janeiro 21, 2018

Dishonored 2 (2016)

O principal atributo do primeiro "Dishonored" (2012) assentava no game design, nomeadamente o impacto do level design na emergência narrativa (ler análise). Nesse campo “Dishonored 2” mantém a elegância do primeiro, aprimorando e refinando toda a abordagem. Em termos menos bons, temos a história, pouco instigadora, desfocada, incapaz de nos agarrar. De modo que não subsiste muito para dizer, além do que já foi dito sobre o primeiro, a não ser que é bom, com um design por vezes brilhante, mas incapaz de superar o primeiro pela ausência de uma boa história.



O problema da história começa desde logo pelo universo, algo exótico, criado para o primeiro jogo, uma espécie de steampunk com espadas, com o qual já na altura tive alguma dificuldade em me conectar. Ainda assim, no primeiro, tínhamos alguns valores universais em jogo no campo das relações entre os personagens, que puxavam facilmente pela nossa empatia. Neste segundo volume o universo mantém-se, mas falta essa teia entre os personagens, que acaba por contribuir para a fragilização dos mesmos, demonstrando uma falta de volição dos mesmos, que contribui para uma história menos eficaz.



Se no primeiro volume, dada a inovação do modelo de jogo, a história podia até dar-se ao luxo de não ser tão trabalhada, neste segundo volume, isso não era opção. Como falámos ainda esta semana, a propósito de "Wolfenstein II: The New Colossus" (2017), a história faz toda a diferença quando o gameplay é aquele que já conhecemos. Ainda que gostemos dessa jogabilidade, se não houver uma motivação que atribua significado ao que estamos a fazer, o engajamento dificilmente acontece.

O melhor mantém-se então no campo da jogabilidade, do que se pode fazer, mas essencialmente nas escolhas sobre o como se pode fazer. Cada jogador determina em cada momento o modo de jogo — stealth, combate, com ou sem poderes, etc. — por meio das suas ações, não existem seleções, não existem alterações de fundo, são as ações do jogador que determinam o que acontece no jogo, dada a sua capacidade emergente. Destaco dois níveis como os mais impressionantes nesse campo, e valem por todo o jogo: um castelo em que as salas se movem em 360º, modificando completamente a jogabilidade a cada passo; e um mais perto do final, em que viajamos no tempo, alterando coisas no presente e passado, que afetam o desenrolar do jogo.

Através da ferramenta Transition in Time, temos acesso ao Fold Timepiece, que nos permite ver simultaneamente o passado e presente, por meio de uma janelinha, abrindo um poderoso espaço à inovação do game design.

Diga-se que os quebra-cabeças criados nos vários níveis nos dão a volta à mente, e por isso não admira que tenha demorado tanto tempo a terminar este jogo. É para ser ir jogando e admirando. E se o universo escolhido não é o meu preferido, nem por isso posso deixar de elogiar o belíssimo trabalho de direcção de arte que nos vai enchendo os olhos ao longo de toda a experiência.

janeiro 18, 2018

Wolfenstein II: The New Colossus (2017)

Não joguei o primeiro, essencialmente porque os FPS não são o meu tipo de jogo, mas de tanto ouvir falar da narrativa deste segundo, acabei por o comprar e jogar. Valeu a pena, apesar da montanha-russa de tiros e sangue, entre cada uma das sessões de shooting é-nos oferecido um filme, que ainda que cortado às postas, apresenta enorme peculiaridade, nomeadamente extravagância e excentricidade, valendo toda a experiência. Mas fica a nota, este é mesmo um jogo para M18, a loucura é pouco sã!


No campo do FPS, não sendo grande jogador tenho de dizer que senti enorme fluidez na ação, o level design é muito bom, a ponto de mesmo em grande velocidade praticamente nunca me perder nos ambientes, conseguir seguir os caminhos esperados, sem ter de estar sempre a recorrer a mapas. Por outro lado, não gostei do mapa providenciado, é pouco claro e ajuda pouco, não fosse o design extremamente intuitivo dos níveis e poderia ter-se estragado uma boa parte da experiência. No geral, temos cerca de uma dezena de níveis com boa diversidade, incluindo missões em submarinos, barcos, esgotos, ao ar livre, em prédios abandonados, incluindo mesmo uma passagem pelo planeta Vénus!




