março 21, 2011

A Educação em "Waiting for Superman" (2010)

Waiting for Superman (2010) é um documentário que fez correr muita tinta nos EUA ainda antes de ser lançado, um documentário que pretendia apresentar um raio X de todos os males do ensino público americano. Tinha a vantagem de vir com o selo de Davis Guggenheim, o realizador de outro importante documentário An Inconvenient Truth (2006). É importante para nós porque a realidade da escola pública americana, não está muito longe da escola pública europeia. Deste modo falarei aqui mais do conteúdo do documentário do que propriamente da obra fílmica como é meu hábito fazer.

Acaba por ser um documentário que assume um posicionamento ideológico à partida e com isso acaba por apresentar algum viés nas suas generalizações, aliás diga-se que um pouco em linha com o que fez em Inconvenient. Nomeadamente quando sustenta a sua tese final sobre a culpa de todos os males da educação formal residir nos sindicatos. Não sendo liberal, mas também não sendo conservador, nem defensor de ideologias de igualitarismo, não posso deixar de expressar que esta tese é demasiado frágil para sustentar todo um documentário que se quer reflexivo. Trata-se de um documentário que aborda um dos assuntos que mais preocupa à sociedade, nomeadamente a quem tem filhos em idade escolar. Toca em áreas tão ou mais sensíveis que o clima, porque o futuro dos nossos filhos depende em muito, talvez demasiado, da sorte que tiverem na escola e dos professores que lhes calharem ao longo da vida.

E é por isso que o que se pedia aqui era que o documentário fosse capaz de ir tão longe quanto possível e apresentasse as várias dimensões do problema, não se subjugando a nenhuma ideologia, ou poder vigente. Ao contrário do que podemos ver no belíssimo Inside Job (2010) em que as conclusões devem ser retiradas pelo espetadores, aqui a tese é estruturada, montada e dada a comer, mas sabe a pouco.

Tenho tido sempre muitas reservas em relação aos sindicatos corporativos como são os dos professores, dos médicos, advogados, etc. Porque na maior parte do tempo não estão a defender a sociedade, mas apenas e só a defender um grupo contra tudo o resto, e com o isso discordo cabalmente. Não gosto de ideias como "direitos adquiridos", ou como "todos somos iguais". Se o mundo muda, as pessoas mudam, então as leis e os direitos também têm de mudar. Se temos todos gostos diferentes e consequentemente empenhos diferentes, não podemos ser todos tabelados da mesma forma correndo o risco de que quem mais se empenhava, se empenhe menos para ficar ao nível dos outros.

Agora não podemos é olhar para a complexidade que é o ensino formal e dizer que este não funciona porque os sindicatos não permitem que funcione, dando como exemplo o facto de os sindicatos protegerem igualmente os bons e os maus. Claramente que isto tem custos para o ensino, mas não podem de maneira nenhuma ser apontados como a única, ou mesmo a maior causa dos problemas. Ensinar é uma arte, e nem todos seremos artistas, mas um assunto que diz respeito a um conjunto tão vasto de variáveis, que vão desde: o professor, ao diretor de turma, à escola, ao aluno, ao pai, à mãe, ao conjunto de alunos e conjunto de pais, à câmara municipal, e até mesmo aos empregadores da zona de localização da escola - não pode ser de repente compactado, simplificado e personificado na pessoa única de um professor. Dizer-se coisas como as ditas abaixo, não é apenas atirar areia para os olhos, é prestar-se à destruição do que se tem.
"I believe that that mindset has to be completely flipped on its head [professores], and unless you can show that you're bringing positive results for kids, then you cannot have the privilege of teaching in our schools and teaching our children." Michelle Rhee, Directora das Escolas Públicas do Distrito de Columbia, EUA
Digo atirar areia, porque numa primeira análise parece correto o que Rhee diz sobre os professores, quando comparados com alguém que trabalha numa fábrica, seja operário, engenheiro ou gestor. O problema coloca-se quando se colocam as variáveis a trabalhar em cima da mesa, e verificamos que aquilo que é pedido a um professor, não é de forma alguma passível de ser colocado na mesma balança daquilo que é pedido a um engenheiro de software por exemplo. Isto porque o objeto de trabalho do professor, que é o aluno, não é um standard, não tem regras fixas. Eu não programo a mente de um aluno com o recurso a uma linguagem formatada, posso tentar mas o grau de sucesso que obterei se seguir essa via padronizada, sem ter em conta as especificidades do ser humano que se encontra na minha frente, corre um grave risco de ser muito baixo.

As más escolas dos rankings são descritas no documentário como Fábricas de Desistentes

Perceber o que está em causa quando falamos de objetos de trabalho - um ser humano face a uma aplicação informática, ou uma máquina, ou um lote de terra - apesar de parecer evidente as diferenças, não é fácil compreende-las. Isto porque apesar das diferenças existentes temos direito a expectativas e quando compramos um computador novo ou um carro novo esperamos que ele funcione a 100%, que o computador não crash no dia seguinte ou que o carro não me deixe a pé na auto-estrada. Por isso é natural que um pai ou uma mãe quando coloca um filho numa escola tenha também as suas expectativas, e que essas passem por ver o seu filho tirar boas notas, e vê-lo progredir ao longo da escola. Isto quer dizer que à partida um professor deveria ser capaz de pegar num aluno e meter dentro da cabeça dele os conhecimentos necessários para ele chegar ao exame e tirar 20, os tais 100%. Mas todos sabem o quão diferente da realidade isto é, e quantas nuances existem no caminho de um aluno para ele atingir esses resultados.

