi o trabalho de graduação de Aram Sarkisian na CalArts. O trabalho ainda não circulou em festivais, mas já recebeu o selo Staff Pick do Vimeo.

"Winston" (2017) de Aram Sarkisian

março 26, 2017

Montagem, literal, de significados

Podia ser apenas mais uma animação a tentar dar vida a uma das telas do grande cânone ocidental da pintura. Podia ser apenas mais uma obra a relevar-se por conta do peso da obra trabalhada, "A Última Ceia" (1498) de Leonardo Da Vinci. Mas, "The Da Vinci Time Code" (2009) é algo diferente, a tela representada serve realmente de atrativo geral, mas o que verdadeiramente conta é a técnica, não per se, mas pelo modo como se torna expressiva.


O criador, Gil Alkabetz (1957), é professor na Filmuniversität Babelsberg Konrad Wolf (Alemanha), mas é antes disso alumni da Bezalel Academy of Art and Design (Israel), uma escola de referência no mundo da animação e que já aqui mencionei várias vezes. O design de som e música são de Alexander Zlamal, parte fundamental na edificação das ideias de Alkabetz para o modo audiovisual. Por fim, o interesse geral em redor da animação advém da potencial descoberta de novas interpretações sobre uma das obras de arte mais ultra-interpretadas da história, sendo a própria sinopse do filme a indicar isso mesmo:
"In the film “The Da Vinci Time Code” one picture is taken apart in order to create an animated film from its fragments. Different parts of this one picture, based on similar forms, allow us to discover secret movements.The people in the picture eat, dance, discuss and argue, until finally all are silenced."
Contudo, o que mais surpreende não é, de todo, o que se descobre, o que de novo se interpreta, mas antes o método que nos abre o acesso a essas novas significações. Alkabetz retalha a "A Última Ceia" em pequenas partes, coloca-as em movimento, e utiliza a técnica de montagem audiovisual para dar a ver novos mundos dentro da grande representação estática pintada. É isto que impressiona, a elevação no uso das diferentes técnicas, sem qualquer objetivo virtuoso, mas apenas em nome da expressividade, criando sentidos novos a partir de movimentos imaginados sobre elementos estáticos. O trabalho realizado assenta numa lógica de repetição e ritmo intenso que iniciando-se como mero atributo estético, imprimindo sensações no espectador, vai aos poucos ganhando forma própria, criando um mundo próprio a ponto de começar a produzir os seus próprios significados. "A Última Ceia" ganha assim uma completa nova dimensão, como que insuflada de nova atmosfera, produzida a partir de simples movimento visual e a adição de um ligeiro substrato sonoro.


"The Da Vinci Time Code", (2009), Gil Alkabetz

fevereiro 11, 2017

Anime: "Erased" (2016)

Tenho seguido muito pouco a anime dos últimos anos, apesar de sempre me ter chamado a atenção pela forma adulta como são tratados os temas, ao contrário da maior parte das séries de animação ocidentais. “Erased” veio muito recomendada pelo seu storytelling, e apresentava a mais valia de trabalhar um dos meus temas preferidos, as viagens no tempo. São 12 episódios de 20m cada, que valem todo o tempo investido.



A narrativa de “Erased” foi desenhada segundo a tradicional estrutura de mistério. A personagem principal entra em choque com uma tragédia sucedida na sua vida, e acaba por sofrer aquilo, que a série designa por efeito de “revival”, que o faz regressar no tempo. Não percebendo porque regressou, iniciam-se as interrogações, com várias camadas narrativas a surgirem, enquanto nós procuramos respostas. Pelo meio, a viagem no tempo perde relevância para se focar completamente nos personagens, e talvez essa tenha sido a aposta mais acertada da série.
"The town where he alone is not there."
A caracterização é conseguida por meio de um leque de dramas que convidam a um cada vez maior aprofundamento de cada personagem. Temos desde relações professor-aluno, a rapto de crianças, maus-tratos familiares, e assassinos em série que dão vida e dinâmica a um enredo que se vai dirigindo para dois grandes motivos: o isolamento social e a amizade. Uma série que poderia ser apenas um entretém, brincar com a narrativa para nos manter grudados no ecrã, mas que é mais do que isso, procura ser mais, tratando problemas contemporâneos, assumindo posicionamentos e questionando-os.