Relativamente a ações de jogo, é um FPS, por isso sobra muito pouco para além dos tiros. Ainda assim existe alguma progressão nas armas disponibilizadas, e nos movimentos que podemos executar (com as chamadas “contraptions”), o que eleva o interesse na jogabilidade. Aliás, não posso deixar de enaltecer o primeiro nível pelo facto de jogarmos numa cadeira de rodas, algo que já foi um meme no passado, apontando o dedo à falta de diversidade dos videojogos. A 2/3 é-nos dada a possibilidade de conduzir um enorme cão robótico, o Panzerhund, que lança fogo e a diversão é total pela quase invencibilidade que se nos oferece, ainda que seja uma experiência curta. No campo das armas é possível fazer upgrades, mas o controlo dado ao utilizador neste campo é muito reduzido. Aliás, toda a lógica de RPG parece surgir nas interfaces do menu, contudo fica-se pela amostragem da progressão, não permitindo ao jogador desenvolver esse campo.

Mas se “Wolfenstein II” é recomendado, é-o pela história e sua representação. Estamos nos anos 1960, nuns EUA alternativos, dominados pelo regime Nazi, somos colocados na pele de um soldado americano, William Blazkowicz, com um background rico em emocionalidade familiar, e somos lançados aos lobos para salvar o país, para fazer a revolução e libertar os EUA. A linha condutora é simples, mas começa desde cedo a mostrar que tem muito mais para dar, desde logo quando somos atirados por meio de flashbacks para o passado de Blazkowicz, mas são imensos os detalhes ao longo de todo o jogo que nos vão agarrando e mostrando que estamos perante um jogo distinto. Temos um Hitler representado de um modo asqueroso nunca antes visto, temos mulheres negras líderes, temos grávidas em luta taco a taco com homens, viagens no espaço, temos Frankenstein, temos sangue, muito sangue, mas temos essencialmente muita diversão, muito humor negro, tudo isto misturado com muito, e bom, heavy-metal.

Posso dizer que fiquei imensamente contente com o jogo porque aponta o dedo, com uma força terrível a John Carmack, e à sua visão do valor da história para os videojogos, refletida na célebre afirmação — “Story in a game is like a story in a porn movie. It's expected to be there, but it's not that important.” — a propósito de “Doom” (1993). No caso de “Wolfenstein II”, não é apenas importante, é o mais relevante do jogo, é aquilo que nos faz atravessar nível atrás de nível. O humor negro não me permite criar uma grande relação com os personagens, ainda assim sente-se, com o passar do tempo, que vamos conhecendo melhor cada um deles, vamos nos habituando aos mesmos, e sentindo a sua “companhia”.

Porque se não existiu grande esforço em desenhar a relação da jogabilidade com as cutscenes — como dizia acima, podemos ver uma espécie de filme, visualmente sumptuoso, entrecortado por "túneis de tiro" — a verdade é que a escrita dos personagens, e as relações entre eles, estão tão bem desenhadas que sentimos o jogo como um todo, e não como mero artefacto que junta jogo e filme. No final do último nível, sentimos vontade de voltar ao mundo de “Wolfenstein II”, de encarnar novamente Blazkowicz e ir atrás dos restantes “Uber commanders”, se bem que os acordes de “We're Not Gonna Take It” dos Twisted Sister, aqui num cover dos Veilröth, ajudam a sentir todo esse ânimo.

janeiro 12, 2018

O Lobo das Estepes (1927)

Li-o tarde demais. Se o tivesse lido durante a crise existencial do fim da adolescência, altura em que li “Siddhartha” (1922), teria sentido o mesmo inebriamento,  aquele que surge pelo questionr do Eu, do Nós, da Existência. Também sei que se voltasse a “Siddhartha”, já não encontraria o encanto desses outros tempos. “O Lobo das Estepes” é menos dirigido à edificação, e mais à descrição da alienação, da insatisfação com a sociedade, o outro e o próprio, do isolamento da realidade, e até uma tentativa de fuga pela porta do suicídio, ainda que meramente apresentada como caso limite, sem o devido questionamento.