Apesar de tudo isso algumas pessoas como Geoffrey Canada aparecem no filme a enaltecer modelos de escola capazes de resolver todos os problemas, umas espécies de balas mágicas. Mas a triste realidade é que as escolas especiais como a KIPP ou as Charter - as escolas que Malcolm Gladwell também refere como os modelos a seguir, nas quais os miúdos trabalham das 7 às 19h, trabalham ao Sábado, e as férias grandes de Verão não existem - não têm melhores resultados que os outros. Isso é demonstrado pelos estudos feitos entretanto e que se podem ver no gráfico abaixo.

Para podermos ter uma noção do quão escorregadio é o terreno da educação vejamos um pequeno filme que nos fala da normal evolução tecnológica que acontece no nosso dia-à-dia e pense-se sobre as implicações de tudo isso sobre os métodos que os nossos professores apreenderam durante anos na Universidade para ensinar os nossos filhos. Claramente que os seus métodos precisam de evoluir, e evoluem, mudaram muito, mas não chega, e o problema é até saber se mudar será melhor ou pior. Ou seja as interrogações e indefinições são muitas e de difícil resposta.


Pay Attention (2007) filme da Jordan School District

Para fechar este comentário ao filme Waiting for Superman, tenho de dizer que esta não é uma perspetiva crítica apenas minha, são várias as que se podem encontrar online a favor e contra, claro está. Opto por transcrever para aqui a crítica de Cornel West professor da Universidade de Princeton, reconhecido como um dos pensadores mais influentes da América, muito pelo seu espírito provocativo, como ele próprio refere no seu site. Alguém que ainda ontem e a respeito da crise no Japão e nos países do norte de África escrevia no seu Facebook - "What a wonderful time to be alive!".
"I have great love and respect for brother Geoffrey Canada. But I had a deep critique of the film, in which he was central. Waiting for Superman scapegoat’s teachers’ unions. Yet those countries with the best education systems in the world, like Finland, have over 90% of their teachers unionized, and their students take few, if any standardized tests.

In Finland there are 2 teachers in classrooms of 14. Teachers receive the salaries of many of our businesspeople. 15% of their college graduates teach in schools rather than make their way to Wall Street to be millionaires. They reflect a fundamentally different set of priorities in America. And if we don’t adapt to those priorities, we will cont to scapegoat, demonize & thereby undercut the morale of our teachers."

2 comentários:

  1. Realmente esta é uma questão importante e que nos toca a todos. Ainda mais da forma como Zagalo a coloca. Pessoalmente, lembro que quando tomei a decisão de seguir a carreira do magistério e depois a de pesquisador, digo "decidi" porque foi uma decisão pessoal minha, em oposição ao desejo de minha família que queria que eu seguisse os negócios dela, não tinha presente em minha mente o quão complexa ela poderia vir a ser e quantas "variáveis" (termo muito estranho para ser usardo aqui)ela poderia contar.
    Trabalhamos com games, design e tecnologia - com cultura, digital em muitos sentidos e vejo sempre pouca discussão verdadeira sobre o assunto. Encontrava mais pensamentos verdadeiros e sinceros nos tempos de formação quando via Dilthey, Dewey, Bloom, Sutherland, Freud, Piaget, Vigotsky e outros.
    Eu irei pensar muito nas ponderações colocadas pelo colega nas próximas semanas, tenho certeza, pois a questão
    é corrosiva.
    Obrigado e abraços
    Luís Carlos Petry, PUCSP-Brasil
    petry@pucsp.br

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  2. Muito interessante a discussão proposta por Zagalo, em especial no que tange a "normatização" ou ainda uma "padronização" do objeto do ensino, no caso os alunos.

    Faz pensar, do ponto de vista tecnológico, quais as possibilidades que se abrem. Trazendo para nosso universo dos games, lidamos com a capacidade do usuário de ter a sua própria experiência e, com ela, obter seu aprendizado.

    Estaríamos reduzindo essa possibilidade de aprender ao criarmos um roteiro pré-determinado para o jogo, em que esperamos certas reações do jogador?

    Ou a existência de uma estrutura mais rígida não afeta o possível aprendizado, visto que a percepção de cada jogador seria única?

    Ficam os questionamentos.

    Já sobre os professores, elemento forte e decisivo nessa equação, o processo apresentado no filme sobre os sindicatos nos EUA e na Europa refletem em grande parte o que acontece por aqui no Brasil também. Porém, como bem coloca Zagalo, é impossível considerar os sindicatos como os únicos responsáveis pela falta de qualidade no ensino. Há muitas outras variáveis nesse sistema.

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