Tudo isto é envolvido por uma belíssima plástica, tanto visual como sonora. Os ambientes são profundamente atmosféricos, o que permite densificar a história. É todo um trabalho de cor, arquitectura e música, que nos transporta para o espaço e nos faz esquecer a nossa realidade. Em termos de animação não temos nada de excepcional, é uma série de televisão, e por isso recorre aos artifícios típicos da anime para poupar frames, mas a ilustração, montagem e música acabam compensando.


Claro que nem tudo é brilhante, mas não podemos esquecer que se trata apenas de uma pequena anime. Para além de nunca se perceber como surge a capacidade de viajar no tempo, o maior problema surge no arco narrativo de Kayo que assume um papel demasiado forte, desequilibrando o desenho narrativo geral, roubando protagonismo ao arco principal de Fujinuma. Assim, terminado o arco de Kayo a série parece esvair-se de propósito para continuar, acabando por passar a ideia de que deveria terminar ali. Contudo, para os espectadores que mantêm o interesse vivo, são recompensados pouco mais à frente, quando tudo se resume, o equilíbrio se repõe, e o todo ganha um sentido não só mais coeso mas também mais intenso. Podemos dizer que a série merecia mais, é verdade, mas se colocarmos a fasquia da exigência no nível correto, saberemos apreciar e aproveitar o melhor que esta tem para nos oferecer.

novembro 16, 2016

"Jornal Animado", em nome da liberdade de expressão

O Canal+ e a produtora Autour de Minuit resolveram criar uma coleção de animações que intitularam, “Dessine toujours”, para homenagear a passagem de um ano sobre o massacre no ”Charlie Hebdo” (7 de Janeiro 2015). O tema comissionado foi a Liberdade de Expressão, e um desses dez filmes, “Journal Animè” (2016), pode agora ser visto online. O criador, Donato Sansone, pegou nos jornais franceses publicados entre 15 de Setembro e 15 de Novembro de 2015, e animou várias notícias e imagens. O resultado é, simultaneamente perturbador e fascinante.





Sansone não se baseia na narratividade, embora crie pequenos arcos e relações entre imagens, acabando o filme por conter alguma progressão conferida pela cronologia das notícias. A força do seu filme está na intensidade das imagens criadas, nomeadamente no modo como ele pega nas imagens aparentemente inocentes, e lhes confere um véu animado interpretativo, como que desvelando as verdadeiras identidades e intenções dos fotografados. É muito mais do que os tradicionais cartoons, porque por via da animação, trabalha de modo frontal a transformação, dando conta da farsa de muito daquilo que é o politicamente correto na nossa sociedade.

"Journal Animè" (2016) de Donato Sansone

novembro 04, 2016

"Piper" (2016)

A nova curta de animação da Pixar usa e abusa da emoção empática, sem necessitar de para isso antropomorfizar excessivamente os seus personagens, bastando o comportamento, os movimentos, sons e expressões para nos converter, nos colocar no lugar de Piper e compreender o que sente, e o que está prestes a descobrir. A Pixar é sobejamente reconhecida, e quando digo Pixar falo da empresa, e não de autores, porque falo do sistema criativo que eles têm montado e que lhes permite espremer ao máximo as nuances expressivas, e assim alavancar em 6 minutos, um leque diverso mas intenso de emoções.