A escrita é boa no sentido em que tem uma enorme fluidez e até alguma erudição, mas ao mesmo tempo sinto-lhe algo estranho, uma simplicidade excessiva, talvez pelo discurso, que procura colocar tão claro o que se sente, que por vezes não parece estar a falar do interior psicológico, de assuntos complexos, mas de algo tão elementar, como carregar um saco de batatas de um lugar para o outro. Foi uma sensação estranha, e era algo que já tinha sentido, e ainda recordo, de “Siddhartha”, tanto que nessa altura, lembro-me de ter questionado se aquilo não teria sido um relato encontrado algures pelo autor, dada a simplicidade emanada das descrições de questões que tinha, e tenho, como complexas, oriundas de um conjunto de escritos budistas.

Talvez o melhor do livro tenha que ver com a fuga ao dualismo que o título e o início do livro apresenta, entre o homem e o lobo. O homem seria o lado bom, ou normal, adaptado às vicissitudes da vida em sociedade; já o lobo, seria o lado mau, profundamente crítico e isolado dessa sociedade. Quase terminava a leitura por causa desta introdução, mas Hesse redime-se quando abre o discurso, e nos diz que somos feito não de duas, mas de muitas mais almas, ou facetas, não dez nem cem, mas mil, as que forem necessárias: “tentar explicar um indivíduo tão diferenciado como Harry segundo uma ingénua divisão em lobo e ser humano consiste numa tentativa desesperadamente infantil. Harry não se compõe de duas naturezas, mas antes de centenas, de milhares delas.”

Hesse vai então usar esta sua abordagem pela multiplicidade dos Eus para propor aos leitores a redenção ou cura do mal estar da alienação, ainda que tudo isto não passe de uma racionalização desenvolvida quase como um processo de auto-ajuda: “Àquele que vivenciou a fragmentação do seu eu demonstramos que em qualquer altura pode voltar a combinar os pedaços segundo a ordem que desejar, obtendo assim uma infinita variedade de possibilidades no jogo da vida. Da mesma forma que um escritor cria um drama a partir de uma mancheia de personagens, também nós, com recurso às peças do nosso «eu» decomposto, construímos sempre novos grupos, com novos jogos e expectativas, com eternamente novas situações. ”

janeiro 11, 2018

Cowboys Youtubers

O Nuno Markl já tinha colocado o dedo na ferida, agora foi a vez da Ana Galvão falar do incómodo sentido com os chamados YouTubers. Não todos, não são os que falam de livros, viagens, cinema, moda, maquilhagem, e muito mais, são uma pequena minoria, que não falam de nada, que apenas gritam, disparam asneiras em modo automático, insultando tudo e todos. Mas porquê falar disto quando a rede de internet é um espaço aberto, e vivemos num país que preza a liberdade de expressão? Porque temos um problema.


1 - Existe um excesso de policiamento do politicamente correto em tudo o que é media, cultura e política. Contudo no mundo do YouTube é o vale tudo, verdadeiro “faroeste”, ninguém controla, nem ninguém quer saber. Ou talvez não seja bem assim…

2 - Porque sendo mau, podíamos viver com esses cowboys na rede da Google. O problema só se agrava porque este faroeste não está ali contido, passou para a realidade do nosso quotidiano, desde logo porque existem marcas a patrocinar estes “cowboys”. Ou seja, as marcas consideram aceitável o que eles fazem, e pagam. Marcas de todos os níveis, desde produtos a espaços, como revistas dedicadas, e até “livros”, mas também Comic Cons e Centros Comerciais que promovem todo o tipo de contacto no mundo exterior ao YouTube. São estes que ao oferecer palco mediático lhes limpam a imagem, e os tornam iguais a qualquer outra celebridade.

3 - Agrava-se porque o público dos "cowboys youtubers", está bem definido, e não é um nicho, é a massa de crianças dos 8 aos 13 anos, que mesmo que não tenha conhecimento ao navegar na rede, é levada a conhecer, pelo fator de pressão social a que estão expostos nas nossas escolas. Não podemos esquecer que são um público em idades de formação, logo com um sentido crítico muito residual. Daí que o rótulo de celebridade oferecido pela sociedade só pode levar a que as crianças que seguem estes cowboys percam as balizas do que é e não é aceitável.

