dezembro 11, 2017

"Ilíada" de Homero

Durante muito tempo me questionei porque sempre que se citava Homero, ou se citavam os clássicos da literatura grega, era da “Odisseia” que primeiro se falava, quando em termos cronológicos, tanto da sua conceção como da história contada, é a “Ilíada” o primeiro dos dois livros. Não compreendia, até porque na tradição contemporânea, o mais importante das histórias está normalmente associado ao primeiro livro, ou primeiro filme, não passando os restantes de sequelas, sucedâneos, que não raras vezes falham em atingir o nível dos primeiros volumes das séries. Assim, e tendo eu lido primeiro a “Odisseia”, no ano passado, agora terminada a leitura da “Ilíada”, compreendi o porquê, e é sobre isso que me irei deter nas próximas linhas.

"O Triunfo de Aquiles" por Franz Matsch, num fresco do século XX, em que se vê Aquiles puxado pelos seus "cavalos de casco não fendido", arrastando, pelos pés, o corpo de Heitor.

A “Odisseia”, como o próprio título indica, trata uma viagem, no caso, a do regresso de Ulisses a casa, depois dos 10 anos que duraram a Guerra de Tróia. Já a “Ilíada” foca-se nessa guerra, mas se dá conta das razões que a ela conduziram, acaba por depois se centrar quase exclusivamente num punhado de eventos, realizando avanços e recuos ao longo de toda a sua descrição, sem nunca chegar a concluir o que inicia. Assim, temos como razão para o início da guerra, um tanto tonta como Heródoto já terá dito: Paris, filho do rei de Tróia, rapta a mulher, Helena, do rei de Esparta (Antiga Grécia), Menelau, e fogem ambos para Tróia, fazendo com que os gregos se levantem em sua perseguição, e iniciem uma guerra de 10 anos para destruir Troia e reaver Helena.

A edição em capa dura da Cotovia é deliciosa, mas o melhor continua sendo a tradução, como já havia dito a propósito da "Odisseia", realizada por Frederico Lourenço.

Os avanços e recuos nesta guerra acabam por ocupar a maior parte do livro, com as peripécias dos diferentes personagens. Do lado de Tróia: Paris, o seu irmão Heitor, e pai Priamo, ou o militar Eneias, que surgirá mais tarde como personagem principal da “Eneida” de Virgilo. Do lado dos gregos, temos Menelau, Agamenon, Ajax, Pátroclo e Ulisses que será o principal personagem da “Odisseia”. O miolo da narrativa arrasta-se bastante, não fossem as intervenções dos Deuses (Zeus, Ares, Afrodite, Atena, Apolo, Hera, Poseidon, etc.) em defesa de cada fação! Sim os Deuses defendem lados e atacam-se uns aos outros, tornando-os numa das mais interessantes atrações deste livro.

O núcleo da narrativa, acabará por surgir apenas na última parte do texto, com Aquiles a assumir por completo o protagonismo, a ponto de no final se tornar inevitável ler a “Ilíada” como o livro de Aquiles, ou como é reconhecido por alguns, "A Ira de Aquiles". Isto é no mínimo surpreendente, já que apesar de Aquiles surgir desde o início, ele é praticamente secundário durante todo o livro, contudo o modo como depois Homero o trabalha nesse último terço, acaba por elevar a sua personagem a um ponto de destaque não dado a mais nenhum dos restantes elementos. Aliás, em parte, o problema desta "Ilíada" está exatamente no quão pouco trabalhados vão surgindo cada um dos personagens, completamente lineares, ao contrário do que acaba por acontecer com Aquiles, o problema é isto acontecer apenas na reta final. Repare-se como em a "Odisseia", o trabalho de desenvolvimento de personagem recai sobre Ulisses mas esse é trabalhado o início ao final do poema.
“E Aquiles atirou-se a ele, com o coração cheio de ira
selvagem, e cobriu o peito à frente com o escudo,
belo e variegado, agitando o elmo luzente
de quatro chifres. Belas se agitavam as crinas
douradas, que Hefesto pusera cerradas como penacho.
Como o astro que surge entre as outras estrelas no negrume da noite,
a estrela da tarde, que é o astro mais belo que está no céu —
assim reluziu a ponta da lança, que Aquiles apontou
na mão direita, preparando a desgraça para o divino Heitor,
olhando para a bela carne, para ver onde melhor seria penetrada.”
Canto XXII 
Se é crível o despoletador da chama de Aquiles (a morte do seu amigo Pátroclo)? Julgo que é tão crível como uma cidade inteira deixar-se levar para uma guerra destrutiva por causa de um capricho, moralmente indefensável, de um filho de um rei. No fundo a "Ilíada" mostra, como desde a primeira hora, a narrativa teve de lidar como problemas de dissonância cognitiva, no caso: com tantos e tantos personagens mortos de formas violentíssimas, descritas para nos fazer sentir o terror da guerra, quer depois a narrativa que se chorem alguns desses personagens em particular, como se umas vidas tivessem mais valor que outras. Isto apenas se explica porque como muitos foram dizendo, estes poemas épicos não procuram retratar a realidade, antes dão conta de histórias populares, folclore, com um sentido de puro entretenimento, recorrendo à fantasia e mitologia.