Claro que para isso contribui muito a autonomia que se garante aos criadores, e o tempo reservado à investigação. A partir de um simples teste com escolopacídeos (os pássaros do filme), que Alan Barillaro costuma encontrar no caminho para o trabalho, veio a incitação por parte de John Lasseter e Andrew Stanton para que avançasse para a criação de uma curta. Aceite a indicação, Barillaro passou 3 anos a desenvolver esta mesma curta. Não são 3 meses, o que seria normal numa pequena empresa de VFx, aliás 3 meses passou Barillaro só a investigar as aves no local, a analisar os comportamentos, o modo como as penas se movimentam.

Podemos questionar o tempo dedicado, mas é totalmente compensado, a primeira vez que vi a imagem do pequeno pássaro depois de molhado, foi uma total surpresa, nada ali é cliché, mas antes imensamente detalhado, permitindo uma qualidade que se impregna na curta, elevando-a acima do mero contar de história.


Contudo deve-se dizer que a curta não foi criada apenas para bel-prazer de Barillaro, ou como capricho de Lasseter ou Stanton, muito menos como postal de preparação emocional para “Finding Dori” (2016), com o qual se estreou no cinema. O objetivo de fundo, e que garante o financiamento de algo tão caro, está relacionado com a necessidade da Pixar de desenvolver projetos que avancem a sua tecnologia de computação gráfica, neste caso concreto, os avanços desenvolvidos foram quase todos na área das penas, mas também da espuma da água do mar.


Trailer "Piper" (2016) da Pixar

Para fechar, e voltando ao início, o realismo, quase naturalismo, apresentado pela curta, é algo recente na Pixar, mas é algo que acaba funcionando muito bem. Tanto na exatidão dos comportamentos dos pássaros, na ausência de linguagem restringindo-se aos chilreios, ou na apresentação do ambiente, o mar, com a movimentação da ondas e das conchas submersas, ou ainda os detritos ambiente e as bolhas, como ainda, e aqui interessante por ser cópia de algo artificial que passou a convencionar o real, falo dos movimentos de câmara e montagem, que imitam na perfeição os tradicionais documentários de vida selvagem.


"Piper" (2016) da Pixar [Filme completo em streaming]

outubro 22, 2016

Espreitando pelo orifício da culpa

“Borrowed Time” surge a partir de um esquema interno da Pixar que permite que os seus empregados possam dedicar tempo e recursos da empresa a um projeto mais pessoal, sendo por surpreendente que pareça, a primeira animação a surgir do programa, até agora tinham sido todos curtas de imagem real.




“Borrowed Time” socorre-se do principal ingrediente do sucesso da Pixar, o storytelling. Para além de ter uma premissa muito forte, que assenta sobre a emoção complexa da culpa, trabalha tudo de um modo absolutamente perfeito, como tudo o resto que temos vindo nascer nesta empresa de animação. Os primeiros embates e twists são por demais referenciais a toda a história da empresa, que tem sabido gerir emoções fortes, desde a mãe de Nemo à fundição de Toy Story.

Em termos de inovação temos pela primeira vez o desvio do público infantil para um público maduro, algo que foi claramente assumido como objetivo pelos criadores, e algo que podemos dizer totalmente conseguido.  Comprová-lo estão as dezenas de prémios em festivais, o que também me leva a relembrar que esta colocação online, integral e gratuita, do filme é algo limitado no tempo, por isso é aproveitar para ver agora.

O facto do score estar a cargo de Gustavo Santaolalla eleva todo registo dramático a um nível que contribui intensamente para o esquecimento do formato, de animação, ligando-nos apenas à personagens e ao que estas sentem. Tudo em conjunto desenvolvem uma curta de animação que prefiro definir através das palavras do colega Albertino Gonçalves: "Há algo de cósmico nesta curta-metragem. Abarca o mundo e a vida com um punhado de pormenores." 


"Borrowed Time" (2015) de Andrew Coats e Lou Hamou-Lhadj

Esta curta vem amenizar a espera que ainda temos pela frente para entrar no mundo de “Red Dead Redemption 2”.

outubro 09, 2016

“Somewhere Down The Line” (2014)

Mais uma animação premiada que se pode finalmente ver online na íntegra. “Somewhere Down The Line” foi dirigida por Julian Regnard em 2014, e de entre vários prémios, arrecadou o prémio de Melhor Curta de Animação no 37th Clermont-Ferrand International Short Film Festival em 2015. A obra destaca-se pela qualidade da ilustração e tratamento da história.