3 - Porque, além das marcas, temos os pais que acarinham estes Youtubers, muito provavelmente sem o saberem, porque não se levantam e não reagem, mas pior do que isso, fazem fila com os filhos para ir buscar um autógrafo, porque pelos filhos tudo vale a pena, e um "cowboy" de olhos azuis e ar lavado, bonitinho, não pode ser uma má influência.

4 - E quarto e último, os restantes media. Sendo altamente críticos de todos aqueles que ousam passar a linha noutros meios, têm ignorado totalmente o problema, não se discute, não se fala, faz-se de conta que não existe um elefante enorme na casa dos portugueses. Sim, porque não se pode só esperar que sejam os pais a alertar para o problema, é preciso criar conhecimento e sentimento na comunidade sobre o que se passa ali. Afinal para que servem os Órgãos de Comunicação, são ou não garante da Democracia?


Ou seja, a culpa não é dos Youtubers, é da sociedade que não se levanta para tecer qualquer crítica. Sei bem que muito por receio do novo, do desconhecido, com medo de meter o pé na argola. O próprio Markl quando falou disto pela primeira vez, foi imensamente atacado. Mas a verdade é que os nossos filhos estão muitas vezes sentados no sofá, ao nosso lado, de fones nos ouvidos, olhos vidrados no pequeno monitor do telemóvel, a ver algo que nunca permitiríamos que vissem no grande ecrã da sala.

Vi entretanto que o Markl escreveu, por estes dias, um novo post de revolta contra estes Youtubers, e acabou com a possibilidade do seu filho continuar a seguir os Youtubers. Se inicialmente tinha lançado o alerta, agora fechou de vez a porta. Parece ser um primeiro passo para uma mudança da perceção na sociedade.

janeiro 06, 2018

Entrevista com o criador de "Storyseeker" (2017)

"Storyseeker" é um minijogo muito interessante, desde logo porque coloca em evidência a principal relação existente entre os jogos e as narrativas. Uma narrativa é sempre um jogo, no sentido em que move as crenças do recetor para a busca de evidências que comprovem as suas teses sobre o mundo ficcional. Ao longo de um filme ou livro, passamos todo o tempo a lançar hipóteses sobre o que vai acontecer a seguir, de modo que a narrativa se dedica a gerir as nossas expectativas e tensão por encontrar as respostas. O jogo funciona num modo parecido, só que em vez de facilitar o acesso às respostas, coloca-nos obstáculos para aceder às mesmas.




Neste pequeno jogo, Miles Äijälä apresenta tudo isto num modo muito simples, tornando evidentes estas caracterizações de jogo e história. "Storyseeker" não é mais do que um grande mapa, no qual foram distribuídos elementos, peças de um puzzle maior, que é uma história. Deste modo, jogamos, ao tentar ir a todo mapa, e ao tentar juntar os elementos, formando o puzzle, e entretemo-nos com a história que vamos apreendendo à medida que vamos montando puzzle mentalmente. Sim, não difere daquilo que hoje conhecemos como walking simulators, mas o facto de o assumir em título, torna-o interessante, nomeadamente do ponto de vista do metajogo.


Falei com o Miles, que é um artista visual de videojogos, a arte visual de "Storyseeker" assim o demonstra, e questionei-o sobre os objetivos e conceitos por detrás da criação do jogo. Talvez não seja má ideia experienciarem primeiro o jogo, está online e é gratuito (Windows, Mac e Linux), e lerem a entrevista depois.


1 - How did you get to the idea?
R - Originally Storyseeker was supposed to be a quick two week experiment to create a minimalistically simple game. (The scale of it kinda got out of hand over the following 6 months…) The core of it stayed true to the original idea, though: a game where the only mechanic is walking around, and the only thing to do is exploration.
I’m a big fan of non-combat games, and as a dev, focusing on a single idea made the game quicker to make in that original 2 week plan. As I kept making more and more art assets, I started asking questions about the random things I drew and coming up with little stories of where they came from. That’s how it expanded—in order to have a cool footprint in the desert, I had to draw a giant statue who laid that footprint, and then the place where it came from, and so on and so on. Pretty soon I realised that this is what the game really is about, following the stories of where all these creatures and land formations come from or go to.