Neste sentido, interessa menos a credibilidade do que se conta, e mais a ênfase do heróico dos personagens, que para o ser requer emocionalidade, e nesse campo Aquiles acaba sendo um dos poucos a ser capaz de nos emocionar. Faltam episódios marcantes, mais ainda quando comparado com a “Odisseia”, nem mesmo o Cavalo de Tróia aqui surge, ou o tendão de Aquiles, ainda que no último terço surjam todo um conjunto de eventos fortes enquadrados pela Ira de Aquiles — a morte de Pátrocolo; o resgate do seu corpo; a luta entre Heitor e Aquiles; a morte de Heitor; e o pedido de Priamo para levar o corpo do seu filho Heitor de volta.

"Priamo implorando a Aquiles" (1815) de Bertel Thorvaldsen 

Dito tudo isto, julgo que fica clara a relação das duas obras, e nomeadamente porque “Odisseia” vai surgindo quase sempre como a referência desta época. Não fosse a “Íliada” o primeiro poema épico sobrevivente (depois do curto poema “Gilgamesh”),  e provavelmente acabaria esquecido na nossa história. Tudo o que tem para oferecer é imensamente melhor conseguido na “Odisseia”. Ainda assim, não posso deixar de recomendar a sua leitura. É um processo lento, mas em que o crescendo se vai instalando, para no último terço, vivido com Aquiles, recompensar todo o nosso investimento. Como já tinha dito a propósito da “Odisseia”, Homero parece um autêntico realizador de cinema de Hollywood, capaz de nos arrastar pelo pescoço, com a emoção pendurada desde o canto do olho até à ponta do coração. Pura visceralidade, não fosse este é um Poema Épico.


A ler:
"Odisseia" de Homero, in Virtual Illusion

dezembro 10, 2017

Nolan salvo por Churchill

Dunkirk” (2017) é pura sensorialidade. É um filme sobre guerra que trata o que acontece numa guerra do ponto de vista da emocionalidade humana, individual e coletiva. Não há lugar para a discussão ou intelectualização do que está a acontecer, é tudo muito rápido e munido de um objetivo único, a sobrevivência. Nolan criou uma obra poderosa através de uma enorme síntese de informação e da modelação dos ritmos visual e sonoro que impedem o espetador de desligar.



Nolan trabalha a narrativa em três linhas distintas — na terra, pelo ar, e pelo mar — de modo a intensificar a emocionalidade.

Dunkirk” é um hino à arte de mostrar em vez de contar. Dada essa capacidade, de economizar no relato, de secundarizar a descrição, quase poderia ter sido feito por meio de meros quadros, ou fotografias estáticas, coladas pela música poderosa de Hans Zimmer. Nolan não quer dar conta do quê e do porquê, Nolan está apenas focado no que se sente. Claramente que é tudo espetacularizado, e por isso acabamos por sentir apenas o desnorte, o desapego, já que o medo real não consegue chegar até nós, nomeadamente por estarmos constantemente a ser estimulados pela surpresa.

No final do filme não sabemos porque aconteceu nem como foi possível acontecer tal, mas isso não é relevante. Em última análise o filme de Nolan corria o risco de se transformar num mero enorme teledisco, mas isso não acontece. Não, porque existe algo de surpreendente que ele consegue fazer-nos sentir. Depois de criada a dissonância cognitiva narrativa, comum em histórias de guerra em que as histórias se focam numa vida enquanto deixam morrer milhares, esta acaba sendo ultrapassada. Ou seja, se a meio do filme sinto o desperdício de tempo dedicado a um ou outro personagem, porque ao lado existem milhares a tombar, no final, tudo isso se apaga quando a força das palavras de Churchill são lidas a partir de uma folha de jornal.
“Even though large tracts of Europe and many old and famous states have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end, we shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be, we shall fight on the beaches, we shall fight in the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and even if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our Empire beyond the seas, armed and guarded by the British fleet, would carry on the struggle, until, in God’s good time, the New World, with all its power and might, steps forth to the rescue and liberation of the old.”
“Speech on the Evacuation”, por Winston Churchill à House of Commons, no Parlamento do Reino Unido, 4 Junho 1940 (Discurso audio completo, 12m)
Mas tudo isto demonstra que a sensorialidade de Nolan não chegava. Sem a racionalização, intensamente impressiva, de Churchill, o filme de Nolan teria sido uma grande obra plástica, mas vazia.

dezembro 09, 2017

Nintendo Storytelling

Em 2017 a Nintendo lançou a sua nova consola Switch de que aqui dei conta com grandes expectativas, mas não é para falar da consola que escrevo já que com ela chegaram ao mercado neste mesmo ano, os seus dois novos títulos bandeira, “The Legend of Zelda: Breath of the Wild” que abriu as hostes e fez muitos de nós, eu incluído, correr a comprar, e “Super Mario Odyssey” que saiu agora mais perto do Natal. Interessa-me então neste pequeno apontamento sintetizar algumas ideias que tenho vindo a trabalhar em redor do design de jogo destes dois jogos, que simbolizam o design de excelência da Nintendo.



