“La casa de Bernarda Alba” não fala de Lorca, nem lhe serviu de manifesto político, ainda que adquira um tom panfletário contra o conservadorismo da Espanha rural e profunda, pondo a nu a posição da mulher na sociedade, nomeadamente o cinto de regras que a condicionava e domesticava, e que colocava as aparências acima do sentimento. A história contada é bastante simples e curta, e em parte adaptada de um caso real conhecido de Lorca: uma mãe viúva controla cinco filhas em idades casadouras, impondo o celibato e a hierarquia familiar com mão de ferro. É uma história que traz pouco de novo à paisagem narrativa do século XXI, onde histórias destas pululam por todo o lado. No entanto, se lida dentro do contexto histórico próprio ganha todo um conjunto de outras dimensões que dão força ao texto, ainda assim se o texto merece continuar a ser lido, é menos pela sua história e mais pelo seu estilo.
A primeira impressão do texto surge ao fim de poucas páginas e é bastante forte, com as personagens a edificarem-se do papel e a criarem a sensação de que quase lhes conseguimos tocar. Isto acontece pela força dos diálogos e do ritmo, que são absolutamente perfeitos. À medida que vamos lendo, vamos compreendendo e sentindo as diferentes personagens pelo simples modo como falam, por outro lado o ritmo imprimido pela troca de falas, muito curtas, entre as personagens é de tal ordem que nos transporta para o interior da cena, fazendo esquecer que de uma cena se trata. Lorca parece não dar conta do espaço nem do visual, contudo basta-lhe o que cada personagem diz para nos fazer ver os lugares, os costumes, os gestos e os trejeitos. É drama puro, é a capacidade de encenar realidade e dá-la a sentir encarnando-a nos agentes de cena.
"Mujer 1: Los pobres sienten también sus penas.
Bernarda: Pero las olvidan delante de un plato de garbanzos.
Muchacha 1: (Con timidez) Comer es necesario para vivir.
Bernarda: A tu edad no se habla delante de las personas mayores.
Mujer 1: Niña, cállate.
Bernarda: No he dejado que nadie me dé lecciones. Sentarse. (Se sientan. Pausa)
(Fuerte) Magdalena, no llores. Si quieres llorar te metes debajo de la cama. ¿Me has
oído?"
Todo o texto é uma tensão contínua e progressiva, seguindo as melhores lógicas da tragédia grega na busca por uma catarse plena, com a particularidade estilística de se conseguir pela vivacidade, fluidez e naturalismo dos diálogos. A crítica fala de uma "poetización del lenguaje cotidiano”, e isso pode ver-se no modo como sentimos emergir do texto o intelectual e o popular num conflito constante. É impossível ficar indiferente à sua leitura que recomendo em espanhol para poder sentir o drama mais de perto, ainda que claramente eu precise de o experimentar um dia num palco.
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