2 - How do you see the interrelation between games and stories?
R: I see games as an excellent storytelling medium. I mostly play narrative-driven games, but I think there’s stories pouring out of every type of game. Completing a level is a story of success, dying against impossible odds is a tragedy… Good games notice this and play up that story through their presentation and mechanics. 
In terms of the narrative-driven games, as it’s been stated by many sources, their unique strenght is how players can experience stories themselves, instead of just reading about it or watching it happen. I think this quality makes them especially suited to tell stories of places and events, as opposed to the more classical narratives about characters that we’re used to in traditional media. 
One of my favourite unique possibilities of storytelling in games is emergent narrative: stories that stem from what the player does. While the player has very little control over Storyseeker, I still wanted to emulate that in the sense that it’s on the player tell to themselves the history of the world. What is the connecting narrative between the little bits and bobs they witness? Most players end up with differing backstories, depending on what they’ve seen and in which order. 
That kind of player creativity is interesting to me.

3 - The puzzle of stories is interesting, but had you think about any possible obstacles or objectives for the player, to push forward the gaming feeling?
R: For Storyseeker, I very much wanted non-gamified experience. What I hoped to see was how far a player’s curiosity would take them, with no external push. (I must say I’m quite pleased with the results; human curiosity is a force to behold.) 
One of my early playtesters mentioned how Storyseeker didn’t feel like a game, and suggested adding collectibles of some sort. That’s when I realised I didn’t particularly want it to feel like a game. It’s more of a weird exploratory experience. The only reward system is very natural: by climbing a mountain, you get to see what’s on top, and by following a trail you get to see who left it. 
While my notions for what’s interesting might differ drastically from what the majority of gamers find interesting, in a zero-budget indie game I felt free to follow my vision. (Although I did end up developing those symbol rocks for some sense of progression and an unlockable secret zone.) 
In terms of obstacles, there are some stuff that could’ve been interesting that didn’t make it into the final game. Originally, the player wasn’t able to walk on water—instead, they’d have to find a boat to access the ocean. My poor attempt at coding it was a terrible mess, so it got scrapped. 
I also would’ve liked to do more with natural barriers like mountain ranges restricting entry to certain places; but playtesting proved that with the flat art style it’s hard to tell where you can and can’t walk, and also backtracking long distances is the worst. So in the end, the world is very open, and the danger of not following roads isn’t finding some blocking wall but getting lost. 
Luckily, getting wonderfully lost is exactly what Storyseeker is about.

janeiro 02, 2018

Goodreads: Melhores de 2017

Desde 2014 que uso o Goodreads para manter um registo dos livros que vou lendo. Tem sido muito útil porque me permite alguma disciplina, ainda que tenha de realizar algum esforço para evitar o efeito de gamificação, algo que inevitavelmente nos condiciona. Para tal, obrigo-me a escrever sempre, sobre qualquer livro que marque como lido. Aliás, por norma têm de ser textos com estrutura e tamanho mínimos para poderem também ser publicados aqui no blog. Por vezes permito a fuga a esta regra: quando o livro é muito fraco ou quando considero que quero continuar a trabalhar o assunto do livro com mais leituras, porque ainda não atingi um modelo completo e fechado do assunto, nesses casos dou apenas conta no Goodreads, num texto muito breve.


A média dos últimos quatro anos ronda os 80 livros. Estes têm-se dividido, aproximadamente, em: 5% de livros que não termino, por serem demasiado fracos; 20% não-ficção; 10% banda-desenhada; 15% literatura portuguesa e contemporânea; sendo os restantes 50% dedicados à leitura de clássicos do cânone literário.