Começar por dizer que joguei ambos, Zelda e Mário, mas não terminei nenhum. No caso de Zelda, apesar do design inovador apresentado por força do novo modelo de mundo aberto, com um level design perfeito, uma progressão clara e apelativa, com todo um mundo muito bem orquestrado, não senti que o jogo puxasse por mim. Já com Mário, acho que nem sequer coloquei a hipótese de o terminar, pois nunca o fiz antes com nenhum da série. Joguei ainda menos que Zelda, apesar do design de jogo vir ainda mais artilhado, ou seja apresentando clara diferenciação face aos títulos anteriores, podendo classificá-lo mesmo como muito imaginativo, um hino ao fator divertimento, melhor do que qualquer parque temático.

Mas então porque não termino estes jogos? Julgo que o problema está no storytelling. Ou seja, a Nintendo utiliza o storytelling como mecânica de jogo, e não como meio para contar histórias. O modelo criado por Miyamoto, e que continua a servir a Nintendo até hoje, define o storytelling como mero condutor da ação para um fim, mas que nunca é afetado por essa ação, nem por esse fim. Ou seja os personagens evoluem nas suas capacidades de ação sobre o mundo, mas não mudam por dentro. E isto acontece porque Miyamoto não trabalha os personagens como pessoas, mas apenas como objetos. Atribui-lhes apenas capacidades de ação sobre o mundo, esquecendo as capacidades para sentir as ações desse mundo. No fundo, temos uma espécie de objetos semi-inteligentes, robôs, que nada mais sabem ou querem saber, além de circular por mundos em busca do seu fim (“a princesa perdida”), a quem vão sendo apresentados obstáculos que eles têm de resolver.

Ou seja, Miyamoto é magnífico no desenho dos obstáculos, e ainda mais no desenho das ações de resolução desses obstáculos, no modo como interliga todos os objetos e personagens na cena, mas não perde um segundo a pensar no que tudo isso representa para o seu personagem, e menos ainda para o seu jogador. Miyamoto joga tudo no fator divertimento, na criação de um sentido de fluxo pleno, por meio de ativação da lógica sobre o qual trabalha brilhantemente os ritmos de recompensa e punição, que garantem a emocionalidade, muitas vezes visceral. Mas nada do que se faz releva para o sentir dos personagens, nem o fim objetiva a dar qualquer significação aos esforços encetados.



E é por isso que quando comecei a jogar “The Legend of Zelda: Breath of the Wild”, apesar de sentir imensos avanços na lógica do design, não consegui deixar de sentir que estava a repetir a experiência vivida em “The Legend of Zelda: Skyward Sword” (2011). Zelda tem bastante mais lore que Mario, mas o lore serve de mera gratificação estética, não corresponde às necessidades de um contar de histórias, é preciso mensagem, é preciso existir algo para dizer, se não ficamo-nos pelo mero window dressing, indo pouco além do storytelling que qualquer ride de parque temático oferece.

Com tudo isto não quero dizer que os jogos são maus, ou irrelevantes, apenas constato o modo como são desenhados, acreditando que para esse desenho se tem em mente um público mais juvenil, que procura menos significação e mais gratificação emocional. O mesmo público que adora parques temáticos, sendo que existem muitos adultos que continuam a gostar dos mesmos. O mais interessante para mim é verificar que o storytelling é aqui uma mecânica, que serve ao lado das restantes mecânicas do design de jogos, para nos manter engajados no tempo, nada mais.

What Remains of Edith Finch (2017)

É uma experiência de sublimação. À medida que vamos jogando, vamos ficando a conhecer a família Finch, e quanto mais vamos sabendo mais nos vamos emocionando, como se aquela família pudesse de algum modo representar todas as famílias e nos pudesse dar um olhar para a realidade da vida, para aquilo que representa estar-se vivo. É história, é ficção, é um jogo mas podia ser um filme, ou melhor ainda, um livro, porque para quem gosta de literatura a casa dos Finch mais parece um paraíso na Terra (ainda que tivesse gostado de ver um melhor trabalho de curadoria dos livros em função das pessoas e partes da casa, nomeadamente evitando repetições).