Na ilustração temos um trabalho que por vezes roça a textura do óleo, com uma riqueza de camadas e cores que nos agarra o olhar e mantém seduzidos. Por outro lado, a composição de cor ao longo da animação acompanha com grande proximidade o que se vai narrando conferindo uma enorme coesão ao todo.

No campo da história, temos algo já bastante visto, a obra sobre o amadurecimento, ou a passagem pela vida, mas o que funciona muito bem é o modo como o tema é trabalhado em termos de originalidade, recorrendo à estrada e fundamentalmente ao objeto carro, para trabalhar a metaforização das principais ideias.

No campo da animação em si, temos um trabalho algo rígido, mas que acaba por servir imensamente bem os objetivos emocionais da obra. Tendo em conta tratar-se de um trabalho profissional, seria expectável maior detalhe, nomeadamente a animação dos diálogos, embora aqui se possa compreender como opção estética.

“Somewhere Down The Line” (2014) de Julian Regnard

julho 31, 2016

Carlos Paredes a revolucionar em 3D

Um projeto de animação de fim de curso, da famosa escola francesa Supinfocom, apresenta-nos como protagonista, um personagem decalcado de Carlos Paredes. Em lado algum é dito o seu nome, a equipa de animação é francesa, mas a equipa responsável pela música original é constituída quase só por portugueses, ou lusodescentes (Philippe de Sousa, Sousa Santos, Nuno Estevens, Romain Debrie), e a música é cantada em perfeito português europeu, o que facilmente nos conduz ao compositor nacional. Como se não bastasse, o filme desenvolve-se à volta de uma sociedade ditatorial, o que inevitavelmente nos recorda a vida de Paredes e sua luta contra o Estado Novo.




O filme apresenta assim um guitarrista cantor, que por meio da sua arte consegue persuadir o público a revoltar-se contra o estado das coisas, e tão bem o consegue fazer que logo se vê envolvido numa tentativa de rapto para o obrigarem a reproduzir o mesmo efeito a partir das forças opositoras.

Carlos Paredes

A animação é boa, aliás como é apanágio dos alunos da Supinfocom, mas o mais interessante é mesmo a multiculturalidade envolvida, nomeadamente entre franceses e portugueses, e que como se pode ver nesta curta acaba funcionando na ampliação das possibilidades narrativas. Claro que a mim, e a todos os portugueses, diz ainda mais por tratar-se de um artista e herói nacional, e de um período da nossa história que não devemos esquecer.

"Centopeia" (2014) de Clement Rouil, Leonie Després, Bertrand Piot, Yoann Drulhe, Alexis Caillet, Jerôme Regef


Atualização: 31 Jul 2016, 15:47 
Depois de partilhar o texto, o Leonel Morgado disse-me que a música não é original mas é antes uma composição e letra de Luis Goes intitulada "Homem só, meu irmão" do álbum "Canções do Mar e da Vida" (1969).

Isto levanta-me um problema, porque se fazer referência a Carlos Paredes no caso da criação do personagem à sua imagem não me coloca reservas autoriais, embora ficasse bem a referência, no caso da música é diferente, não ficava só bem, como legalmente era obrigatório.

julho 16, 2016

"Hipopotamy" (M/18)

Começo por advertir os mais sensíveis, nomeadamente à violência sexual, para passarem ao lado do filme, embora considere que o seu visionamento possa servir a reflexão sobre o tema. Apesar de criticado e até apupado, o filme acabaria por ganhar dezenas de prémios incluindo o Grande Prémio do Ottawa International Animation Festival 2014.