Aproveito assim para deixar aqui, sem nenhuma ordem em particular, os 12 melhores que li em 2017, os links apontam para as resenhas realizadas aqui no blog, sobre os mesmos.
. Possessão (1990) de A.S. Byatt
. Memórias de Adriano (1951) de Marguerite Yourcenar
. A Estrada (2006) de Cormac McCarthy
. Desgraça (2005) de J.M. Coetzee
. Here (2014) de Richard McGuire
. Que Importa a Fúria do Mar (2013) de Ana Margarida de Carvalho
. Germinal (1885) de Emile Zola
. Myra (2008) de Maria Velho da Costa
. Uma Abelha Na Chuva (1953) de Carlos de Oliveira
. Os Dias do Abandono (2002) de Elena Ferrante
. Homo Deus: A Brief History of Tomorrow (2015) de Y.N. Harari
. The Best We Could Do (2017) de Thi Bui

Deixo o infográfico do Goodreads de todas as minhas leituras de 2017.

janeiro 01, 2018

Virtual Illusion: Mais Lidos de 2017

Mais um ano que passou, mais um ano de textos aqui no blog. Publiquei pouco, ainda assim alguns textos deixaram boas memórias. Uma grande parte é de análise de livros, jogos e filmes, os textos mais especializados dizem respeito à ciência em Portugal e à educação criativa. Assim, e para iniciar o ano, deixo os 12 textos mais lidos, ou pelo menos mais vistos de acordo com o número de visualizações do blog.


1 - A Ciência não é Crença é Conhecimento, 23 abril
2 - O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), 6 outubro
3 - A Ciência do Governo, o Ministro e a FCT, 13 abril
4 - Motivação mais relevante que QI, 23 dezembro
5 - O fim da Escola?, 9 outubro
6 - Publicidade cinematográfica e ideológica contra Trump, 6 fevereiro
7 - Memorizar requer esforço e não é intuitivo, 19 fevereiro
8 - O cérebro narrativo, 29 outubro
9 - Por que não conseguimos parar de olhar para os smartphones?, 30 abril
10 - Somos aquilo que criarmos, 23 maio
11 - Timelapse no mar em movimento, 16 setembro
12 - "Homo Deus", de Yuval Noah Harari, 6 julho

dezembro 31, 2017

Jogos de 2017

Foi dos anos, recentes, em que joguei menos, e ao contrário do que dizia o Rui Craveirinha no IGN, não fiquei com a ideia que tivessem saído muitos jogos, talvez por ter andado menos atento. Senti que foram sempre saindo jogos, mas não propriamente jogos que nos marcassem. Desde logo a grande desilusão de “Mass Effect: Andromeda” na primeira metade de 2017 não ajudou, mas serviu pelo menos para mostrar que nem sempre usar uma série de sucesso é garantia de investimento seguro, tanto para as empresas como para nós. Daí que este ano me limite a fazer uma lista dos 5 melhores jogos que joguei.


Os melhores jogos que joguei em 2017
1 - Horizon: Zero Dawn
2 - What Remains of Edith Finch
3 - Gorogoa
4 - Bury me, My Love
5 - NieR Automata 
(análise mais tarde)

Joguei outros jogos que marcaram este ano de 2017, uns melhor outros pior, sendo que alguns deles surgem mesmo destacados em listas e prémios, não sendo o meu caso.
- Mass Effect: Andromeda
- Assassin’s Creed: Origins
(análise mais tarde)
- Super Mario Odyssey
- The Legend of Zelda: Breath of the Wild
- Persona 5 
- Little Nightmares 
- Storyseeker (análise e entrevista no início de Janeiro)
- Far From Noise

Por fim, deixo os jogos de 2017 que ainda quero jogar, embora não alimente esperanças excessivas pela investigação que fui fazendo à volta dos mesmos, e por isso também não captaram suficientemente o meu interesse para os jogar quando saíram.
- Hellblade: Senua’s Sacrifice
- Observer
- Get Even
- Late Shift
(talvez não seja aqui o lugar apropriado, ou talvez sim)
- Middle-earth: Shadow of War
- Tacoma
- Rime
- Wolfenstein II: The New Colossus
- Last Day of June 

dezembro 30, 2017

Blade Runner 2049 (2017)

