Blaise Pascal (1623 — 1662)
Sobre a primeira parte, senti um Pascal reflexivo, em busca de respostas, com muitas dúvidas e vontade aprofundar o que lhe ia na alma. Contudo na segunda parte é como se Pascal desistisse dessa senda, abraçasse a religião cristã, e deixasse simplesmente de pensar, para seguir apenas e só o que a religião tinha para lhe oferecer. Se a primeira parte consegue ser instigante, a segunda é desoladora, principalmente se tivermos em conta que Pascal foi uma das mentes mais brilhantes que já passou por este planeta. Contudo, como venho verificando no estudo de vários destes homens do renascimento, apesar de terem tocado em muitas áreas, dificilmente as dominaram, o que deita um pouco por terra o mito dos polímatas renascentistas. Pascal foi um grande matemático, mas nem por isso um grande filósofo, e os ataques caricatos que faz a Montaigne são disso a maior prova.
Em certos momentos quase consigo compreender o desespero de Pascal, pegando no infinito que a matemática nos oferece para tentar explicar o infinito que só Deus poderia criar. Ou seja, a nossa incapacidade para compreender e abarcar a matemática em toda a sua extensão reduz-nos a algo insignificante. Mas é por isso que não devemos submeter o nosso pensamento a uma ciência única. A matemática é uma das mais importantes ciências alguma vez criadas pelo ser-humano, mas não pode responder a todos os nossos dilemas. Por outro lado, não posso deixar de condenar veemente a atitude discriminatória e autoritária de Pascal ao longo de toda a segunda parte, procurando impor as ideias da religião cristã como as únicas capazes, ao que sem pejo junta o medo como figura persuasora. Deixo como resposta a Pascal, um excerto de Bertrand Russell:
"Devemo-nos manter de pé com os nossos próprios meios e olhar francamente para o mundo — ver os seus aspectos bons, seus aspectos maus, suas belezas e suas fealdades; olhar para o mundo tal qual ele é, sem pavor. Conquistar o mundo pela inteligência e não nos deixarmos subjugar como escravos do terror. Todo o conceito de Deus é tirado do velho despotismo oriental. É uma concepção absolutamente indigna de homens livres. Quando sei de pessoas que se curvam nas igrejas confessando-se miseráveis pecadoras, e tudo o mais, tenho isso como desprezível, incompatível com o respeito que devemos a nós próprios. Devemos, ao contrário, olhar o mundo francamente e no seu rosto. Devemos melhorar este mundo e, se ele não é tão bom quanto desejávamos, que ele seja melhor do que o construído no passado pelos outros. Um mundo à nossa medida exige saber, bondade e coragem; não exige uma intensa nostalgia do passado, nem o acorrentar da livre inteligência aos entraves impostos pelas fórmulas que os antigos ignorantes inventaram. O que uma perspectiva do futuro desligada do terror exige é uma visão clara das realidades. O que exige a esperança no futuro não é o refluxo constante a um passado morto, que, estamos certos, será em muito ultrapassado pelo futuro que a nossa inteligência é capaz de criar."Sabendo que "Pensamentos" versaria tanto, e desta forma desenfreada, sobre a defesa da religião cristã, não o teria lido. No entanto o que me fez chegar a esta obra foi o seu surgimento em várias listas de grandes obras de não-ficção. Quase no final encontrei um texto de TS Elliot defendendo todo o pensamento e filosofia de Pascal, surpreendido fui depois descobrir que Elliot era ele próprio um acérrimo defensor da doutrina cristã, o que responde às razões porque o livro surge amiúde em algumas listas. Deixo, ainda assim, alguns excertos da primeira parte que me tocaram de algum modo, com a referência ao número da edição de Brunschvicg:
Bertrand Russell, (1927). Por que não sou cristão. Retirado de Critica na Rede. Podem ainda ouvir as respostas de Russel já na velhice, em vídeo.
"Quando penso na pequena duração da minha vida. Absorvida na eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na imensidade dos espaços que ignora, aterro-me e me assombro de ver-me aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não alhures, agora e não em outro qualquer momento. Quem me colocou nessas condições? Por onde e obra e necessidade de quem me foram designados esse lugar e esse momento? A lembrança de hospede de um dia que passa." (B.67)
"Por que são limitados meus conhecimentos, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a natureza a fazer-me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a nada?" (B.49)
"A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o que fazemos é enganar-nos e iludir-nos mutuamente. Ninguém fala de nós na nossa presença como na nossa ausência. A união que existe entre os homens é fundada sobre este mútuo embuste; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o seu amigo diz dele quando não está presente, ainda que ele fale então sinceramente e sem paixão. O homem é apenas disfarce, engano e hipocrisia em si mesmo e para com os outros." (B.100)
“Imagine-se um certo número de homens presos e todos condenados à morte, sendo todos os dias uns degolados à vista de outros, os que ficam vêem a sua própria condição na dos seus semelhantes, e, olhando-se uns aos outros com dor e sem esperança, esperam a sua vez. É a imagem da condição dos homens.” (B.199)
“Tédio. — Nada é mais insuportável para o homem do que estar em pleno repouso, sem paixões, sem afazeres, sem divertimento, sem aplicação. Ele sente então todo o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Imediatamente nascerão do fundo da sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a mágoa, o despeito, o desespero.” (B.131)
“O único bem dos homens consiste, pois, em divertir o pensamento de sua condição, ou por uma ocupação que dele os desvie, ou por alguma paixão agradável e nova que os ocupe, ou pelo jogo, a caça, algum espetáculo atraente e finalmente por aquilo a que se chama divertimento.
Daí vem que o jogo e o entretenimento com mulheres, a guerra, os grandes empregos sejam tão procurados. Não é que neles haja realmente felicidade, nem que imaginemos que a verdadeira beatitude consista em se ter o dinheiro que se pode ganhar no jogo, ou na lebre que se persegue; não se quereria nada disso se fosse dado de mão beijada. [...] Razão pela qual se gosta mais da caçada do que da presa.
Daí resulta que os homens gostem tanto do barulho e do reboliço; daí resulta que a
prisão seja um suplício tão horrível; daí resulta que o prazer da solidão seja uma coisa incompreensível E, finalmente, que o maior motivo de felicidade da condição dos reis consista em procurar diverti-los sem cessar e proporcionar-lhes todas as variedades de prazeres. ” (B.139)
"O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí que é preciso nos elevarmos, e não do espaço e da duração, que não podemos preencher. Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o princípio da moral. (B.347)
"Não é no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento. Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga como um ponto; pelo pensamento, eu o abarco". (B.348)
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