Hipopotamy” é uma daquelas obras que dificilmente aqui traria dado o modelo de choque usado para trabalhar o tema em questão, mas se o faço é porque não só apresenta uma elevada qualidade formal, mas também porque essa mesma qualidade acaba por nos obrigar a todo um diferente posicionamento face ao tópico e ao que no fundo nos é apresentado.

Ou seja, o filme trata de forma sintética a violação sexual associada ao domínio de espécie, chegando a incluir o infanticídio, posicionando-se a partir da condição biológica. Neste sentido, pela frontalidade e assunção do condicionalismo humano acaba por retumbar num aparente niilismo, e é isso que mais choca. Por outro lado, o modo como o tema é trabalhado em termos visuais, de movimento e musical cria em nós um estado de tão grande atenção e foco, que torna impossível ficar apenas por essa camada da aparência. A força estética da animação obriga-nos a trabalhar, obriga-nos a procurar sentido, a dar significado, impede-nos de nos resignar como aparentemente o filme nos parece pedir, e é aí que acaba por residir talvez o grande segredo da sua força, originalidade, e no fundo acaba tornando o filme numa obra maior.

Para chegar a este ponto contribuem vários fatores, desde logo o realizador, Piotr Dumala, autor da adaptação para animação de “Crime e Castigo” (2000) de Dostoyevsky, que desenvolve todo um cenário e conjunto de ações de tom minimal, no qual explora os temas sem vulgaridade, criando algo mais próximo de um bailado do que de um mero relato. Este bailado acaba sendo fortemente enfatizado por toda a composição musical, operática, de Alexander Balanescu, o mentor do célebre Balanescu Quartet que têm trabalhado com Michael Nyman e Philip Glass.

"Hipopotamy" (2014) de Piotr Dumala

Fecho voltando ao que disse no início, não é uma obra fácil  apesar de toda a sua beleza, mas é uma obra que não nos deixa indiferentes, capaz de mexer com o nosso interior, de nos obrigar a reagir e a rever muito daquilo que somos enquanto frutos da herança biológica mas também cultural e social.

junho 06, 2016

Contar histórias em 360º

Pearl” é uma animação criada por Patrick Osborne para o formato 360º, dotada de belas história, ilustração e animação, capaz de rentabilizar na perfeição a inovação introduzida pela perspetiva 360º, embora não demonstre per se como é que o formato poderá vir a tornar-se um standard no futuro.




Osborne parte da simples premissa de que o 360º, apesar de abrir em todas as direções, congela o eixo do ponto de vista, impossibilitando o seu movimento, e ainda bem. Poder ver em todas as direções é já pesado em termos cognitivos para o espectador, se pudéssemos ainda variar o eixo do ponto de vista, a experiência tornaria-se simplesmente insustentável já que perderíamos a ação desempenhada para suportar o contar de história.

Deste modo a experiência criada acaba funcionando muito bem, exatamente porque o autor soube encontrar um ponto de vista capaz de garantir a variedade de espaço (ver making of), isto porque o ponto se vai movendo, sem qualquer ação da nossa parte, fruto do objeto em que se encontra inserido (o carro). Contudo, por várias vezes damos por nós a tentar virar rapidamente em ambas as direcções para conseguir acompanhar o que estará supostamente a acontecer, e esse acaba por ser o maior problema da abordagem 360º ao contar de histórias.

Apesar destes reparos negativos, esta abordagem tem uma mais valia indubitável que se pode ver emergir aquando de uma segunda ou terceira visualizações, mas a grande questão é se é esse será o objetivo desta, ou outras obras?

"Pearl" (2016) de Patrick Osborne

maio 28, 2016

Animação de nostalgia

Player Two” (2016) é uma animação criada por Zachary Antell como trabalho de fim de curso na Universidade de Syracuse, EUA, que se destaca pela abordagem nostálgico-emocional e ainda pelo bom trabalho de rotoscopia. A demonstrar que com apenas 21 anos é possível criar obras conceptuais e profundamente empáticas.