Em termos de jogo, temos uma espécie de walking simulator munido de uma série de inventivos minijogos. À partida, os minijogos atirarmos-iam logo para sequências inconsequentes, ou mesmo irrelevantes, contudo em “…Finch” estes assumem um caráter de grande relevância, não apenas pelo engenho e imaginação, mas porque funcionam como mudança de ponto de vista, permitindo que a voz que narra se desdobre, alargando o nosso conhecimento daquela realidade e densificando a experiência. Podemos mesmo dizer que a partir do meio do jogo, começamos a sentir uma enorme vontade de encontrar esses pontos, na ânsia por descobrir como será a experiência, mas também por tudo aquilo que esses pontos representam na árvore genealógica foi Finch.

No campo da história, o primeiro impacto da nossa tentativa de compreender o que nos está a ser contado, é de incredulidade. Não é por acaso que Marty Silva, no IGN, classifica a mesma de realismo-mágico. Ultrapassada essa barreira, deixando-nos inebriar pela história, vamos seguindo o fio da mesma, aceitando o fantástico, mas ao mesmo tempo relacionando-o com a nossa realidade, compreendendo aquilo que se nos conta como exagero mas próximo, sentido e realista. Ou seja, temos uma universo profundamente trágico, mas ao mesmo tempo divertido, porque aceita a tragédia como parte daquilo que faz de nós seres-humanos.



Para que tudo isto funcione, ajuda imenso a arte visual e sonora. A narração é suportada por uma voz graciosa, que vai pautando o ritmo do jogo, por sua vez amplamente suportada por texto que surge diretamente no mundo virtual, intensificando aquilo que o jogo vai querendo dizer. Se em termos de design faz lembrar walking simulators como “Firewatch” (2016) ou “Gone Home” (2013), em termos de experiência estética, tanto no aspeto visual como pela personagem principal, aproxima-se bastante de “Life is Strange” (2015).

Ian Dallas já nos tinha dado antes o belíssimo “The Unfinished Swan” (2012), uma aventura surrealista movida por um game design de pura inventividade. Desta vez, provavelmente movido pela morte da sua mãe, Shirley Dallas (1948-2013), a quem dedica o jogo, seguiu uma abordagem de design mais simples, focando-se no contar de história, dotando-o de um discurso direto, assumido pelas vozes e textos, secundarizando em parte o game design, com o objetivo claro de ir mais ao fundo do sentir dos personagens do universo criado. Um criador para continuar a seguir.

Uma imagem que dá conta da qualidade da arte visual.

dezembro 08, 2017

Pode a IA dar-nos melhor literatura?

Stephen Marche é um escritor canadiano com obra publicada e reconhecida, dedicando uma boa parte do seu trabalho à escrita de artigos e histórias para a Esquired, L.A. Review of Books, Wired, The Guardian, New York Times, entre muitas outras publicações internacionais. No meio de toda essa atividade, e como diz, estando atento ao desenvolvimentos computacionais, nomeadamente da IA, resolveu criar uma história com a ajuda de um desses programas de IA, na expectativa de conseguir criar algo nunca visto. A história é publicada na Wired deste mês, e no final conta com a análise de dois editores de topo.


O programa utilizado foi desenvolvido por dois investigadores da Universidade de Toronto, Adam Hammond na área das Humanidades Digitais, e Julian Brooke na área das Ciências da Computação. A aplicação consiste num comparador de histórias, baseado em estruturas e estilo, usando técnicas de "machine learning", como o "topic modelling", para sugerir e guiar o escritor no seu processo de escrita. Pode-se assim ir escrevendo bocados de texto e obtendo comparações com os textos existentes a vários níveis, desde o simples uso das palavras, a estrutura frásica, os nós narrativos, chegando assim aos estilos de artistas reconhecidos. Marche utilizou a ferramenta para otimizar o seu trabalho criativo, tendo utilizado como base de suporte à máquina, alguns textos de referência de grandes autores da ficção-científica — Ursula K. Le Guin, Philip K. Dick e Ray Bradbury. O resultado pode agora ser lido na Wired.

O género literário da FC não é muito exigente em termos de escrita, os seus autores são mais reconhecidos pelos universos que criam do que pela beleza da sua prosa. Daí que encetar um esforço destes na área da FC poderia ser um bom ponto de partida, contudo da leitura do texto percebemos que o resultado acaba por ficar bastante aquém. Vale a pena ler as notas que Marche faz na lateral do texto, explicando as interações com a máquina, para ir percebendo o processo e o input da máquina num texto, que ainda assim conta com imensa mão humana.

