março 16, 2011

Digital Body (2011) para iPad

Já aqui falei do João Martinho Moura em outros momentos - YMYI, Smuggi, Balleteatro. Para quem acompanha este blog ou os trabalhos do Mestrado em Tecnologia e Arte Digital da UM (MTAD) não é de todo uma novidade o seu trabalho no campo da arte digital. No entanto desde que o conheço que ando para lhe fazer uma entrevista aqui para o blog mas acabamos sempre por não arranjar tempo. Entretanto este ano tive o prazer de contar com o João como colega de docência no MTAD o que foi mais uma boa experiência partilhada.

Assim esta entrevista acontece motivada pelo lançamento do seu livro, Digital Body (2011), um livro desenhado exclusivamente para iPad que conta com cerca de 80 páginas com imagens e vídeos de exibições. Contém ainda três zonas interactivas que podem ser exploradas com o movimentar dos dedos no ecrã. É um livro através do qual podem ficar a conhecer o melhor do trabalho do João Martinho Moura dos últimos 5 anos.


1 - O que pensas da tua condição de conseguir produzir trabalhos de grande complexidade tecnológica e simultaneamente estética? Que formação formação formal fizeste e porquê?
Pertenço ao conjunto de alunos, que na fase de entrada para o ensino superior teve dúvidas entre as artes e as ciências. Optei pelas ciências, segui a área das ciências da computação e dos sistemas de informação, na Universidade do Minho. Este caminho cimentou os meus conhecimentos técnicos na área do software e da programação, principalmente na computação gráfica, à qual dediquei sempre parte do meu tempo de estudo e evolução. Esforcei-me bastante para atingir bons resultados, mas durante este meu primeiro ciclo de estudos, sentia sempre a necessidade de explorar as tecnologias mais relacionadas com a arte digital, como a arte generativa, a estética computacional, a algoritmia gráfica, sonora, enfim, tudo o que estivesse ligado à parte mais estética do digital.
Mais tarde, soube que iriam abrir vagas para o novo curso de Mestrado em Tecnologia e Arte Digital (MTAD), na Universidade do Minho. Esta seria certamente a hipótese tanto esperada de me poder aproximar mais da minha vocação nativa. Pertenci assim ao pioneiro grupo de alunos deste Mestrado, único e inovador em Portugal. Esta foi a minha grande oportunidade de evoluir, e acima de tudo, seguir os meus estudos na arte digital. É realmente um mundo maravilhoso, onde me sinto muito bem a trabalhar, e a investigar.
Sempre gostei de explorar ferramentas relacionadas com a criatividade, e este mestrado proporcionou-me a possibilidade de desenvolver as minhas próprias ferramentas, que mais tarde viria a usar em exibições que tenho vindo a fazer. A simples hipótese de termos os conhecimentos para criar, em vez de usar software já existente, abre a quem cria um leque infinito de possibilidades.


2 - Qual é a tua opinião sobre as oportunidades para trabalhar no campo da arte digital em Portugal? É sustentável viver disso apenas ou tem de funcionar como hobby?
É necessária muita persistência, e resistência. Esse é o principal desafio na área da arte digital, que é transdisciplinar pela sua natureza. É muito difícil, como em qualquer outra arte, superarmos os nossos erros e aprender com isso. Tive o privilégio de o meu trabalho ser bastante referido logo nas primeiras fases da sua apresentação. A publicação constante em conferências académicas na área, com toda a colaboração da comunidade de docentes do MTAD, foi também fundamental, para que a divulgação do trabalho acontecesse. As minhas exibições são sempre comissionadas pela instituição/organização que a recebe, e tem existido todo o suporte por parte das instituições que exibiram as minhas peças. Na área da arte digital dificilmente existe a venda directa de uma obra, como acontece por exemplo em outro tipo de obras de arte. Mas os museus e espaços estão cada vez mais receptivos a este tipo de obras. Estas obras atraem pessoas, pela sua natureza interactiva, imersiva, e sensorial.

3 - Quando comparado com os outros países aonde tens exposto o teu trabalho o que te parece que falta em Portugal ou aos portugueses?
Sempre fui muito bem recebido em Portugal e no estrangeiro. A abertura perante as organizações/instituições que receberam as minhas peças foi sempre total. Lamento é não ter tempo e disponibilidade para aceder a todos os convites que tenho recebido. Em Portugal existe uma crescente aceitação para este tipo de obras. A comunidade artística na área da arte digital em Portugal é também já relevante. É importante, a existência de blogs como o Virtual Illusion, que abordam muito estas temáticas. Acredito na crescente curadoria relativamente à arte digital em Portugal, por parte das Organizações, dos Museus, e o pelo próprio Ministério da Cultura.

4 - Que conselhos podes dar a quem queira trabalhar na área da arte digital e dos media interactivos em Portugal? Que apostas devem fazer, em termos de saberes, de tecnologias ou outros?
É necessário ser muito ponderado em relação a dois eixos essenciais: a arte e a ciência. Estes dois eixos deverão estar sempre muito bem equilibrados, de modo a que a mensagem do autor, da sua obra, sejam bem transmitida. Não podemos descorar um eixo em relação ao outro. Se dermos demasiada importância à tecnologia, o resultado final é efémero, passageiro. Se dermos demasiada importância ao conceito, descorando a sustentação tecnológica que lhe dará suporte, ficamos perdidos. O importante é mesmo errar. E quanto mais errarmos, mais assertivos seremos na próxima. Nesta área é sempre bom errar. Os erros só acontecem quando nos dedicamos. A tecnologia por si só cria muitas expectativas no autor que está a criar uma obra digital. Essas expectativas facilmente são defraudadas quando não assentes numa base crítica sólida. Após a fase de confronto com a tecnologia, e com as dificuldades associadas à programação de código, cujo domínio é essencial, começa a surgir o espaço para que a criatividade aconteça, de uma forma natural. Recomendo o ciclo de estudos no Mestrado em Tecnologia e Arte Digital, da Universidade do Minho, a todos os interessados no estudo e desenvolvimento de Arte Digital.
5 - Finalmente, parece-te que o iPad e outros tablets podem servir de plataforma e inspiração para que surjam mais produtos de entretenimento digital nacionais como os livros interactivos e os videojogos?
Sim, sem sombra alguma de dúvidas. O iPad não irá substituir os livros, mas poderá cobrir um conjunto de produtos, para as áreas do entretenimento ou educação, que tirem partido das suas potencialidades interactivas. É muito bom exemplo o caso do livro Alice and Andy in the Universe of Wonders - The Planet Earth (2010), da ScienceOffice, projecto no qual participei, liderando a equipa de programação e desenvolvimento da TECField. Este livro é uma magnífica obra, com uma história muito interessante de dois irmãos gémeos que exploram o planeta terra, e que contou com o contributo de bons profissionais nas áreas da narrativa, da música, da locução, e da ilustração. Um projecto português que está disponível em seis línguas, e com bastante sucesso fora de Portugal. A leitura de um livro como este possibilita a exploração de uma história que seria impossível no livro tradicional.

Entretanto fica a notícia de que Digital Body (2011) entrou directamente para o 1º lugar da secção New & Noteworthy da App Store, e o livro Alice & Andy (2010) da Science Office, desenvolvido pela equipa da TECField, liderada pelo João Martinho, aparece também destacado pela Apple na secção What's Hot.

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