A ideia de partida é bem definida pelo título, o jogador dois, que serve de metáfora para irmão mais novo, que tudo aprendeu imitando o irmão mais velho, o jogador um. O filme trabalha a relação dos irmãos através dos videojogos, demonstrando como as relações se constroem, intensificam, até que a natural evolução familiar as conduz à quase extinção. Quase, porque restam sempre as experiências vividas, os momentos marcantes nunca alguma vez olvidáveis, as quais as emoções nostálgicas se encarregam de nos relembrar amiúde. Não sendo uma obra que busque o aprofundamento do significado social, é capaz de tocar todos os que passaram por este tipo de experiência.
“I chose the subject matter of video games after a small debate with my parents where I realized they never truly understood how video games affected my life; my introduction to music, to animation, and eventually filmmaking. I wanted to convey the sense of imagination and scope old single player games like Ocarina of Time surrounded children.” Zachary Antell in Short of the Week
No campo da animação, a rotoscopia desenvolvida com base em vídeo e depois trabalhada com texturas de papel e desenho semi-infantilizado contribui intensamente para a produção do sentimento de nostalgia, de memórias difusas, experiências do passado de que nos vamos relembrando indefinididamente, mas com sentimento. Não estamos perante um trabalho de demonstração técnica, mas antes de técnica focada na mensagem, da animação ao serviço da expressão. No caso de se interessarem pela produção de animação vale a pena ver o pequeno making of.

“Player Two” (2016) de Zachary Antell 

maio 10, 2016

“As Aventuras de Huckleberry Finn” (1884)

Li “As Aventuras de Huckleberry Finn” (1884) de Mark Twain numa tradução de Rosaura Eichenberg para a brasileira LPM, e ainda que, e ao contrário das traduções portuguesas, exista um enorme esforço por adaptar a particularidade formal da escrita inglesa de Twain ao português, só se consegue em parte. Huck e Jim funcionam imensamente bem, ao serem transportados para o linguajar do Brasil, para o caso de Jim vem mesmo do sertão, ficando contudo todos os restantes personagens a funcionar como adereços da língua standard. De qualquer modo, o trabalho original do autor merece todo o nosso interesse, dada a sua enorme capacidade para nos envolver, emocionar e fazer sonhar.



Huck e Tom Sawyer fazem parte do meu imaginário de criança como símbolos de liberdade, criatividade, audácia e muito otimismo. O contato foi realizado por via da série de animação “As Aventuras de Tom Sawyer” de 49 episódios da Nippon Animation de 1980, na qual se retrata apenas o primeiro livro de Twain. Desta forma “As Aventuras de Huckleberry Finn” começam onde terminam as “As Aventuras de Tom Sawyer” e leva-nos a novas aventuras, desta vez mais focadas em Huck, ainda que Tom Sawyer volte a aparecer para fazer das suas.

Posso agora dizer que a série refletia plenamente o sentimento de Twain, já que ler "As Aventuras de Huckleberry Finn" funcionou como verdadeira continuação da série, em nenhum momento me senti defraudado quanto ao universo ou personagens, cumprindo plenamente aquilo que ainda restava na minha imaginação, fazendo-me rir e despertando a alegria inocente. Por outro lado, vi de forma mais madura os problemas das relações entre raças no sul dos EUA, e consegui sentir a personagem de Huck como uma das mais bem elaboradas da literatura americana, por toda a enorme profundidade que nos consegue dar através de leves traços comportamentais e questionamentos ingénuos de aparente superficialidade.