Se dúvida houvesse quanto à qualidade, fica a primeira impressão de Andy Ward, editor da Random House, que não sabendo nada sobre o origem da história, diz tudo sobre o caminho longo que a IA ainda terá de percorrer:
“Full of unnecessary detail, wooden, implausible dialog (Who talks like this?), and sentences that don’t actually hold up when you read them carefully. They seem like they hold up, but they don’t. It’s aimless. It uses language to describe things rather than reveal them (flowing “brightly and glamorously,” etc.). That stuff doesn’t sound human—or, better, doesn’t sound writerly. Feels like words on a page.” 
Andy Ward, editor da Random House 

dezembro 03, 2017

Little Nightmares (2017)

“Little Nightmares” (2017) é um sidescroller 2.5D, feito de puzzles e plataformas, o género narrativo é o horror, e o estúdio produtor é sueco. No ano passado tínhamos tido “Inside” (2016) com os mesmos atributos, proveniente de um país vizinho, a Dinamarca.  Pode-se dizer que a história não é tão elaborada, apesar de intrigar não nos instiga nem questiona, dá-se mais claramente à ligeireza do género de horror, contudo trabalha muito bem a forma, com os puzzles embebidos no universo-história, e acima de tudo belíssimas atmosfera e animação.



É um pequeno jogo, com bom ritmo mas que se termina rapidamente, ainda assim morre-se muito, existem múltiplos casos em que temos de aprender por tentativa e erro, outros em que não somos suficientemente rápidos, ou ainda os casos mais complexos em que estacamos a tentar compreender como vamos fazer para sair dali. Mas nem por isso nos enfada. Li quem achasse que o jogo era pouco desafiante, outros que diziam que as mecânicas eram pouco conseguidas, não posso discordar mais, sim  alguns segmentos poderiam ter sido mais testados, mas o seu design é perfeito, no sentido em que sentimos a simbiose entre jogo e narrativa.

Quanto à história, consegue-se gerar mistério que vai alimentando a nossa sede por querer saber e chegar ao final, ainda que saibamos desde o início que aquilo que se vais desvelando acabará por não ser decifrado, nem ao chegar ao fim, e assim acontece. É um universo estranho, é um universo desenhado para nos fazer sentir desconfortáveis, para conseguir criar sensações de medo, mas ao mesmo tempo, talvez por estarmos a jogar como uma menina, vamos sentido que tudo contém um lado doce, em que existe esperança no final do túnel.

Uma página de "Little Nightmares Volume 1" da Titan Comics

A narrativa foi expandida por meio de uma banda-desenhada, inicialmente eram esperados 4 números, mas apenas 2 foram publicados. Lendo os dois primeiros percebe-se porquê, usa-se a mesma abordagem, andar em volta do mistério acabando por nada oferecer. Se funciona no jogo, pela recompensa que o próprio ato de jogar oferece, não funciona em banda desenhada, pois só a arte gráfica, ainda que boa mas não excepcional, não chega para sustentar o interesse dos leitores.


“Little Nightmares” acaba sendo uma pequena experiência interessante, tecnicamente muito conseguido, mas que provavelmente não deixará marca.

dezembro 02, 2017

O futuro do Audiovisual

No ano passado, uma equipa do motor de jogo Unity apresentou uma curta na Game Developers Conference 2016, intitulada "Adam: Episode 1" (2016). O impacto passou da conferência para a rede, deixando todos boquiabertos. A história tinha mistério, a intriga lançava múltiplas questões, mas foi o impacto do realismo da animação e da cinematografia, tudo renderizado em tempo-real, que mais impactou a comunidade. Algo completamente impensável pouco anos antes, o puro cinema virtual que Gaeta vinha falando. Se tudo isto já seria mais do que suficiente para o nosso espanto, a Unity resolveu adotar uma estratégia criada antes pela Blender com o seu modelo de Open Movies, e colocou online, de modo livre, todos os materiais utilizados no desenvolvimento do projeto, permitindo assim a quem o desejasse, continuar o mesmo. Como cereja no topo do bolo, quem resolveu pegar no projeto foi nada menos que Neill Blomkamp, o realizador sul-africano, que se internacionalizou com "District 9" (2009), tendo depois disso criado dois blockbusters, "Elysium" e "Chappie", sempre no género de ficção-científica.



Num qualquer momento do nosso futuro, começaram a retirar os corpos biológicos aos prisioneiros, e a carregar os seus seres em corpos de robôs.

Este pequeno resumo é suficientemente impressionante, tendo tudo para lançar discussões infindáveis sobre o futuro do cinema e audiovisual, sobre os seus aspetos relacionados com atores, cinematografia, tecnologia, vfx, mas também direitos de autor, entre muitas outras questões. Contudo, se fiz este post não foi tanto para discutir esses detalhes, que já não são novos no mundo das tecnologias 3d audiovisuais, mas antes para falar do que se seguiu a "Adam". Se o primeiro episódio criado pela equipa do Unity, que lançava a premissa, era instigante, os dois novos episódios — "Adam: The Mirror (episode 2)" e "Adam: Episode 3" — criados por Blomkamp, não ficaram nada atrás, antes pelo contrário, elevaram o nível para esmagador, verdadeiramente provocantes.

Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).


