novembro 27, 2016

Skyrim, agência colossal

Demorei 5 anos a chegar a Skyrim, sobrevivi a toda uma onda de fundo que não só vangloriou o jogo como desenhou e construiu para o mesmo centenas de MOD que mantiveram Skyrim plena de vida, muito para além do seu tempo. Para um jogo com 5 anos, continua perfeitamente atual, tanto no aspeto (mais ainda agora na nova versão remasterizada) como no design, tendo em conta o modelo de RPG da Bethesda. Contudo, não me comoveu particularmente, pelas mesmas razões que “Dragon Age” também não o fez, e que são as premissas narrativas, baseadas em simples mundos de fantasia.





Em "The Elder Scrolls V: Skyrim" somos um mortal detentor de uma alma que está de algum modo conetada às almas dos dragões e que por essa via nos garante determinados poderes. A trama principal assenta no retorno do dragão Alduin, o Comedor de Mundos, cabendo-nos a nós trabalhar para ganhar experiência, procurá-lo e eliminá-lo. Todo o nosso trajeto é feito praticamente sozinho, e mesmo quando passamos a ser reconhecidos como Dragonborn, raramente o jogo se dá ao trabalho de criar relações com outros personagens. Skyrim é completamente orientado ao enredo, secundarizando as personagens, tanto na sua caracterização como dramatização.

Por outro lado, Skyrim apresenta uma das experiências de jogo mais abertas que encontrei até hoje. É possível fazer praticamente tudo, tomar quase todas as decisões, ir a quase todo o lado no mundo, interagir com praticamente tudo. Diria mesmo que em termos de interatividade e agência, Skyrim é colossal. Não existem caminhos lineares. Quando seguimos caminho pelos prados, montanhas, dungeons e túneis, existem sempre espaços alternativos que podemos investigar, que nos levam a quests alternativas que de algum modo se ligam sempre às que estamos a realizar, e mesmo quando não levam a lado nenhum, apenas mais um cofre com meia-dúzia de itens à espera de loot, acabam contribuindo para dar forma à nossa agência. Do mesmo modo, quando numa quest se espera que ajamos de determinada forma, ou que se obtenha determinado item de alguém, os diálogos são suficientemente abertos para se agir contra o propósito original da quest, contribuindo para a criação de uma aura de total liberdade no mundo de jogo.

De certa forma, é desta obsessão da Bethesda por criar o mundo mais aberto possível que emergem muitos dos problemas que lhe são apontados, e que resumo aqui como maior problema, a secundarização dos personagens. Ou seja, não falta escrita, nem esta é fraca, o que acontece é que o jogo é tão aberto que obriga a que a escrita dos personagens e sua ações, sejam elas próprias mais abertas, mais flexíveis, e consequentemente, menos dramáticas. Se a causalidade de cada ação no mundo pode ser atribuída a diferentes variáveis, que por sua vez ainda se subdivide em cadeias de subvariáveis, é natural que os conflitos narrativos percam força. Ou seja, os problemas apontados ao grafismo pouco evoluído — nomeadamente os personagens rígidos, tipo madeira — não são o cerne da questão.

Basta comparar com "The Witcher 3: Wild Hunt" para percebermos que são experiências completamente distintas. Apesar do mundo aberto, a trama principal funciona como funil que nos vai conduzindo dramaticamente pelo mundo, e à medida que nos vamos ligando aos personagens, vamos comprometendo muita da flexibilidade da nossa agência. Esta é uma discussão antiga que vem dos tempos de "Grand Theft Auto III" (2001) e "The Sims" (2000), quando se pensava que o melhor dos mundos estaria na sua junção. Hoje, percebemos que são modelos de jogo muito distintos, que apelam a diferentes tipos de jogadores. Se uma parte gosta de experimentar o mundo e moldá-lo à sua maneira, uma outra parte está muito mais interessada em participar no tomar de decisões sobre o modo como a trama se desenrola. Claro que "Skyrim" podia dar toda a liberdade nas quests secundárias e criar uma main quest mais focada, menos livre, mas isso desvirtuaria o seu conceito central de design.


No final, se sentimos que as quests são desprovidas de vida — são apenas ir de X a Y, falar com A e B, obter Z e W, e voltar a X — é porque não compreendemos o tipo de jogo que estávamos a jogar. Skyrim é muito mais jogo do que narrativa. A história e sua linearização é pano de fundo, o que verdadeiramente conta e produz emocionalidade no jogo acontece quando tomamos o mesmo nas nossas mãos, fazemos valer toda a nossa agência, e jogamos contra o que nos é pedido. É nesses momentos que sentimos Skyrim, porque é nesses momentos que se dá o não expectável, em que a história emerge imprevisível e agarra as nossas emoções. A maior prova que podemos ter disto mesmo, acontece quando chegamos ao final e liquidamos Alduin, e percebemos o quão pouco relevante era toda a quest principal.

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