“Jim falava alto o tempo todo, enquanto eu tava falando comigo mesmo. Ele tava dizendo que a primeira coisa que ia fazer, quando chegasse num estado livre, era poupar dinheiro sem gastar um centavo e, quando tivesse o bastante, ia comprar a mulher dele, que era propriedade de uma fazenda perto de onde a srta. Watson vivia. Aí os dois iam trabalhar pra comprar os dois filhos, e se o dono não quisesse vender eles iam falar com um abolicionista pra ir roubar as crianças.
Quase gelei quando ouvi essa declaração. Na sua vida de antes, ele nunca ia ter a ousadia de falar desse jeito. É pra ver a diferença que aconteceu nele no minuto que achou que tava quase livre. Tava de acordo com o velho ditado: “Dá a mão prum negro e ele vai pegar o braço”. Pensei, é isso o que dá eu não pensar. Aqui tava aquele negro que eu tinha de certa maneira ajudado a fugir, achegando-se com toda desenvoltura e dizendo que ia roubar os filhos dele – filhos que pertenciam a um homem que eu nem sequer conhecia, um homem que não tinha me feito mal nenhum.”
A primeira edição americana, lançada no ano seguinte à edição inglesa, apresentava ilustrações de E. W. Kemble, com todos os desenhos revistos e aprovados por Mark Twain.

Aliás, em certa medida o reconhecimento da obra de Twain advirá não só da construção formal, da obsessão pelo linguajar das comunidades americanas do Sul, mas também desta sua capacidade para construir na frente dos nossos olhos, personagens e eventos realistas, ao mesmo tempo que líricos e belos. Ler “As Aventuras de Huckleberry Finn” foi, em certa medida, um retornar à minha infância.

abril 10, 2016

Uma fronteira de desigualdade erguida aos Refugiados

Chocado, é como me sinto depois de ver o documentário animação “Do outro lado da linha” de Lukas Schrank. Descobrir que tal “coisa” existe no nosso planeta em pleno século XXI, criada e mantida por um país pertencente ao G20, que se diz democrata e defensor da liberdade, foi uma lambada. Por outro lado, se isto é possível, imagine-se tudo aquilo que se estará a passar por essa Europa fora na receção aos refugiados sírios, aliás pense-se no recente acordo Europa-Turquia, e pouco se diferenciará do que aqui podemos ver.





As vozes “Do outro lado da linha” vêm da Ilha de Manus, um ponto remoto no Pacífico Sul, para onde a Austrália atira os refugiados que interceta no mar, impedindo-os de chegar ao país. A estes nenhuma alternativa é dada, seja voltar ao seu país de origem, entrar na Austrália, ou mesmo entrar em Papua Nova Guiné. Estão ali, tal como estiveram os judeus em campos europeus, sem propósito, sem esperança, à espera da morte. “Do outro lado da linha” relata a partir do interior do Centro de Detenção Manus Island, em discurso direto pelas vozes de dois homens que aí se encontram detidos.

Mas se me sinto chocado, surpreso, é talvez por pura ingenuidade. Que podemos esperar de governos que produzem massivamente armas para vender a outros países, promovendo assim abertamente as guerras intermináveis? Que devemos esperar de governos que promovem os offshores e países fiscais, nada fazendo ao longo de décadas e décadas de destruição das suas próprias sociedades?

Basta olhar o exemplo de Portugal e ver quem paga IRS por cá, para se poder compreender o mundo em que vivemos. Bernie Sanders dizia numa entrevista recente, “we are all in this together”, mas parece que são muito poucos os que assim pensam. Podemos continuar a assobiar para o lado, dizer que não é fruto do neoliberalismo que é apenas o mundo em que sempre vivemos, mas quando resolvermos acordar talvez seja já demasiado tarde...

"Do Outro Lado da Linha" (2015) de Lukas Schrank

Quanto ao trabalho de Schrank, é absolutamente delicioso, tendo-me feito recordar bastante o não menos brilhante “Waltz with Bashir” (2008) de Ari Folman. O trabalho de mescla entre 2d e 3d contribui para a enfatização dramática do filme, conseguindo dar corpo a dois relatos simples, que se erguem e nos transportam para toda uma outra dimensão. A escolha da animação e tom gráfico, diz-nos Schrank, provém da sua reação ao facto da Austrália ter produzido uma banda desenhada com esta abordagem gráfica e distribuído a mesma no Afeganistão para dissuadir os potenciais requerentes de asilo!

março 17, 2016

Mais algumas delícias do Jardim Terreno

No âmbito de um curso de especialização em Video Design and Mapping leccionado pelo IED - Istituto Europeo di Design em Florença, Victor Valobonsi criou o teledisco "Submission of Thought" (2016) para o duo Drumcell & Luis Flores. O filme não é mais do que um trabalho de motion design sem grande complexidade, mas ganha encanto pela obra de fundo utilizada como tema, "O Jardim das Delícias Terrenas" (1504) de Hieronymus Bosch.