"Adam: Episode 1" (2016)

"Adam: Mirror (episode 2)" (2017)

"Adam: Episode 3" (2017)

dezembro 01, 2017

Horizon Zero Dawn (2017)

Comecei a jogar "Horizon Zero Dawn" (HZD) como um simples jogo de aventura movido por fantástico, ao qual não faltavam magos, tribos e religiões, mas com o evoluir do jogo fui percebendo que não era nada sobre aquilo que o jogo queria falar, já que tudo aquilo que via, se ia desconstruindo de forma lógica, ligando toda a representação daqueles mundos ao nosso mundo real de hoje. Ou seja, HZD é ficção científica, e eu diria mesmo, Hard SF. Como se isso não bastasse, a obra é tecnicamente muito conseguida, plena de detalhe, constituída em cada dimensão por múltiplas camadas de elementos: da arte visual ao game design, do design de som à música, da atmosfera às batalhas, da arquitetura à moda, da tecnologia à IA, do storytelling à narrativa.
Ao fechar do pano não consegui deixar de voltar a impressionar-me, como tem sido hábito, com os créditos finais, vendo desfilar os nomes das centenas e centenas de pessoas necessárias para criar HZD. Tudo parece tão simples, tudo parece ter sido ali posto de forma plenamente natural, porque tudo faz pleno sentido, mas a verdade é que, e seguindo a discussão proporcionada pelo próprio tema de HZD, criar um artefacto destes está apenas ao alcance de uma sociedade evoluída o suficiente para dominar a imensa parafernália tecnológica e conhecimento necessários à sua construção. Aliás, basta ver a quantidade de produtores envolvidos na obra para se compreender a complexidade existente apenas ao nível da gestão dos recursos materiais e humanos.

Em termos críticos, antes de jogar tinha apenas presente “Far Cry Primal” (2016), em termos de cenário e aparentemente temático, bastante próximo. Tendo jogado e terminado ambos e contrastando-os, FCP é um simples brinquedo, é divertido, a jogabilidade cria bom “flow”, mas é totalmente desprovido de “alma”, ou seja, de intenção artística, não tem nada para dizer, ficando a anos-luz de HZD. Se quisermos encontrar no terreno dos jogos algo que se aproxime de HZD teremos de procurar jogos que visualmente nem nos lembraria, tendo em conta a aposta promocional de HZD que se cingiu demasiado aos aspetos pré-históricos e tribais do universo de jogo.
"Num mundo pós-apocalíptico no qual a natureza verdejante se alastrou pelas ruínas de civilizações perdidas, a humanidade continua a resistir em pequenas tribos de primitivos caçadores-coletores. O seu domínio desta nova área selvagem foi usurpado pelas Máquinas – criaturas mecânicas ferozes de origem desconhecida."

Assim, as obras que mais rapidamente se podem associar às ideias que sustentam o mundo de HZD são as que têm trabalhado ficção-científica em ambientes pós-apocalípticos ou dominados por máquinas, para o que podemos buscar referências em jogos como “Fallout 3” (2008), “Mass Effect 3” (2012) ou “Enslaved: Odyssey to the West” (2010) que até acaba por se aproximar visualmente, embora o seu lado mais aventureiro o afaste um pouco do campo mais cerebral que é aqui explorado. Aliás, relativamente a este último ponto, diria que HZD se aproxima mais da minúcia argumentativa de “SOMA” (2015). Claro que isto se deve ao investimento no guião, mas sem dúvida ao investimento em design de narrativa, tendo para o efeito sido escolhido John Gonzalez, que antes nos tinha dado “Fallout: New Vegas” (2010), daí a natural proximidade entre os universos-história.

Tendo em conta o modo brilhante como o desenho de narrativa foi articulado, acabei por esta semana dedicar-lhe uma parte de uma palestra que dei na conferência ErgoTrip Design 2017, a que podem aceder, em parte, via slides, que deixo aqui abaixo.


Assim, tendo passado da discussão do Conteúdo para a da Forma, posso agora realizar a comparação que mais se me apresentou ao longo de HZD, nomeadamente a partir do meio, e falo de “The Witcher 3: Wild Hunt” (2015). Sim, a mensagem, a história contada, está nas antípodas, mas a forma, o design de narrativa está bastante próximo. Temos o mundo aberto, temos as “main quests”, ou nós globais, temos as “side-quests”, ou nós tribais, e depois as pequenas “errands”, ou tarefas individuais, não que não se tenha visto em outros jogos, mas a funcionar deste modo estruturado, intrincado e interdependente é algo raro de ver.

