novembro 30, 2020

"Hiroshima" de John Hersey

Ao chegar a Hiroshima, em Maio de 1946, o jornalista John Hersey deparou-se com um cenário que já tinha sido amplamente noticiado, a destruição maciça da paisagem urbana, causada pelo lançamento da primeira bomba nuclear sobre uma cidade habitada, a 6 de agosto de 1945. A sua abordagem seria diferente de qualquer outra reportagem feita até então, sobre este ou qualquer outro caso. Hersey entrevistaria múltiplas pessoas, escolheria aprofundar a vida de seis delas, com o que enceteria a escrita da primeira novela documental. Assim, "Hiroshima" lê-se como um drama literário, reportando factos, eventos e notícias como se de uma novela se tratasse.

Em temos sensoriais, "Hiroshima" fica bastante atrás de "Vozes de Chernobyl", contudo o contexto que suporta a descrição é muito mais violento, tornando a sua leitura muito mais dramática. Hersey escreveu nos anos 1940, uma época em que os media eram bastante contidos em termos gráficos, não descreve os horrores que lhe contaram nem que viu, dá indícios, apresenta alguns laivos, mas um pouco à distância. No entanto, o impacto do que escreveu, à data foi enorme. Para nós, hoje, o pouco que diz ganha uma dimensão abrasadora pelo contexto, ou seja, o primeiro lugar densamente habitado a sofrer uma detonação nuclear de forma premeditada e no desconhecimento de todos os que lá viviam. Os relatos da tentativa de adivinhar que tipo de bomba teria sido lançada impressionam fortemente porque nada é pior do que o desconhecido. O cabelo cai, a pele cai, os órgãos deixam de conseguir reproduzir, mas se não soubermos porquê o terror aumenta.

Antes e depois da detonação da bomba baseada em urânio que produziu um impacto equivalente a 15 mil toneladas de TNT, tendo morto imediatamente cerca de 90 mil pessoas, e nos meses subsequentes mais cerca de 50 mil.
3 anos após a detonação, em 1948, as crianças ainda usavam máscara em Hiroshima para alegadamente se protegerem da radiação.

Ou seja, o registo apesar de leve oferece-nos uma "fotografia" bastante aproximada da vida naquele lugar nos dias imediatamente a seguir à explosão e é insubstituível. Aliás, não é por acaso que as obras de Svetlana Alexievich são tão relevantes, as vozes de quem passa pelas tragédias conseguem aportar uma dimensão humana que é impossível de transmitir por meio de terceiros ou mesmo de registos audiovisuais.

Este número da New Yorker foi publicado com um texto único, este de John Hersey

Esta reportagem, que a New Yorker continua a manter completa e acessível online, foi ainda importante, porque naquela altura tanto o governo americano como o japonês procuraram ocultar o que tinha verdadeiramente acontecido em Hiroshima e Nagasaki. Para saber mais sobre este livro, a sua origem e a sua publicação pela New Yorker, aconselho a leitura do texto “Hiroshima”: a reportagem do horror é a reportagem do século" publicada no Expresso de 31 de agosto de 2016.

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