Detalhe da tela, apresentado como plano geral do filme "Submission of Thought

Abas exteriores do tríptico, quando fechado, que representarão "A Criação do Mundo".

A cada novo trabalho que se realiza sobre as telas de Bosch sente-se como se novas obras do autor nos surgissem na frente. Isto deve-se ao facto de cada uma das telas conter um tal nível de detalhe que qualquer observação geral fica muito aquém da apreensão do todo nelas contido. Neste pequeno vídeo, que me surpreendeu mais pela qualidade do recorte e tratamento do mesmo do que do movimento, sente-se exatamente isso, uma espécie de sensação de novo, como se apesar de já ter olhado para este quadro dezenas de vezes, de o ter até visto ao vivo, tudo o que me surge parece ser algo que nunca tinha visto. Na verdade, ver vi, até porque o contexto do traço e cor rapidamente me situou em termos de autor e obra, mas o conteúdo em si, a sua expressão concreta, não me recordo propriamente de ter visto, ou pelo menos não restaram na minha memória quaisquer registos.

"Submission of Thought" (2016) de Victor Valobonsi 

março 05, 2016

Contemplando na visceralidade

Uma curta de animação brilhante estreada no Sundance 2015 chega agora à rede pelas mãos da Vice, e vale todos os minutos. "Teeth" apresenta-nos uma pessoa obcecada com os seus dentes, levando-nos numa jornada ao longo da sua vida e dos momentos de perda de cada um dos seus dentes. Apesar deste sentido linear, classicista, existe algo de surreal na motivação e conclusão da curta, que levanta um pouco do véu sobre as nossas próprias obsessões e perdas irreparáveis.





O filme apresenta enormes qualidades no campo da ilustração, com uma arte a garantir intensa sobriedade, e maturidade, ao relato, ao mesmo tempo que lhe atribui camadas de crueza e naturalidade que criam em nós um certo mal-estar conduzindo o filme do dramático ao visceral. Isto vai de encontro ao que a dupla de realizadores, Daniel Gray e Tom Brown, que formam a Holbrooks estabeleceram como missão para a sua produtora:
"Holbrooks creates beautiful things, but never for the sake of beauty alone. Behind every frame we produce, there is thoughtfulness, integrity and value. Holbrooks paints from a broad spectrum of hues -- from the lurid to the luminescent, -- always with the goal of building narrative richness. We seek to inspire viewers’ continued thought and conversation than to provide tidy endings to our stories. We love working in the short form; where economy is essential, one must be ruthlessly compelling to make an impact with lasting resonance. In every form and duration, Holbrooks seeks to engage with the power of honesty and sensitivity."
Mas se a arte visual é soberba, toda a enfatização criada na faixa sonora incrementa terrivelmente o seu valor, desde logo com a belíssima narração do ator Richard E. Grant, mas acima de tudo pelo fantástico trabalho de foley da Antfood. Porque mais do que aquilo que se diz, conta aqui o como se diz, e toda a curta é em si mesmo um exercício estilístico de construção de uma experiência estética que nos obriga a parar, contemplar e refletir.

"Teeth" (2015) de Daniel Gray e Tom Brown
Sinopse: "Things of worth are often neglected in favour of that which might be more immediately gratifying. Unfortunately, the things that are neglected are often lost forever, irreplaceable. This is the story of a man with a misguided and intense focus – one which started in his youth and carried on to old age. His life events are chronicled through the loss of his teeth – and how his obsessive efforts to amend what was damaged bring on yet further destruction."