É verdade que HZD tem menos diálogo e logo menos escolhas narrativas, consequentemente o jogador não consegue jogar propriamente com a mensagem, como acontece em “Witcher 3”, mas compensa por toda a história que espalhou pelo terreno e pelas diferentes quests, por meio de mensagens texto, áudio e hologramas. À medida que vamos progredindo, e apesar de ansiarmos por chegar ao final (não tendo feito todas as "side-quests" e "errands", e tendo jogado no modo mais fácil de luta, acabei mesmo assim por precisar de 30 horas), as mensagens dispersas vão-nos atraindo cada vez mais, não só porque estão imensamente bem escritas, ou são apresentadas por meio de boas performances, mas porque vamos compreendendo o quanto da história elas têm para nos oferecer. Pode-se mesmo dizer que todos aqueles fragmentos parecem quase janelas para um passado daquele universo, um universo que dá muito prazer ler e experienciar ao longo de todo o jogo.

Em jeito de fecho, dizer apenas que HZD é uma experiência muito estimulante, tanto do ponto de vista da ação e jogo, como do ponto de vista intelectual. É mais uma obra que ultrapassa as barreiras do seu meio, e passa a figurar nos panteões da ficção-científica. Isto diz-nos também que todos aqueles que gostam do género, precisam de começar a sair dos seus meios de eleição, a literatura ou o cinema, e olhar para os videojogos, ou correm sério risco de perder muito daquilo que o género vai tendo para nos oferecer.

novembro 25, 2017

Desmoralizados por um ciclo de desejo sem freio

O texto "The Demoralized Mind" é de 2016, mas fica para mim como um dos textos mais interessantes que li em 2017. O seu autor, John F. Schumaker, um académico da área da Psicologia Clínica com trabalho reconhecido internacionalmente ao longo de décadas, fala-nos sobre a epidemia das doenças mentais, focando-se na depressão, indo ao fundo da mesma, para mostrar que quando não é patologicamente motivada, é mais certo tratar-se de um problema do foro do significado, que se pode designar por Desmoralização.


Da Depressão à Desmoralização 
“Three decades ago, the average age for the first onset of depression was 30. Today it is 14. Researchers such as Stephen Izard at Duke University point out that the rate of depression in Western industrialized societies is doubling with each successive generational cohort (..) depression is so much a part of our vocabulary that the word itself has come to describe mental states that should be understood differently (..) Since it shares some symptoms with depression, demoralization tends to be mislabelled and treated as if it were depression. A major reason for the poor 28-per-cent success rate of anti-depressant drugs is that a high percentage of ‘depression’ cases are actually demoralization, a condition unresponsive to drugs.”
Esta é uma realidade incontornável, as drogas são cada vez melhores neste domínio, da fluoxetina à paroxetina ou citalopram, mas estamos ainda muito longe de uma SOMA à lá Aldous Huxley, porque se nos fazem sentir felizes, funcionam mais como anestesia, esquecimento das dores do mundo, e quando o seu efeito termina, tudo fica igual ao ponto de partida, porque o problema não está na serotonina, está no modo como atribuímos significado à realidade.

Mas o que é a Desmoralização?
“Rather than a depressive disorder, demoralization is a type of existential disorder associated with the breakdown of a person’s ‘cognitive map’. It is an overarching psycho-spiritual crisis in which victims feel generally disoriented and unable to locate meaning, purpose or sources of need fulfilment.”
Mas porque está então tomar conta de nós, em pleno século XXI? Schumaker aproxima-se de Lipovetski e Baudrillard, e aponta o dedo à sociedade de consumo, para dizer que as suas práticas e rotinas estão atingir-nos e a corroer-nos por dentro.
“Consumer culture imposes numerous influences that weaken personality structures, undermine coping and lay the groundwork for eventual demoralization. Its driving features – individualism, materialism, hyper-competition, greed, over-complication, overwork, hurriedness and debt.” 
“The level of intimacy, trust and true friendship in people’s lives has plummeted. Sources of wisdom, social and community support, spiritual comfort, intellectual growth and life education have dried up. Passivity and choice have displaced creativity and mastery. Resilience traits such as patience, restraint and fortitude have given way to short attention spans, over-indulgence and a masturbatory approach to life.” 
“Research shows that, in contrast to earlier times, most people today are unable to identify any sort of philosophy of life or set of guiding principles. Without an existential compass, the commercialized mind gravitates toward a ‘philosophy of futility’, as Noam Chomsky calls it, in which people feel naked of power and significance beyond their conditioned role as pliant consumers. Lacking substance and depth, and adrift from others and themselves, the thin and fragile consumer self is easily fragmented and dispirited.” 
“By their design, the central organizing principles and practices of consumer culture perpetuate an ‘existential vacuum’ that is a precursor to demoralization. This inner void is often experienced as chronic and inescapable boredom, which is not surprising. Despite surface appearances to the contrary, the consumer age is deathly boring. Boredom is caused, not because an activity is inherently boring, but because it is not meaningful to the person. Since the life of the consumer revolves around the overkill of meaningless manufactured low-level material desires, it is quickly engulfed by boredom, as well as jadedness, ennui and discontent. This steadily graduates to ‘existential boredom’ wherein the person finds all of life uninteresting and unrewarding.” 
“Repeated consummation of desire, without moderating constraints, only serves to habituate people and diminish the future satisfaction potential of what is consumed. This develops gradually into ‘consumer anhedonia’, wherein consumption loses reward capacity and offers no more than distraction and ritualistic value. Consumerism and psychic deadness are inexorable bedfellows.”  
Ou seja, Schumaker fala do consumismo como alavanca, mas coloca o dedo numa suposta génese deste consumo que parece advir pela perda da crença, pela perda das verdades religiosas, e consequente ausência de guias ou orientações. Estamos entregues a nós próprios, restando-nos apenas a constante luta por mais, e mais, e mais, ainda que nos iludamos a nós mesmos com a ideia de que tudo o que fazemos tem como fundamento o melhorar e fazer bem ao humano.