Foi uma das sequelas anunciadas que mais me incomodou. Não fazia sentido, não era necessária. Nem mesmo um remake já que “Blade Runner” (1982) consegue o extraordinário feito de se manter, no campo audiovisual, para não falar das ideias, completamente atual. Por isso e apesar de ir lendo boas impressões, não me aproximei inicialmente do filme. Agora que o vi, não quero deixar de agradecer a todos os que lhe deram “corpo”, desde o empenho de Ridley Scott na promoção do projeto e enquanto Produtor Executivo, à mestria de Denis Villeneuve (realização), Hampton Fancher (história), Benjamin Wallfisch (música), Roger Deakins (cinematografia), Joe Walker (montagem), Paul Inglis (arte) e tantos outros responsáveis, por muitas outras partes — desde o design de som, efeitos visuais, decoração, cenários, props, e maquilhagem ao guarda-roupa. Deixo os atores de fora? Não, mas o filme é tanto mais, e é sempre deles que se fala.




Em termos puramente experienciais, “Blade Runner 2049” marca o ano juntamente com “Dunkirk” (2017), muito graças às extraordinárias equipas criativas que foram capazes de levar ambos os projetos à pureza da perfeição audiovisual, nas diversas necessidades que compõem uma obra cinematográfica. Já no campo das ideias e do discurso “Blade Runner 2049” afirma-se e destaca-se. Socorre-se de um minimalismo expressivo, que claramente não lhe poderia granjear grande sucesso de bilheteira, mas sem isso teria sido apenas mais um filme sobre andróides. O que tem para dizer é impactante, porque muito hábil na relação empática, o que torna inevitável recordar o universo de “Children of Men” (2006). Assim, e continuando profundamente distópico, existe algo de muito distinto neste segundo filme, uma centelha de esperança!


Como pergunta Jorge Martins Rosa, especialista em Philip K. Dick (PKD), será esta ainda uma obra dickiana? Sim e não, exatamente pelo que disse acima, porque a distopia ganha aqui asas de utopia, algo longe do mundo dickiano. Apesar desta ligeira discordância, recomendo a leitura do texto do Jorge a quem quiser ganhar acesso às múltiplas camadas enterradas por debaixo da superfície plástica do filme. Mais ainda porque concordo com a essência do texto ao definir como pergunta central do filme, imbuída da visão dickiana: “O que é o humano?”

Concordo com esta definição, não apenas por partir de PKD, mas porque passei todo o filme a questionar-me sobre isso. Não, não foi a questionar quem de entre os personagens era humano e quem era replicant, essa questão para mim ficou lá atrás, em 1982. A minha questão foi perceber se em 2049 ainda existiam humanos, daí a colagem “Children of Men” ganhar toda uma enorme relevância, pela antecipação de um futuro anunciado em “AI: Artificial Intelligence” (2001). Mas esse futuro é em “Blade Runner 2049” assumido de modo muito distinto, o qual já qualifiquei acima de utópico, mas tem o seu quê de distópico, já que tudo o que parece mover aqueles que nos sucederão, é ser-se humano! Foi aqui que a história me perdeu, em parte, fez-me descolar da fantasia, porque foi longe demais, não no feito, mas no sentido desse feito, porque em essência me pareceram efeitos dos resquícios de criador, ou talvez melhor, chamar-lhe colonizador (porque não apenas cria como condiciona a cultura).


Existe tanto por onde pegar em “Blade Runner 2049”, o seu minimalismo ajuda, mas é difícil fazê-lo e manter o texto livre de spoilers. Contudo, passados vários filmes e livros sobre este tema, sinto que algo se vai esgotando na temática, porque atingimos uma espécie de fronteira do conhecimento sobre nós mesmos, não falo pela mera separação entre humano e máquina, mas antes pelo que aponta como marca do nosso devir, porque ganhámos a noção de que chegará o momento em que passaremos o testemunho. Sim, existe aqui um piscar de olhos a um caminho alternativo, ainda que muito breve, apresentado em "Prometheus" (2012), talvez porque Scott também tenha batido contra esta parede. E por isso, talvez seja eu agora quem termina este texto num tom distópico, talvez por homenagem ao dickiano que há em mim, contudo olho para esse momento como parte de algo maior que nós, e por isso mais utópico que distópico.