Eu trabalho a Ciência todos os dias, e por mais que queira contradizer este panorama, não consigo. A realidade que habitamos hoje, pós-industrial e embebida de facilidades, que nos deveria fazer chorar de alegria a cada momento, não consegue elevar o nosso sentir. Já Harari repete esta ideia por várias vezes nas suas duas obras, "Homo Sapiens" (2014) e "Homo Deus" (2017), dizendo que tudo aquilo que hoje temos, tudo aquilo que aparentemente conseguimos além do que já tínhamos na Idade Média, em nada nos faz sentir melhores, ou ser mais felizes do que quem viveu nessa altura. Mas Schumaker vai mais longe, tentando explicar porque razão estamos a ser corrompidos pelo nosso "sucesso", citando os estudos do antropologista Raoul Naroll, que:
“used numerous examples to show that entire societies can become predisposed to an array of mental ills if their ‘moral net’ deteriorates beyond a certain point. To avoid this, a society’s moral net must be able to meet the key psycho-social-spiritual needs of its members, including a sense of identity and belonging, co-operative activities that weave people into a community, and shared rituals and beliefs that offer a convincing existential orientation.”
Ora isto aproxima-se de algo que tenho vindo a estudar a propósito das razões que nos levam a jogar videojogos, e que me tem levado a compreender que as motivações para o ato de jogar assenta fundamentalmente em disfunções humanas cognitivas. Ou seja, muitas das rotinas exploradas pelo design de videojogos para engajar os jogadores, estão diretamente ligadas a vieses cognitivos que podemos encontrar, por exemplo, definidos no trabalho de Daniel Kahneman. Ora o que Naroll parece querer dizer é que a nossa cognição, por sofrer destes vieses e entorses, requer algum tipo de estrutura externa, de condicionamento, para se manter equilibrada, o que já era dito antes por Erich Fromm a propósito do “frame of orientation”, que é aqui também citado, acabando Schumaker por rematar: “demoralization is a generalized loss of credibility in the assumptions that ground our existence and guide our actions.”

Ou seja, a nossa ânsia por nos liberar das "verdades" religiosas, entre outras, atirou-nos para um mar de incerteza e dúvida, no qual só nos resta continuar a navegar em frente. Por sua vez, ir em frente está-nos no DNA, precisamos continuamente de mais, de conseguir ter mais, de ir mais além. Mas quanto mais vamos obtendo mais precisamos de obter para continuar a sentir que dominamos o mar que navegamos, fazendo com que conseguir ter mais seja o nosso único desígnio. Deste modo, se este nosso desejo intrínseco é a nossa maior força, enquanto seres humanos, centelha fundamental da curiosidade e da criação de novo conhecimento, parece ao mesmo tempo estar a tornar-se na nossa maior prisão.

O "tratamento" sugerido é complexo, citando novamente Fromm, "We can’t make people sane by making them adjust to this society. We need a society that is adjusted to the needs of people". Ou seja, o problema não está nos indivíduos, mas na rede social que os sustenta a todos. Não podemos mudar nada disto de modo individual, e o maior paradoxo de tudo isto é que quanto mais livre é a sociedade mais individualistas nos vamos tornando, afastando-nos de poder vir a encontrar uma solução para o problema. O destino de tudo isto, proposto por Schumaker, é distópico, mas talvez não seja irrealista, porque na orgânica da natureza tudo funciona por ciclos, e cada ciclo atinge sempre o seu fim para dar lugar a um novo.


Atualização 26.XI.2017
Se o texto acima termina numa nota negativa, numa certa desesperança face ao que nos aguarda enquanto espécie, como em tudo o que é discussão filosófica, existe sempre um outro lado da argumentação. Nesse sentido, veio mesmo a calhar o último episódio da "Shot of Awe" de Jason Silva, publicado também ontem, que aqui deixo para contrabalançar. Silva é reconhecido pelo seu imenso otimismo, à lá Carl Sagan, e este pequeno shot de vídeo é inspirador, para quem se quiser deixar levar.

"And Ode to Knowledge" (2017) de Jason Silva